Para perceberem o contexto, cliquem aqui (desculpem por vos reencaminhar para um treino ^^')
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O som de vozes permanecia indistinguível aos seus ouvidos, tornando-se ainda menos atractivo quando toda a sua mente permanecia focada na dor insuportável que partia da área abdominal e que se alastrava por cada pedaço do seu corpo. Abriu lentamente os olhos, para os fechar de imediato, a luz da sala ferindo-a.
— Eu disse que um beijo resolvia o problema.
A voz desconhecida fez com que o seu sangue gelasse. Era só o que me faltava. O autor do comentário riu divertido, quase abafando os passos de uma outra pessoa que se aproximava dela. Sentiu o ritmo cardíaco acelerar quando o sentiu parar ao seu lado, o local onde fora agredida latejando de antecipação. Os dedos desconhecidos delinearam-lhe o rosto, pausando na testa. Apesar de uma grande parte da sua mente exigir que ela reagisse, o seu corpo parecia estar em desacordo, recusando-se a mexer um único músculo.
Estava a tentar recuperar o controlo sobre as suas cordas vocais, quando a dor corporal se começou a dissolver, fazendo-a expirar de alívio. Os dedos quentes cessaram o contacto, antes dela sentir algo lhe ser colocado no nariz. Óculos?
— Melhor? — a voz calma e ligeiramente rouca chegou-lhe aos ouvidos, fazendo-a sentir-se estranhamente mais calma.
Desafiando o incómodo que iria sentir pelas luzes, abriu os olhos ao pouco, apenas para descobrir que as lentes escuras a protegiam disso mesmo. O homem que, pelos vistos, a ajudara, permanecia em pé ao seu lado, as mãos nos bolsos das calças escuras, a camisola azul escura quase negra realçando a tez clara.
Não confiando muito na sua própria voz, acenou afirmativamente, recebendo um sorriso como resposta.
— Hey, não penses que vais ficar com o mérito.
Virou-se para o lado, dando de caras com um homem de pele escura, cabelo ralo e olhos da cor do carvão, condizentes com o equipamento negro constituído por uma camisola de manga curta e calças largas. Os ligeiros vincos no seu rosto indicavam que ele era o mais velho de ambos.
— O meu nome é Wada Kenichi, e sou o teu salvador! — exclamou com entusiasmo, deitando-lhe um sorriso que, supostamente, seria arrebatador. O riso camuflado do outro fez com que ele lhe lançasse um olhar irritado, acompanhado por uma kunai na sua direcção, e que Aruko nem vira aparecer.
Acompanhando a sua trajectória, viu o homem ao seu lado se desviar sem dificuldade, o seu cabelo negro despenteado modelando-se ao movimento. Retirou os óculos de sol, encontrando os olhos azuis-escuros.
— Já que ele começou as apresentações, eu sou o Ojima Yori. E não te preocupes, não foste acordada do sono profundo com o contributo do Kenichi. — a última afirmação valeu-lhe uma nova kunai, a que ele escapou sem sequer olhar — Mas deves estar a querer saber onde estás, certo?
Pestanejou em confusão, antes de olhar em volta. Estavam num quarto acolhedor, decorado à base de madeira escura e tinta bege, e ao contrário do que lhe parecera no início, a iluminação estava a cargo de candeeiros de luz fraca espalhados pela divisão. Uma grande janela estava protegida por cortinados da cor das paredes, um banco branco à sua frente como se convidasse a que um deles se sentasse ali e apreciasse a vista que ela desconhecia.
Não era um local assustador nem assolado por auras negativas, dando-lhe uma sensação de segurança que ela não sabia se devia repudiar ou abraçar aliviada.
— Eu chamo-me Shimizu Aruko. — apressou-se a informar, ao se aperceber que fora a única a ignorar as apresentações. A voz rouca fez com que tossisse, numa tentativa frustrada de recuperar o seu tom normal.
— Nós sabemos.
A sua atenção foi desviada para o Kenichi, antes de regressar a Yoki, que agora lhe oferecia um sorriso de desculpas.
— Não pareças tão chocada, é o nosso trabalho.
Se a sua garganta pudesse, sabia que tinha gritado de susto quando a voz feminina lhe chegou aos ouvidos. Como não pôde, limitou-se a saltar no colchão onde estava. Rezando para que a dor não voltasse, sentou-se, usando os braços como apoio, inspeccionando de novo o cómodo, sem descobrir a fonte da voz que acabara de soar.
— Para variar fui ignorada nas apresentações.
A morena engoliu em seco, mas o riso do Yoki chamou-a à atenção. — Desculpa, erro meu. — Pelo menos não fui a única a ouvi-la. Bom sinal, a minha loucura ainda não chegou ao extremo — Aruko-chan, esta é a Loxos.
Para seu choque, uma aranha surgiu no ombro dele, saindo do esconderijo das suas costas. Não devia ser maior que a palma da sua mão, as patas perfeitamente cravadas no tecido da camisola. Os olhos depositaram a sua atenção nele de forma reprovadora.
— Ela está mais morta que sei lá o quê.
O riso apologético de Kenichi preencheu o local. — Podemo-nos ter atrasado um bocadinho…
— Um bocadinho? — retrucou ela, não desviando o olhar.
— Bastante. — reformulou o moreno, antes de se ajoelhar aos pés da cama, os olhos azuis fixos na rapariga que os fitava sem perceber a conversa — Peço desculpa pela demora, Aruko-chan. Não era nossa intenção deixarmos-te sozinha durante tanto tempo, mas o Kenichi não sabia de nada e quando a Loxos chegou estávamos desprevenidos. — tocou-lhe no pé por cima do lençol, a sua expressão tornando-se pesada — Lamento imenso não termos chegado mais cedo.
Aruko abanou a cabeça freneticamente — A culpa está longe de ser vossa… mas como é que sabiam que eu precisava de ajuda? E como é que me encontraram?
— Ken, não tens que voltar? — questionou, fazendo o colega olhar para o relógio preso ao pulso.
— Merda, estou atrasado. Toma conta da miúda. — ordenou, antes de sair porta fora. Ergueu uma sobrancelha. Primeiro vai salvar-me com um beijo, depois sou uma miúda. Bom saber.
— Ignora-o. — levantou-se, os seus olhos nunca deixando os castanhos da morena — Sei que tens muitas perguntas, mas — aproximou-se antes de esticar o braço. Por reflexo, a rapariga afastou-se, fazendo-o sorrir divertido — vais ter que esperar mais um pouco pelas explicações. Agora é melhor descansares.
Antes que pudesse reclamar, os dedos quentes tocaram-lhe na testa, fazendo com que uma sensação quente percorreu cada célula do corpo dorido, o sono embriagando-a. Sentiu os olhos pesarem-se, obrigando-a a cair num sono profundo, sem hipótese de retrucar.
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— Mortos? Como assim mortos?
— Mortos do estilo daqueles que deixaram de respirar definitivamente. A dormir o sono eterno, ou qualquer outra expressão que preferires.
— Não é possível. Ela não tem capacidades para os derrotar!
— Se tivesse sido eu…
Agarrou-a pelo colarinho da camisola, empurrando-a de forma violenta contra a parede áspera. Os olhos dela focaram-se nele, as rugas de preocupação na testa transfigurando a pele morena. Sentia-o tremer de raiva e isso deliciava-a.
— Onde é que ela está?
Encolheu os ombros. — Quem sabe. Quando cheguei lá para ver se eles não tinham feito asneira, encontrei-os aos dois no chão. Foi um desperdício, se queres saber. Um deles era interessante.
A mão livre do homem agarrou-lhe os cabelos vermelhos, puxando-os, fazendo com que o rosto dela se erguesse. — Z, sabes o significado de sigilo?
O sorriso dela perdeu-se. Puxou-o pela frente da camisola, fazendo com que ficassem a menos de um palmo de distância. — Não sei quando é que te tornaste num cobarde, mas é bom que isso seja apenas uma fase.
Sentiu a pressão desaparecer dos fios de cabelo e da camisola, vendo-o afastar-se e caminhar em direcção à porta. — Prepara-te, porque da próxima vez vais ser tu a ir à caça.