Sinais subentendidosEntreabriu os olhos, antes de os fechar de novo, de forma a evitar a luminosidade que a atingia com uma pontaria irritante. As suas costas doíam, devido ao chão desconfortável onde estava deitada, tal como o seu braço. Gemeu de dor, quando tentou usar o braço ferido para proteger os olhos.
— Finalmente acordaste, Aruko-chan! – exclamou uma voz familiar, num tom animado.
Inclinou a cabeça na direcção da voz, sentindo uma ponta de choque. – Porque raio é que eu não estou no hospital?! – questionou num fio de voz, esperando que o professor se apercebesse do tom furioso com que tentara usar.
— São só uns arranhões, nada de especial.
Abriu de novo os olhos, vendo apenas o vulto disforme do seu professor. — Ainda bem que algum de nós tem conhecimentos tão avançados de medicina. Eu por momentos pensei que tinha o braço partido. — retorquiu ironicamente, antes de usar o outro braço para se sentar.
Sentia a cabeça a andar à roda e o braço esquerdo continuava a latejar. Ao fim de uns segundos, a sua visão permitiu-lhe ver Tomoko sentado no chão ao lado dela, com um sorriso simpático nos lábios. Decidida, levantou-se num salto, sentindo as pernas vacilarem e as tonturas piorarem, desequilibrando-a. Sem qualquer esforço, o homem segurou-lhe no braço bom impedindo-a de cair, encostando-a contra si.
— Se não tiveres cuidado, acabas por te magoar. – aconselhou ele num tom suave, fazendo-a arrepiar-se.
— Eu quero ir para casa. – disse a morena firmemente, fechando os olhos ao sentir uma nova onda de dor percorrê-la.
Sem falar, Tomoko virou-a suavemente, e fez com que a aluna subisse para as suas costas antes de começar a caminhar descontraidamente em direcção à saída da floresta. O som de passos distantes chegou-lhe aos ouvidos, mas Aruko manteve os olhos fechados. Não queria saber. A imagem da rapariga de cabelos negros atravessou-lhe a mente, obrigando-a a empurrá-la para um canto escuro do seu subconsciente. Pensar naquela estranha só lhe piorava a dor de cabeça.
Ao fim de quinze minutos de caminhada, Tomoko entrou no hospital e depositou a rapariga numa das camas disponíveis. De imediato, uma médica ninja debruçou-se sobre ela, iniciando o tratamento. Lentamente, a dor no braço foi diminuindo, até não ser mais do que uma dormência ignorável. Poucas horas depois, recebeu alta, encontrando os pais à sua espera, mais pálidos do que alguma vez os vira. Assim que se aperceberam da presença da rapariga, Shinju desfez-se em lágrimas, abraçando-a com uma intensidade tão grande que quase a proibia de respirar. Aruko sorriu, antes de olhar para o pai por cima do ombro da mãe. Takuya continuava pálido como cal, fitando-a como se fosse a primeira vez que o fazia.
— Vamos para casa. – ordenou friamente, voltando as costas às duas e saindo em passos largos do hospital. Surpreendidas, Shinju libertou a filha e, sem lhe largar a mão, seguiu o marido.
Assim que chegaram a casa, Takuya indicou-lhes o caminho para a sala, sem tecer qualquer comentário. Aruko sentou-se ao lado da mãe, vendo o pai fechar os olhos e as rugas na sua testa se salientarem, indicando a sua concentração. Ao fim de uns minutos de silêncio desconfortável, o homem abriu os olhos e fitou-a intensamente, com um ar extremamente decidido.
— Acabou.
— Acabou o quê? – perguntou Aruko, confusa.
— Esta história. Acabaram-se os treinos, as missões, tudo.
— Não podes estar a falar a sério! – exclamou a rapariga furiosa, levantando-se num salto. – Foi só o meu braço! E já está óptimo!
— Desta vez o braço, para a próxima pode ser o teu pescoço! – descontrolou-se Takuya, vendo a filha vacilar ligeiramente pelo facto de o ver gritar – Podias ter morrido por causa de um estúpido treino e eu vou garantir que não vai haver outra oportunidade para que isso aconteça.
Ela não retorquiu. O remoinho de emoções bloqueava-lhe a garganta, fazendo-a sentir as lágrimas formarem-se nos seus olhos. Lançou um olhar de fúria ao pai, antes de lhe virar as costas e correr para o quarto. Fechou a porta com um estrondo, encostando a testa à madeira clara.
— Olá.
Aruko virou-se para trás num salto. A rapariga estava sentada no parapeito da janela, balançando os pés. Engoliu em seco.
Porque raio é que deixei a janela aberta?!— Não sei quem és tu, mas neste momento não tenho paciência para te aturar – sibilou friamente, sentindo uma ponta de orgulho por a sua voz não vacilar depois do que acontecera na sala.
Viu-a inclinar ligeiramente a cabeça, num gesto de curiosidade. – Quem sou eu?
— Nem mais.
O som de vozes no exterior compunha a música ambiente, em conjunto com o roçar do vestido da intrusa na parede e os passos do pai na divisão ao lado.
— Isso não interessa. Não agora. – esclareceu calmamente.
Escondeu as mãos atrás das costas, antes de estender a mão direita em direcção à morena. Esboçando um sorriso de lado, abriu-o.
Nada aconteceu. A morena, ao contrário de Aruko, não parecia minimamente surpreendida com esse facto. Os olhares de ambas cruzaram-se, fazendo-a arrepiar-se.
— Isso era suposto ser um truque de magia? Se for, digo-te que és péssima.
— Esqueceste-te. – acusou a outra, na sua voz suave.
A morena arqueou uma sobrancelha, descrente - De quê? – inquiriu Aruko, recebendo apenas um suspiro como resposta.
— Esqueceste-te. – repetiu.
O silêncio abateu-se sobre elas, sem que Aruko o tentasse quebrar. A morena por sua vez, parecia mergulhada numa profunda reflexão, parecendo ter-se esquecido da presença da outra. Ouviu vozes na sala ao lado, fazendo a sua convidada sorrir ligeiramente. – Ele está aqui.
O som de alguém a bater à porta fez com que a morena saltasse, virando-se na direcção oposta. Olhou de relance para a janela, para se encontrar sozinha no quarto. Rodou sobre si mesma, levemente desnorteada pelo desaparecimento súbito da rapariga. Voltaram a bater à porta, desta vez com mais força. Atravessou o quarto debruçando-se à janela. Os únicos presentes na rua eram simples transeuntes a conversarem animadamente sobre o torneio.
- Importas-te de abrir a porta?! – gritou Atsuko, voltando a bater insistentemente na madeira.
Ignorando o arrepio que a atravessou, caminhou em direcção à porta, abrindo-a. Antes que pudesse reagir, o rapaz agarrou-a pelo pulso e arrastou-a para fora de casa, antes de começar a correr de forma desenfreada. Deitou um último olhar à casa, vendo a rapariga sentada de novo no parapeito da sua janela. Para seu espanto, ela fitou-a intensamente antes de repetir o sinal que fizera há minutos atrás, desta vez, sem esboçar qualquer sorriso. Atsuko dobrou uma esquina, cortando-lhe a visão para casa.
Correram durante o que lhe pareceu uma eternidade, atravessando rapidamente casas e becos, até se embrenharem na floresta que voltara a mergulhar na semi-obscuridade.
- Onde raio é que estamos a ir?! – gritou a rapariga, ofegante, não recebendo qualquer resposta.
Irritada, libertou-se da mão do amigo, fazendo-o parar. Fitaram-se intensamente, a raiva causada pelas palavras do pai a aumentar com a mudez do amigo, que parecia completamente desnorteado.
- Atsuko? – perguntou, vendo-o virar-lhe costas e recomeçar a andar.
Vendo que ele não fazia intenções de parar, avançou na direcção dele. – O que se está a passar? – questionou, com a voz fraca, que o fez parar.
Ouvia, de forma horrivelmente clara, o barulho que a brisa cortante provocava ao embater contra as árvores, confrontar-se com o piar irritante dos pássaros ali presentes. Atsuko virou-se lentamente para trás, encarando-a com um olhar entre o horror e o choque. O rapaz engoliu em seco, fazendo-a ter a sensação de que não devia ter perguntado.
- Eu vi a Emi morrer.
- Spoiler:
Obrigado pela ajuda com o título, Nocas *hugs*