Estava encostado a uma árvore. Tinham tirado todos uns minutos para descansarem. Era já o segundo dia de viagem. Michael quase se deixava adormecer. A relva do chão parecia brincar com os seus dedos, enquanto o vento o ia despenteando pouco a pouco. O pouco sol que atravessava a folhagem aquecia-lhe a cara e os sons da floresta pareciam embalá-lo. Teve de abrir os olhos para não cair na tentação de dormir.
Quando os abriu por completo, recuou um pouco a cabeça ao ver que Kyra estava mesmo à sua frente. Estava agachada e a olhar para si com umas vinculações na junção dos olhos. Até tinha medo de saber o que estava ela a pensar…

– Estás bem? – Perguntou a rapariga com uma cara séria.
Michael ergueu uma sobrancelha. Se ela saísse da frente dele estaria melhor. – Claro que estou bem, estava só a descansar um pouco como os outros.
Dizendo isto tentou levantar-se, porém Kyra pousou a mão no seu ombro e empurrou o rapaz para trás, de modo a encostar-se novamente na árvore.
– Estou a referir-me ao teu óptimo humor nesta viagem. – Deu ênfase à palavra “óptimo” que tinha referido com sarcasmo, enquanto revirava os olhos.

Por momentos levantou os seus olhos para observar a rapariga. Nunca tinha reparado antes, mas Kyra tinha umas pontas soltas do seu cabelo castanho-escuro que atrevidamente cobriam um pouco dos seus olhos brilhantes cuja cor estava entre o âmbar e o azul.
Antes que Kyra desse conta da sua divagação, Michael respondeu. – Não é nada. Tive só uma má manhã ontem.
Kyra torceu o nariz e semicerrou os olhos. Tinha ficado céptica, não obstante encurtou muito a sua distância com Michael. O que estaria ela a pensar para se aproximar assim tanto? O rapaz susteve a respiração durante uma batida de coração. Duas. Três. A rapariga mordeu de um modo sedutor o seu lábio inferior e foi nesse momento, que sem saber bem como, sentiu uma enorme chapada na sua testa. A mão de Kyra tinha sido bastante rápida.
– Desculpa, tinhas um bicho a rastejar-te pela testa.
Sem dúvida que ela sabia bem como quebrar momentos de tensão. Kyra levantou-se, ouvindo-se um estalar de ossos vindo do seu joelho direito. Michael sabia que desde que o partira quando mais nova, o joelho começara a emitir uns sons, por vezes irritantes, sempre que o dobrava. Ia preparar-se para se levantar quando viu que a rapariga lhe tinha estendido a mão para o ajudar. Embora um pouco desconfiado, não fosse ela largar a meio, Michael aceitou.
Já de pé, Michael teve de olhar para todos os lados para encontrar Yoi e Ryu. Ficou surpreso quando os viu juntos, juntos a uma outra árvore que se encontrava no local. Yoichiro afagava carinhosamente o braço da rapariga, enquanto esta se ria de algo que o rapaz dissera. O jovem ruivo ergueu uma sobrancelha, confuso. Uma áurea diferente e estranha rodeava os dois. Michael não sentia que fosse maligna ou algo do género, simplesmente era uma coisa que não conseguia identificar nesse momento.

– O que se passa com aqueles dois? – Perguntou à rapariga que estava ao seu lado.
Kyra olhou para ele com os olhos abertos. – O quê, tu não sabes?
– Não sei o quê? – Perguntou confuso.
Kyra olhou para ele por breves momentos, mesmo antes de revirar os olhos e suspirar. – O Yoichiro não te disse que namoravam?!

Só depois de Michael responder negativamente é que Kyra se apercebeu de que tinha falado mais do que devia. O rapaz ruivo ponderou nas palavras. Yoi era o seu melhor amigo, porque não lhe tinha dito? Era verdade que ultimamente tanto os treinos como as missões já não os permitiam estar tantas vezes juntos. Talvez até a última vez que conversaram tinha sido de facto há algum tempo. Mas a Kyra tinha sabido como? Bem, Ryo era sua vizinha, por isso era possível que a rapariga andasse a ver demasiado pela sua janela.
Olhou de novo para os seus dois amigos de infância. Amor? Por momentos fixou o chão verdejante coberto por algumas flores. Como seria sentir tal coisa? A necessidade doentia de estar ao lado de alguém, de fazer uma pessoa feliz e sentir-se bem com isso. De ter a obsessão saudável de pensar numa única pessoa no primeiro momento ao acordar e desejá-la no último pensamento ao dormir. De sentir uma saudade ambiciosa quando essa pessoa não está por perto e ainda assim continuar a senti-la quando se está ao lado dela. Rasgar todas as máscaras usadas para não deixar os sentimentos transparecer… a derradeira condição para que a verdadeira face humana apareça no esplendor da sua verdade. A fantasia ridícula que atiça qualquer fogo apenas de uma única vela.
Depois olhou para Kyra, a rapariga de cabelos castanhos e olhos âmbar e azul. Como seria sentir tal coisa?
– Então, vamos continuar a viagem ou não? – Ouviu um deles perguntar.


Por fim tinham chegado ao seu destino. Michael ergueu a cabeça e vislumbrou o que se erguia imponente diante dos seus olhos. Não era um edifício de todo semelhante a qualquer hospital que já tivesse visto até agora. Na verdade assemelhava-se mais a uma casa, porém bastante maior do que estava habituado a ver. A julgar pelas janelas teria apenas dois pisos, não obstante, a área que ocupava era consideravelmente vasta.
Pegou no mapa que tinha na mochila que carregava consigo. Depois uma rápida observação chegou a uma conclusão. – É mesmo este o lugar.
Acercaram-se dos portões que traçavam a fronteira do terreno. Através destes conseguiram ter um vislumbre sobre o magnífico jardim cujas delimitações eram marcadas por diversos pequenos canteiros de variadas flores, notavelmente bem tratados. No lado direito, no centro do chão relvado jazia um pequeno lago azul com uma ponte que permitia passar por cima deste.
Como estava tão abstraído do resto do mundo enquanto observava a explosão de verde à sua frente, não tinha reparado que uma pessoa alta se aproximava deles, até esta impedir a sua visão.

– Suponho que sejas os shinobis que nos vêm ajudar.

Os quatro acenaram afirmativamente com as respectivas cabeças. Com um breve sorriso - que foi lançado mais na direcção das duas raparigas - o homem abriu os portões com uma chave que tinha presa a um fio que percorria o seu pescoço pálido. Michael desde logo não gostara da sensação que este homem lhe transmitia. Nem sequer sabia a razão de tal, mas apercebera-se de que o seu amigo tinha tido o mesmo pressentimento. Percorreram o caminho de pedra que os levava a uma porta principal. O rapaz ruivo denotou que esta era de uma madeira simples. Demasiado simples até, cogitou. Seria fácil quebrá-la. Michael apagou tal pensamento logo de seguida. De certo que não tinham pensado nisso porque não havia qualquer razão para os pacientes terem uma iniciativa de fuga.
O homem que Michael pensou ser uma espécie de mordomo, pela maneira de se vestir, abriu-lhes a porta. – Por favor, entrem. – Disse afavelmente.
Assim o fizeram. Desde logo depararam-se com uma faustosa entrada. Mesmo em frente encontrava-se uma sublime escadaria que levava a dois corredores diferentes no piso de cima. A ladearem estas escadas tinha ainda outros dois corredores, estes já iluminados, no entanto não o suficiente para poder ver o seu fim. Michael estava a observar a porta que se encontrava à sua esquerda quando ouviu uma voz grave a ribombar pelas paredes.
– Bem-vindos.