O sol ajudava o rapaz a manter-se escondido e a estudar toda aquela cidade. Sem porto algum, o amontoado de casas cúbicas era abastecido por um lago natural situado na fronteira da localidade. A muralha era circular, tal como ele suspeitara e ela mantinha a sua grossura e tamanho ao longo de todo o seu comprimento. Os reflexos dos capacetes dourados dos guardas diziam-lhe quais as ruas mais vigiadas e com um giz fazia o esboço do mapa no interior da sua capa.
Para caso a memória me falhe, convencera-se Mamoru. Desenhara os três portões, únicos pontos de entrada e saída dali. Todos estavam de acordo com os pontos cardeais, sendo que o único não ocupado era o Oeste. Lá era onde estava o maior edifício, também ele rodeado por muralhas, apesar de serem menos espessas do que as da vila. Não demorou muito a desenhar, a cidade era pequena e o seu tempo era pouco.
Com o Kinobiri, concentrou chakra nas mãos e nos pés e desceu cautelosamente a parede da torre. Chegara à base quando o grande sino de metal começava a tocar com força e a inundar a vila com o seu som.
— E agora? — Via-se no meio da multidão. As pessoas amontoavam-se e colidiam ao tentar passar e seguir viagem. Alguns animais de grande porte carregavam carroças de um lado para o outro, diminuindo ainda mais o espaço útil. —
Com algo afiado tinha já arranjado uns trocos nesta confusão toda... Afastou-se, indo para uma das ruelas que lhe chamara a atenção do cimo da torre. Notara como as casas tinham quase todas o mesmo nível, a mesma cor e o mesmo tipo de construção fora da muralha interior. Subiu a um barril meio podre no fim do beco e com um salto agarrou-se à dobra criada entre telhado e parede.
Força! Os seus músculos não estavam assim tão bem treinados para aquelas tarefas sem o uso de chakra, mas mesmo esse era um recurso valioso. Dobrou com dificuldade os braços, arfando quando finalmente pôs a cabeça acima do telhado. Com algum esforço e mais força, lá subiu o suficiente para pôr uma perna como ajuda e rodou para o meio do telhado aquecido pela exposição ao sol.
— A partir daqui deve ficar mais fácil. — Com uma corrida e um salto, o moreno lá ia passando de telhado em telhado até às proximidades da muralha interior. Ali chegado, deixou-se cair para uma das ruas laterais e entrou novamente no fluxo de pessoas que se movimentava pela cidade.
Deixou-se ficar quieto por um pouco. Escondido pela própria população que pretendia espiar. Para dentro da muralha interior só pareciam ir três tipos de pessoas: a primeira eram os senhores, nas suas carruagens de madeira tratada e detalhes a dourado, prateado e toques de uma ou outra tapeçaria escarlate.
Fora de questão passar-me por lorde de alguma coisa. Descobriam-me logo pela minha barriga pequena. A outra era passar-se por um guarda, mas a farda não tinha umas cores que lhe agradassem.
Além disso, ainda morria assado por baixo daquele metal todo. A última opção era os pequenos e recatados homens de manto negro que entravam de vez em quando. Todos eles separados, nunca aos pares e pareciam entrar e sair em intervalos de quinze minutos. Fosse o que quer que fosse, não demoravam muito a fazê-lo.
E dão-me o tempo que preciso para entrar, ver e sair sem que se preocupem muito com isso.Decidiu-se. Passou por entre pessoas, seguindo o último dos mantos negros que tinha visto. Virou à esquerda na rua principal, direita, depois esquerda e esteve quase a desaparecer da vista de Mamoru não fosse um oportuno Kiri-Shunshin. Preparou-se alguns metros à frente do homem de negro, sentado num dos telhados.
Tenho que o imobilizar e calar. Olhou mais uma vez para a figura que seguia.
Pontapé na parte esquerda da cabeça, confusão imediata e desequilíbrio. Palmada com pressão na garganta, um Shōgekishō deverá ser o suficiente para o calar por momentos. Joelhada no meio do estômago, seguida de um empurrão de ombro na perna direita. Shōshitsu e Tokken, tal e qual. Imaginou tudo em poucos momentos, milissegundos pela adrenalina que lhe começava a fluir no sangue.
— Agora.
Saltou do telhado e com um Konoha Daisenpu alterado apanhou a orelha esquerda e a nuca do homem. Caiu no chão e apoiou-se na perna direita para rodar sobre si próprio e acertar com a mão esquerda com força na garganta. O homem levou as mãos à garganta, mas Mamoru já estava a levantar o joelho direito e a enfiá-lo no meio do abdómen para depois se baixar e tentar esmagar o joelho do homem contra a parede com um empurrão de ombro. O homem caiu no chão a contorcer-se e a soltar um grito mudo.
— Dorme porra! — Retirou de uma das suas Tonfas e acertou-lhe na cabeça. Só assim o homem ficou inconsciente. — Vamos ver o que trazes por baixo dessa roupita.
Despiu-o num ápice, tirando-lhe manto, roupa interior e um pequeno fio com uma símbolo qualquer. O Uchiha vestiu o manto e pôs o fio como se fossem dele próprio, tapando-se quase na perfeição. O dono das vestes era pouco mais alto que ele e o manto arrastava-se um pouco pelo chão.
Nem tudo pode ser como quero. Esperou para fazer tempo da próxima visita e só nessa altura avançou. Passou sem problemas pelos guardas no portão.
Do outro lado da muralha interior, o prédio que existia era vistoso. Um pequeno jardim repleto de erva cortada e bem cuidada, pintalgado por pequenas lagoas habitadas por alguns peixes de várias cores. Pequenas árvores de fruto estavam espalhadas estrategicamente para dar sombra a um caminho de pedra até à entrada do edifício. Este era de uma cor entre o vermelho e o castanho, com madeira dourada a embelezar os pilares e os detalhes do telhado de um azul o mais escurecido possível. Tinha vários andares, todos eles com pequenas janelas ora quadrangulares ora circulares.
Vistas à parte, não via ninguém. Estava sem saber o que fazer após ali entrar. Na dúvida, seguiu o caminho de pedra até quase à entrada, virando à esquerda e manteve-se no perfil do prédio. Já depois de dar a curva, desfez-se do manto e o fio para os guardar no meio da folhagem de uma árvore.
— E agora, um Kinobiri para subir isto. — Concentrou chakra nos pés e começou a andar na vertical ao seguir caminho pelas paredes.
Marchou até à janela mais próxima à procura de alguma sala com documentos, não era pessoas o que queria encontrar. Só na quinta é que encontrou um pequeno escritório. Secretária de madeira clara com uma cadeira da mesma madeira e estofo beje. Ao longo das paredes da divisão estavam várias prateleiras ocupadas por livros, scrolls e até objectos estranhos enfrascados em líquidos incolores.
Segurou num Makibishi e foi lentamente arranhando o vidro da janela numa figura circular. Acabando o desenho, deu uma pequena pancada no interior da figura e ouviu aquela parte partir-se no tapete do escritório. Ninguém apareceu por causa do barulho e aproveitou para esgueirar a mão e abrir por completo a janela a partir do interior.
Está feito. Mas da próxima vez a entrada tem que ter mais estilo. Continuo a parecer um rato dos esgotos a entrar onde não devo.Rapidamente o rapaz deu uma vista de olhos pelos vários livros do escritório. De entre coletâneas de histórias e contos do mundo a mapas de todo o mundo shinobi, pouco era o que lhe atraía a atenção. No final da pesquisa, nenhuma das encadernações lhe interessou. Olhou de relance para os frascos, ganhando mais nojo do que interesse pela grande parte deles.
Só ganhou curiosidade ao olhar para os scrolls que estavam numa das prateleiras do topo. Todos enrolados e selados com o mesmo símbolo que o fio que guardara antes de entrar. Um circulo branco, com três pontos gordos e dourados à mesma distância uns dos outros. Partiu o selo de um deles, abrindo-o para descobrir as instruções para a criação de uma Armadilha de Terra. Desde os desenhos necessários, aos selos e o seu funcionamento. Decidiu abrir outro, mas notou passos a virem na sua direcção. Olhou para a única porta da divisão e do outro lado conseguiu notar a sombra de dois pares de pés.
Companhia. Enfiou o scroll já aberto e o ainda por abrir num dos seus bolsos traseiros e tapou-os com a capa velha. Concentrou chakra nos membros e colou-se ao tecto com mãos e pés.
— Sabe bem que a nossa segurança é óptima. — Era uma voz grossa, mas numa fala educada e mansa como se temesse quem o acompanhava. — Só um shinobi treinado por uma das cinco grandes nações conseguiria inserir-se neste ambiente.
— Sim. Nós já conhecemos as suas promessas. Mas o santo que encontrámos nú na rua conta uma outra história. Além disso, os seus guardas dizem que entrou um santo faz pouco tempo, quando esta é a minha hora de recolhimento.
A porta moveu-se silenciosamente e ambas as figuras entraram. À esquerda seguia um homem baixo e tapado pelo mesmo tipo de manto negro roubado por Mamoru. O outro indivíduo era novo e vestia-se como um aspirante a Senhor Feudal, todo aperaltado e embrulhado em finos tecidos de um cinza e branco, com padrões de chamas douradas no lenço branco no seu pescoço.
Nenhum dos dois notou o Uchiha, mas o mais novo notou o estado da sua janela e os vidros espalhados pelo seu tapete do mapa mundo.
— Que se passa aqui? Guardas! Guardas! — Começou o homem a gritar. O homem do manto olhou logo para cima e Mamoru conseguiu ver os seus olhos inteiramente brancos. Arrepiaram-no até aos ossos e com o estender de braço do religioso o corpo do rapaz viu-se comprimido contra o tecto!
— Quem és? — Perguntou com uma voz grossa, alterada por alguma arte para parecer que vinha do fundo do seu ser.
A força de repulsão era enorme e o ar escapou-se dos pulmões de Mamoru sem lhe dar tempo de qualquer resposta. Mesmo assim a técnica não parecia ser de longa duração ou o homem cansara-se depressa. O rapaz deixou-se cair no chão, batendo com a cabeça no tapete e ficando tonto do choque. Mas não podia parar. O seu próprio corpo não o deixava parar. Deu dois passos e saltou pela janela para chocar contra uma das árvores de fruto. Com a queda amortecida, saltou da árvore para a muralha interior e colou-se a ela que nem uma lagartixa com o Kinobiri. Sentia-se melhor, mas não se sentia mais seguro. Antes de saltar, virou a cabeça na direcção da janela por onde escapara e viu lá o vulto negro a olhar na sua direcção.
De novo nas ruas, lançou alguns makibishi pela rua para atrasar quem o segui-se. Livrou-se da capa esfarrapada que lhe tinham dado no acampamento e enfiou-se na zona comercial. Tinha que sair dali, mas Gosm e Xa tinham sido bem claros. "Deves trazer tudo o que te pedimos.", relembrou-se. Escondeu uma das Tonfas por baixo da manga esquerda e fechou a mão. A pancada que deu a um dos transeuntes foi suficiente para o deixar inconsciente e cuja única recordação seria um galo rubro no dia seguinte. Roubou-lhe o casaco fino que trazia e a magra bolsa que mantinha no bolso da frente. Agitou o pedaço de pele para ouvir o som de metal e ficou contente com o roubo improvisado.
— O que consigo comprar com isto? — Lançou a bolsa com todas as suas moedas para o balcão de um comerciante. O homem olhou de lado para ele, mas aceitou de bom grado as poucas pratas da bolsa. Em troca o rapaz conseguira alguma carne fumada, bolos de mel e fruta. —
Melhor do que esperado... Agora só falta sair daqui.A saída que o preocupara fora mais fácil do que pensara. O alarme da intrusão não tinha sido dado pela cidade inteira e a guarda do portão mantinha-se a fazer as suas tarefas habituais. Já antes notara que poucas tinham sido as patrulhas pela zona comercial.
Devo ter entrado onde ninguém devia meter o nariz, pensou ao caminhar para o portão a Sul.
Sítios importantes é só para pessoas importantes.. Fingiu mais uma vez os seus documentos com um conjunto de selos previamente preparados e uma última parte de chakra à mistura para a ilusão.
— Podes passar.
Deixou-se ir pela estrada do povo para se enfiar na floresta passadas várias centenas de metros. Era a melhor maneira de não ser seguido a partir da cidade. Demorou um pouco mais, mas lá chegou ao acampamento onde Gosm esperava pelas suas notícias.
— Trazes tudo? — Perguntou o velho ao vê-lo. Wyzz, aquela fuínha traiçoeira permanecia nos seus ombros que nem um cachecol.
— Mantimentos. — Mostrou o que comprara. — Defesa. — Entregava ao velho os dois pequenos scrolls com o selo estranho. — E...
— Acho que a palavra que te falta é "estrutura". Pedimos-te um mapa da cidade que visitaste.
— Sim... — Esquecera-se disso. Com a necessidade de não ser reconhecido, não se apercebera que mandara fora o mapa desenhado nas costas da sua capa. Tentou lembrar-se do desenho, da própria vista da cidade enquanto estava na torre do sino. — Visualiza. — Murmurou baixinho e começou a ir fazendo selos. O seu chakra fluiu para o velho e um mapa em papel aparecia à sua frente com o desenho que Mamoru imaginava na mente. — Copia-o depressa para papel verdadeiro. Chakra não dura para sempre e tu próprio disseste que informação é poder. — Mostrou as costas ao velho e afastou-se para se contemplar com a refeição que trouxera da missão.
FIM