Não sei quanto tempo tinha passado, mas finalmente tinha acordado. Abri os meus olhos lentamente. Ainda os sentia pesados. Não me lembrava de muito. Sentia-me tão fraca, que parecia impossível. Pronunciei alguns sons, mas nem eu mesmo os percebia. Sei lá se estava no mesmo sitio, se estava noutro. Se estava morta, se era tudo da minha cabeça, ou se realmente estava viva. Talvez fosse mais credível a ultima opção.
Agora começava a ver o local onde estava. Ainda estava na mesma cabana. Ainda via as mesmas coisas que da primeira vez.
- Por favor, ajudem-me. – Pronunciei entre dentes e com alguma dificuldade. Sei lá, parecia estar mais a dormir que acordada.
Uma leve brisa passou pela minha face e por todo o meu corpo. Estremeci e arrepiei-me. Quando o fiz involuntariamente, vi que ainda estava amarrada à bancada. Estava tudo igual só que estava mais dorida, mais cansada, mais… morta? Não sei se era bem esta palavra que me iria descrever naquele momento, mas servia.
Não acreditava que pudesse viver, tinha sido demasiado torturada e pelo que me lembrava agora (e associava) era só um inicio ou um teste. Suspirei muito lentamente. Doía. Doía muito. A fraqueza apoderava-se de mim. Parecia que não me queria viva. Tudo parecia tão irreal. Ouvi ruídos. Talvez chuva, não sei. Era o que me parecia. Chuva. O tempo de Sol tinha desaparecido como a minha força. Agora só restava a chuva e a fraqueza. Ambos me dominavam.
Desta vez ouvi vozes de pessoas. Fiquei com medo. Não me apetecia nada ser torturada outra vez. Cada vez se aproximavam mais de mim. Até que estavam bem no meu ouvido. Era ela. Ela tinha voltado outra vez. Será que ia tudo repetir-se? Será?
- Olá querida. – Estas palavras eram suspiradas no meu ouvido esquerdo. –Vou-te levar ao hospital para que curem de ti. Não passou assim tanto tempo desde que brincamos. Está na hora de recuperares. Vou fazer-te passar por maluca. Que tal? – Riu-se. – Com a morte da tua irmã, o médico vai pensar que te esfaqueias-te porque sentias a falta dela. E por isso querias ir ter com ela. Ao outro lado, sabes?
- Por favor, não… - Disse muito baixinho. Doía tanto falar.
- O que? Não te consigo ouvir. – Gozou. – E se tu tentares dizer algo em contrário ninguém vai acreditar em ti. És apenas uma rapariga órfã, aos olhos dos outros, e ninguém acreditaria em ti.
- Não… - Reagi.
- Não o que? Quem manda sou eu.
Começou a limpar-me as feridas pelo que sentia. Doía tanto. Ardia. Comecei a queixar-me de dores, outra vez. Em contra partida, ela estava a curar-me. Talvez se arranjasse uma maneira de sair dali quando melhorasse, conseguisse vingar-me. Mas não havia tempo para pensar nisto. Tinha de deixa-la levar-me ao hospital.
Quando terminou de me “curar”, pegou em mim e disse:
- Olha vou leva-la ao hospital. Faço aquele teatro todo e tudo ficará bem.
- Ok. Vou limpar as feridas e assim a estes dois. Estão a melhorar. Já sabes o que isto significa.
- Se sei. – Riu-se.
Saimos da cabana. Eu acabei por fechar os olhos e deixar-me ser transportada por quem não devia. Até temia que tudo o que ela disse tenha sido mentira.
Sentia-me tão mal que me deixei recair outra vez. Não havia hipóteses.
***
- Ela acordou. – Ouvi um homem, pela voz masculina parecia, a dizê-lo.
Abri os meus olhos e pisquei-os variadas vezes devido a luz do edifício. Era tudo branco. Estava deitada numa cama de hospital. Sentia-o. Sentia-me melhor. Apesar de ainda estar fraca. Estavam duas pessoas. Um senhor que devia ser o médico. E uma mulher que devia ser a ajudante ou algo assim. Sorri. Estava num sitio seguro. Finalmente!
- Tens de descansar, rapariga. Não voltes a fazer isto com o teu corpo. – Sorriu-me. – És uma menina muito forte. Ainda bem que te trouxeram a tempo. Se não tinhas morrido.
- Eu? Mas eu não fiz nada… - Suspirei.
- Descansa. – E calou-me, levando o seu dedo a sua boca e fazendo um sinal de silêncio. Saiu e fiquei só com a senhora.
- Tire-me daqui, por favor. – Implorei-lhe.
- Não podes sair. Ainda estás muito fraca. Tens de te curar. Qual foi a ideia de fazeres isto com o teu corpo? – Apontou para as feridas que agora estavam tapadas com ligaduras.
- Mas não fui eu! Eu não fiz isto… - Virei a minha cabeça para o lado direito, onde a senhora não podia vê-la. E foi ai que comecei a chorar. Eu não era mentirosa.
- Eu percebo que seja duro teres perdido a tua irmã. E os teus pais terem desaparecido e terem sido dados como mortos. – Fez-me uma festinha no braço. – Mas fazer isto não é solução. Sabes?
A raiva nascia em mim. De repente ganhei forças e gritei-lhe:
- Não fui eu! Não percebe isso? Foi ela! Foi ela!
- Acalma-te querida. Acalma-te. – Saiu com a mão na testa. Talvez fosse um sinal.
Comecei a chorar cada vez mais. Tentei virar o meu corpo para me deitar de barriga para baixo mas não conseguia. A facada que tinha levado na barriga tinha-me feito muitos estragos pelos vistos. Queria poder sair dali. Tinha uma família para salvar. E bastantes perguntas sem resposta. Precisava das respostas. Era tudo tão confuso. Já tinha sofrido bastante. Porque ainda mais? Não merecia tudo isto, juro que não.
Limpei as minhas lágrimas com a mão. E vi que a Sr. Amaya estava à porta. Sentia um ódio em relação aquela mulher que não poderia ser medido.
Ela entrou com um grande sorriso. O que provocava ainda mais.
- Olá querida. – Sorriu.
Fiquei silenciosa.
- Então estás melhor? Queres levar mais uma dose daquelas?
- Saia daqui! – Gritei com todas a forças que me restavam.
- Tem calma. Calma. – Riu-se.
- Sua cabra! Odeio-te!
Agarrou-me no braço e avisou-me:
Não tentes mudar a historia porque sabes que não acreditarão em ti. Vou embora, tenho de tratar dos teus pais. – E saiu.
- Tirem-me daqui! Tirem-me daqui! Por favor! – Gritei muito alto. Talvez pensassem que eu estivesse maluca. Mas eu não estava!
O médico entrou logo e tentou acalmar-me, mas não conseguiu. Não dava.
- Vais ficar aqui mais uns dias. O teu corpo precisa de descanso.
- Mas eu não posso! Eu não tenho tempo! – Gritei-lhe. – Os meus pais vão morrer!
Uma enfermeira entrou. E o médico disse-lhe:
- Acho que a miúda está com princípios de loucura. Temos de a analisar. E pelas informações que me deram os pais morreram.
Saíram ambos e fiquei sozinha naquele quarto frio.