Após uma noite sem dormir praticamente nada, o amanhecer aproximava-se. Já se podia notar a claridade pela janela e os pássaros começavam as suas cantorias das manhãs. Afastei os lençóis com uma mão e erguendo o tronco levantei-me e saltei da cama. Dirigi-me para o parapeito, assim que me sentei, senti o fresco da manhã a acariciar-me o corpo. Gostava de o sentir. Esfreguei os olhos e bocejei virando-me de costas para a paisagem e dirigindo-me para a casa de banho, para me vestir e fazer a higiene básica. Corri as escadas, depois de pronta, para a cozinha. Comi qualquer coisa rápida e sai porta fora. Mal meti o pé fora da minha propriedade, avistei um pergaminho no chão. Franzi as sobrancelhas e dei uma vista de olhos pelas redondezas, com o olhar a procura de alguém, mas como esperava não vi ninguém. Agachei-me para o apanhar e abri. Comecei a ler o que dizia e acho que o meu rosto se expressava o suficiente sem palavras ditas. Supresa, choque, mistério e desconfiança.
O pergaminho dizia:
"Ishi,
Eu sei que pode parecer estranho. Mas tenho andado a observar-te à anos. Tu não me conheces, mas podes confiar em mim. Acreditas mesmo que o teu pai matou a tua mãe pela simples razão de ela o ter traido? Ou melhor, de ela ser rotulada como puta? Abre os olhos. Há muita coisa que não sabes sobre o assunto. Faz algo para mereceres vida. Não sejas tão ingénua. Dou-te uma pista para saberes onde procurar respostas: zona sul de kumo.
Nao és a única."
Mas que merda era esta? Passados estes anos todos e que vem falar-me disto? Porquê agora? Eu tinha a certeza que a única razão pela qual a minha mãe tinha sido morta, era exatamente, a prostituição, nada mais - mesmo sendo isto inventado ou não. Nunca me dei ao trabalho de saber se era a verdade. E eu tinha um/a perseguidor/a? Sera que me estava a observar agora mesmo? Semicerrei os olhos, mais atenta. Tive uma sensação de medo por segundos e voltei a correr para dentro de casa. Ao abrir a porta, corri para o sofá e mandei-me para lá. Deitada de barriga para cima, reli várias vezes o que dizia a procura de algo. Mas eu não tinha amigos nem sequer conhecidos ali. Estava mais sozinha que um cão abandonado. A caligrafia não me era conhecida. Estava vulnerável à curiosidade e as palavras daquela pessoa que eu não fazia ideia de quem era. Podia ser qualquer habitante de Kumo, qualquer um. E não eram poucos. Bem, as crianças não contavam (ou contavam?).
Escondi o pergaminho debaixo de um móvel e sai a correr para o centro da vila. Sentia-me na necessidade de observar todas as pessoas. Qualquer uma que me olhasse de maneira diferente... Mas toda a gente me olhava de maneira diferente! Certo?
Quando lá cheguei, comecei a andar calmamente e a observar qualquer pessoa que passava por mim, mas nao conseguia decifrar nada.
A medida que ia andando senti algo a bater-me na cara, e eu a vira-la conforme a força usada. De repente, reagi. Ja sentia que era uma pessoa. Rodei sobre mim mesma e apliquei um pontapé na zona abdominal, desequilibrando a pessoa fazendo com que ela caisse. De seguida, pus logo o meu pé no pescoço... Da gaja de ontem. Revirei os olhos e suspirei. E depois ri-me na sua cara. Retirei o meu pé e cruzei os braços.
- Tens bons reflexos. - Elogiou-me.
- Não quero saber. - Comentei. - Onde está o teu namorado? Não devias estar com ele? - Lapa.
- Ele não é meu namorado, só uma curte. - Encolheu os ombros, deixando escapar um sorriso mas levando a mão a tapa-lo logo.
- Eish, falta-te ai uns dentes. Desculpa.
Ela ficou furiosa e virou-me as costas já a chorar. Oh meu deus. So lhe tinha partido uns dentes, qual e a cena? Mas espera, eu tinha-lhe acertado alguma vez na boca? Não me lembro. Se fui eu, não quero saber.
Continuei a minha caminhada para a floresta. Mas antes de entrar mesmo na zona, apareceu-me um grupo de rapazes à frente. Senti medo e vergonha. Queria sair dali mas nâo sabia por onde fugir. Era sempre assim.
- Tens cá um corpinho! - Olhou-me de cima a baixo. - Posso-te bater, e só pedires.
- Vai para o inferno. - Consegui responder.
- Na tua casa? Otimo! - Respondeu com um grande sorriso. Os outros riam-se.
- Poe-te na puta da tua vida! - Disse um pouco mais alto.
- Então bebé? - Chegou-se mais perto de mim e fez-me uma festinha no queixo. Sentia-me paralisada. Geralmente, safava-me bem com estes tipos de grupo, mas hoje não conseguia. Sentia nojo dele. - A tua mãe não se queixou.
Ai, senti raiva, muita raiva. Semicerrei os olhos. - Não tragas a minha mãe para esta conversa!
- Devias ter ouvido o quanto ela gritava com o meu pai. - Ele sorria, e eu tentava conter a minha raiva e os meus instintos.
Não lhe respondi. Já sentia os meus olhos molhados.
- Parecia estar a gostar. Mas ela gostava de qualquer um. - Fez um sorriso nojento.
Tentei passar por ele mas, os outros agarraram-me. Tentei debater-me mas agarraram-me com força impossibilitando-me de fugir. Eram mais fortes que eu, muito mais. Sentia cada vez mais medo, mais num beco sem saída.
O rapaz que tinha cabelo loiro despenteado e uns olhos verdes, aproximou-se de mim e tocou-me no pescoço. Desceu a sua mão pelo meu peito descendo-a até ao umbigo. Olhou-me.
- Pareces carenciada. - Sorriu. Desceu um pouco mais a mão. - Eu podia, posso... Digo.
- Deixa-me! - Tentei debater-me e ele acabou por tirar dali a mão.
- És fogo, rapariga. - Eles largaram-me e eu virei-me para fugir dali. Ele, antes que eu pudesse fazer alguma coisa, ele deu-me uma palmada no rabo e apalpou-mo. Sentia-me exposta e envergonhada. - Fica bem, linda.
Corri o mais depressa que pude, com lágrimas nos olhos, e juro que nunca mais me metia nisto.
Ainda tinha de descobrir quem era o autor do pergaminho, que história era aquela do que realmente se passou.
As mortes daqueles rapazes eram desinteressantes. Nem valiam a pena ser mencionadas, e eu nem queria pensar mais neles. Não aguentaria se me aparecessem outra vez. Mas já tinha aguentado tanto…