Uma criança ofegava enquanto corria em disparada pelos becos do Buraco. Saltando entre caixotes e rodopiando ao segurar nas calhas de metal, o garoto driblava os inúmeros comerciantes que descarregavam suas mercadorias no porto, a procura de um conhecido. Seguindo pela longa trilha de madeira que adentrava no mar, ele observava todas as embarcações com ansiedade, usando alguns barris para ganhar altura e ver quem estava no convés de cada um dos dez navios que estavam atracados naquele final de manhã. Suas pernas tremiam de nervosismo e sua voz fraca se fez ouvir quando viu quem procurava. -
Gouga! Rápido! Venha assistir! - Gritou o menino para outro mais velho que estava pendurado numa passarela, usando uma espátula para retirar os mariscos do casco da embarcação. Sem entender direito, o rapaz fez uma careta pela interrupção, acenando que tinha que continuar trabalhando, mas quando viu os pulos do seu irmão mais novo, percebeu que não se tratava de alguma brincadeira. Prendendo a respiração, com receio do que o esperava, Gouga desceu a passarela até o nível do deck e saltou até a superfície com grande desenvoltura de quem já trabalhava nas docas há algum tempo. Correndo até seu irmão, este ofegava e antes que pudesse ganhar ar para explicar o que acontecia, pegou-o pelo braço para disparar de volta pelo vilarejo até alcançar a rua principal, subindo a encosta, passando direto pelo caminho da casa de seus pais.
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Espera Fokuda, para onde vamos?! - Inquiriu Gouga, fazendo resistência.
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Daketsu vai lutar! Daketsu! - Ofegava, puxando o irmão ainda mais forte.
Percebendo a grande oportunidade que tinham, Gouga puxou seu irmão e o colocou nas costas para ganhar velocidade. Não era um caminho muito longo e em minutos conseguiram atravessar os portões do grande casarão para interromperem a corrida no pátio central. Ofegantes, eles preferiram não fazer qualquer ruído, correndo para o andar de cima onde conseguiram ver com mais exatidão o que estava acontecendo. Existiam quatro pessoas no recinto. Nero e Daketsu assistiam as primeiras apresentações dos bonecos estranhos, que perfilados, faziam movimentos marciais numa sincronia invejável. Enquanto isso, dois estranhos que apesar do calor, vestiam pesadas capas de chuva de cor preta, sendo que o mais baixo fitava o vazio ao mesmo tempo em que o outro vigiava os arredores até que seus olhos alcançaram os dois jovens espiões. Gouga se assustou com a frieza daqueles olhos sem alma, mas Fokuda pareceu não se importar, apenas encantado com tudo o que assistia. Daketsu parecia ansioso. Constantemente massageando as mãos, ele se alongava discretamente à espera do eventual duelo. Nero, por sua vez, parecia intrigado. Com os braços cruzados, ele segurava o queixo num tom solene até que perseguiu o olhar do estranho maior até chegar aos garotos, o qual sorriu carinhosamente. O chefão já os conhecia e já era costume dos garotos visitarem o casarão para contar as novidades do vilarejo.
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Esse é seu melhor homem? - Perguntou o estranho, parecendo impaciente.
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Sim. Daketsu é o meu braço direito. - Nero elogiou, soltando o queixo.
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Não me parece grande coisa. - Desdenhou o homem, fitando-o com os olhos dos Fukeru. Aquela provocação parecia ter incendiado Daketsu que fez menção de agarrar suas lâminas novamente para fazê-lo engolir à força aquelas palavras desrespeitosas, mas Nero foi mais rápido e novamente o impediu. Olhando-o com seriedade, o chefão pareceu se comunicar com seu segurança com apenas uma reação. O homem acenou com a cabeça e logo caminhou até a lateral do pátio, quando finalmente ele desembainhou as duas lâminas num chiado agudo. As espadas brilharam contra o sol e para se aquecer, o homem as rodopiava com grande agilidade, caminhando num estreito círculo até que se colocou de frente às marionetes e inclinou a cabeça para os dois lados procurando alongar os músculos do pescoço. Agora estava pronto. O estranho não tirou os olhos dele durante todo este aquecimento e quando percebeu que o segurança já aguardava, ele levantou a mão esquerda e apontou para o suposto alvo. Numa velocidade gigantesca, os bonecos prateados avançaram contra Daketsu que os recebeu num gingado mortal, acreditando que aquele rodopio cortaria todas as marionetes num só movimento. Estava enganado. Saltando lateralmente, os objetos escaparam por centímetros do rodopio, arqueando seus corpos numa maneira não anatômica, para agarrar o alvo num movimento brusco em pleno ar. Cada braço e o pescoço do segurança estalaram pela parada e o homem ficou indefeso. Tudo muito rápido. Rápido demais.
Nero, os garotos e todos os criados que assistiam aquela apresentação arregalaram os olhos quando a poeira baixou. Daketsu gemia para resistir à imobilização, mas mesmo assim não conseguia se mover. Tudo muito rápido. Sem dizer uma palavra, o estranho acenou e os três bonecos libertaram o adversário, saltando novamente para junto de seu mestre. O homem caiu no chão. Seus braços doíam, mas a dor não se comparava com seu orgulho que fora destroçado em poucos segundos. -
Espere! Mais uma vez! - Teimou a levantar-se para a torcida dos garotos que ainda estavam atordoados com o acontecido. Mais uma vez a cabeça do estranho se virou para o chefão que acenou autorizando nova contenda. Nero estava curioso como aquelas marionetes e seu titereiro conseguiram imobilizar seu melhor homem, e por isso, preferiu assistir o duelo novamente. Vendo o polegar de seu chefe, Daketsu buscou novamente suas espadas e se pôs em posição. Nesse momento, as marionetes saltaram sobre ele da mesma forma de antes, o homem não repetiu a manobra, preferindo rolar entre eles e usar uma das lâminas para buscar um pouco de terra e jogar nos olhos do estranho na esperança de que sem os olhos o titereiro não conseguisse comandar seus bonecos. Enganou-se. Pois mesmo quando o estranho baixou a cabeça instintivamente, suas marionetes retornaram e atingiram o segurança com dois golpes coordenados, derrubando-o no chão, enquanto o terceiro voltou a imobilizá-lo. Furioso, Daketsu buscou a seringa com a mão livre e quando tentou injetá-la, sua mão foi interrompida.
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Chega! Já é o suficiente! - Gritou Nero, interrompendo a ação do homem.
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Posso recolhê-los, meu senhor? - Adiantou o estranho.
Sem responder, Nero os chamou e se virou para começar a subir os degraus na direção da sala de reuniões. Libertando o homem, as marionetes sumiram numa pequena nuvem de fumaça quando os dois estranhos seguiram o contratante, subindo as escadarias até quase se esbarrarem com os dois jovens que já desciam para o auxílio de seu símbolo que agora estava desolado. -
você está bem? - Gritou Fokuda, com inocência. Não longe dali, abrindo a porta corrediça, os homens entraram na sala e reiniciaram as negociações. Nero considerou realmente a possibilidade de usar os bonecos a seu favor, afinal, para o segundo passo da sua vingança ele precisaria de números. Contudo, sua breve alegria se esbarrou num obstáculo quase intransponível: Eles queriam a fórmula secreta em troca de seus serviços. Mais uma vez Nero ficou ultrajado. De maneira alguma ele entregaria a fórmula para aqueles estranhos, mesmo sabendo que sem aquele "exército" sem alma seus planos teriam que aguardar até que conseguisse o controle das rotas comerciais do País do Vento. Um impasse perigoso se fez, obrigando-o a se levantar de seu lugar para encarar o mar visto de sua varanda. Os estranhos permaneciam impassíveis, sentados à espera de uma resposta. -
Não. - Respondeu Nero, firmemente. Os dois pareciam que não ter se comovido com a negativa do contratante, mas mesmo assim se levantaram em respeito e cumprimentaram o senhor com uma breve reverência. Virando-se para o tabuleiro, o mais franzino pela primeira vez sorriu ao dizer:
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Torre na D7. Xeque-Mate. - Comentou ao sair.
CONTINUA...