Mirava a madeira avermelhada, pelo sangue que nela se derramara e depois entranhara. Era ali o ponto de partida de toda a minha jornada. O sítio onde crescera e tinha sido obrigado a crescer. As memórias eram tantas e demasiadas, tal como a tristeza que invocavam. Não eram todas elas tristes, mas todas elas traziam a memória do seu fim, o fim da felicidade infantil que depois de ir não voltava mais. Vinham também lembrando o ódio, o ressentimento, toda a fúria e angústia não libertada, ainda, por meio de vingança.

                Levantei-me por fim, com ajuda do senhor idoso, que me encaminhou de novo para a cozinha, a fim de beber o chá que me tinha preparado anteriormente. Ao ver o meu reflexo no chá, reparei que o meu cabelo tinha crescido bastante desde da última vez que me vira ao espelho. Quanto tempo estivemos naquelas cápsulas? Terminei o chá e depois levantei-me. Uma bengala tinha-me sido disponibilizada para que me pudesse deslocar livremente, sem ajuda de outrem. Depois de se assegurar que estava mais calmo, o homem deixou-me só, voltando aos seus afazeres e com liberdade para andar pela casa e pelos terrenos adjacentes à mesma. Por fim, levantei-me e utilizando o artefacto de madeira, para ajudar na locomoção e abri a porta do quintal. Avancei lentamente em direcção ao lago.

                Era tudo tão pacífico e calmo como as memórias lembravam, no entanto, toda a sensação inerente à presença naquele espaço era diferente. Muitos anos se tinham passado desde aqueles dias. Poderia ter algo mudado? Coloquei os pés sobre a água e caminhei, fixando a minha reflexão sob a sua superfície. Tinha crescido consideravelmente, tal como o meu cabelo. A sensação de que a enclausura naquele laboratório da Shinra tinha ultrapassado alguns dias era cada vez maior. Mas por agora, ignorava tal receio. Continuei a olhar o meu rosto na água, até que ao meu lado surgia o reflexo, ainda que apenas imaginado, da irmã que me fora roubada naquela mesma casa, há tanto tempo atrás.

                - Hey, Miyuki… - a minha expressão mostrava uma face derrotista e desapontada, comigo mesmo – Gomen. Ainda não te consegui vingar. Gomen. Eu sei que prometi, mas ainda não o consegui encontrar. Mas eu não me esqueci, irei vingar-te, custe o que custar! – Tinha sido naquele mesmo local que fizera a promessa à Miyuki – Gomemnasai.

                - A falar sozinho? – interrompeu, perguntando, uma voz feminina – Será que ainda estás com efeitos do trauma?

                Olhei para trás e vislumbrei uma figura esbelta. Os seus olhos esmeralda saltavam à vista, entre os seus longos cabelos ruivos, sem conseguissem ainda assim, desviar a atenção do seu sorriso amistoso, entre os seus lábios exímios, como se tivessem sido desenhados por alguém dotado na arte. O seu corpo era delgado e delicado, chegando a parecer frágil, sendo dotado de umas curvas bem delineadas, com um par de seios bastante apelativos, bem redondinhos e no sítio, e de tamanho favorecedor e proporcional, sem serem gigantescos. O seu tronco afunilava daí para baixo, voltando a alargar-se na zona da anca. Sem que me desse conta, tinha a olhado de cima abaixo, sem lhe responder.

                - Gomen – desculpei-me, envergonhado – E não estava a falar sozinho.

                - Peço desculpa pela intromissão, só te queria ver de pé e recuperado, deste um trabalhão com essas feridas todas. Como raio é que acabaste assim? – perguntou. A sua voz era harmoniosa e correspondiam tão bem à sua imagem.

                - É uma longa história, que nem sei se posso falar sobre ela – respondi.

                - Mistério… Podias ao menos dizer-me o teu nome – retorquiu a rapariga.

                - Realmente rude da minha parte. Uchiha, Kride, muito prazer – introduzi-me – E tu és?

                - Hikari Terumi, a médica que te salvou a vida!

                - Hai, hai. Domo arigatou gozaimashita! – agradeci e virei-lhe as costas, caminhando mais um pouco e sentando-me por fim numa rocha que se situava no centro do lago, de pernas cruzadas.

                - O que é que estás a fazer? – inquiriu.

                - Meditação pré-treino – respondi, expirando das profundezas, fechando os olhos.

                - O quê? Tu és doido? Ainda há pouco acordaste e ainda estás ferido! – gritou fula.

                - Primeiro, sou responsável pela minha própria pessoa. Faço o que bem me entender – Abri os olhos, e olhei-a. Era até difícil de me concentrar no discurso, de tão bonita que era, mas lá me aguentei – Segundo, eu nem sei há quanto tempo não treino, tenho que recuperar o tempo perdido – Matinha um ar sereno enquanto me dirigia à ruiva – Terceiro, fazes demasiadas perguntas! – fiz uma breve pausa, vendo a sua boca começar a mover-se para formar som, com a sua expressão facial a mostrar uma clara frustração e irritação, mas falei antes que ela pudesse – E por último… harigato, Hikari-chan! – Agradeci, sorrindo – Eu sei que deve ter dado um trabalhão tratar de mim, mas isto é algo que tenho de fazer.

                A sua face corou em resposta. Voltei a fechar os olhos e a iniciar a meditação. Notei que a iryo-nin não abandonara o local, mas ignorei tal facto. Pouco depois, ela quebrava o silêncio, novamente.

                - O meu avô disse-me que moravas aqui antes… - falou, tentando iniciar conversa.

                - Hai, nasci e fui criado nesta casa até aos 7 anos de idade – informei.

                - E porque é que foram embora? – questionou.

                - Bem… o clã Uchiha estava a ser reorganizado em Konoha e – fiz uma pausa, relembrando o tal fim de tarde – E a minha irmã morreu aqui.

                - Lamento… - disse a kunoichi – E então Konoha, como é?

                - Não é má, acho eu… Não conheço muitas pessoas, excepto ninjas que me acompanharam em missões. Não sou de muitas conversas.

                - Em tanto tempo, vais me dizer que não fizeste amigos?

                - Fazer até fiz, três… Err… Dois – corrigi, ao relembrar a traição de Kuja.

                - Então?

                - Bem, tenho o Itachi-sama e o Roatsu – olhei para o céu, perguntando-me se ele teria chegado a Konoha a salvo – Nem sei, por agora, até já pode ser apenas um – Vendo a sua cara de confusão – Faz parte da longa história. Ele pode não ter… sobrevivido.

                - Desculpa, estou a fazer tantas perguntas. Mas deixa-me fazer uma última, o que é que te leva a treinares, mesmo nesse estado?

                - Tenho uma promessa a cumprir – respondi, com determinação.

                - Sendo assim, bom treino, vemo-nos mais tarde. Não te atrases para o jantar! – avisou, afastando-se. Por fim, comecei a meditação e depois treinei, apenas algumas técnicas e concentração de chakra, visto que a minha mobilidade era extremamente reduzida.

 

                Nos dias seguintes, continuei convivendo com a família Terumi e com os meus treinos condicionados. Ao terceiro, alguém apareceu, a meio da tarde para me visitar. Enquanto meditava, alguém se aproximou e falou:

                - Penso estar na presença de Kride Uchiha, certo? – indagou o homem. Tinha cabelos negros e olhos azuis e um olhar sereno, mas severo. Usava os trajes de um Kage.

                - Penso que está correcto, Rokudaime Mizukage, Okashii-sama – respondi – A que devo a honra?

                - Eu tenho algumas perguntas para ti. Vamos ser directos ao assunto, o que aconteceu no dia em que foste encontrado pela Hikari Terumi?

                - Não posso falar do assunto… - respondi, secamente e prontamente.

                - Não sejas insolente, rapaz – retorquiu de imediato.

                - Só confio numa pessoa no mundo para falar desse assunto. E essa pessoa não é você, se essa é a sua única questão, temo que tenha vindo ao sítio errado.

                - Vamos tentar começar por outra, então. Quais as tuas ligações à organização Shinra!?

                - Eu nem sei – disse, rindo-me da minha própria confusão – Mas aposto que a descrição mais correcta seria ex-membro.

                - Sendo assim tens muita coisa para responder, sobre as suas acções, o seu desaparecimento com shinobis da vila e o seu paradeiro! É melhor te levar para interrogatório.

                Assim que as suas palavras soaram, três tomoes surgiram rodando furiosamente em torno da pupila negra sob a íris rubi dos meus olhos.

                - Lamento, mas isso também não será possível – constatei, levantando-me com ajuda da bengala, ficando de pé sobre água do lago – Prefiro morrer a subjugar a minha liberdade à curiosidade de Kirigakure.

                - Tal coisa não será necessária – afirmou uma voz familiar. Um monte de corvos afastou-se, deixando-me ver o homem que acabara de falar. Era Itachi – Mizukage-sama, o Kride é um ninja de Konoha e não irá ser entregue para questionamento.

                 - Uchiha Itachi, então ele é tão importante assim que te enviaram a ti – deduziu o Kage – Mais uma razão em como é necessário interroga-lo. Portanto, entrega-mo a não ser que queiras uma crise entre as nossas duas vilas!

                - Okashii-sama, ele é o meu único pupilo, portanto aconselho-o a se afastar dele, a não ser que deseje uma crise na sucessão ao cargo – ripostou furioso – Qualquer dúvida sobre a Shinra poderá ser feita por correspondência directa com o Hokage-sama. A Shinra é mais do que uma empresa comum, como faziam pensar. Eram apenas uma fachada que usavam para outros meios, enganando as várias vilas principais, com os seus esquemas. Se se preocupassem na partilha de informações ente vilas, em vez de andarem a tentar interrogar Shinobis de outras vilas, talvez já o soubessem.

                - Itachi-sensei! – chamei – O Fujin está bem?

                - Hai, um ruivo de Kiri ajudou-o a chegar a Konoha, sob o comando de um genjutsu – respondeu – Muito bem feito, por ora – Elogiou.

                - Arigato.

                - Bem, se é assim como dizem, então tu mesmo – disse, olhando para Itachi – poderás dar-nos informações sobre o assunto. Penso que não será necessário um interrogatório, podemos conversar como adultos.

                - Como já disse, pode abrir conversação directa com o Hokage-sama, eu vim meramente buscar o meu aluno.

                - Como queiram – respondeu irritado o Mizukage, abandonando o local.

                - Então, Kride? – perguntou Itachi – O que se passou?

                - Bem, fomos traídos pela restante Kitsune e levados para uma base qualquer aqui no País da Água. Passamos por um processo de selamento qualquer, onde passamos por uma realidade alternativa, o Kinen e ao derrota-lo, domamos as entidades seladas em nós. Elas correspondiam aos nossos nomes código. Um tal de Raiden, que diz ser o deus do trovão, está comigo, e fala de vez em quando. E também, há isto…

                Levantei a mão e apontei para uma área ali ao pé e enviei um raio até lá. Este reagiu com um sorriso de orgulho.

                 - Muito bem, dominaste o segundo elemento!

                - Hai. Como raio é que me encontraste? – perguntei.

                - O Roatsu chegou à vila há alguns dias, quando soube que estarias por aqui, falei com os teus pais para saber onde é que vocês viviam antes. Havia a possibilidade de te refugiares aqui e estava certo.   

- Bom timing, mas foi acaso, fui encontrado pelos novos habitantes desta casa… - fiz uma pausa, fixando a superfície da água e olhei-o de novo – Sensei, quanto tempo estivemos ali dentro?

                - Receio que, tenham sido três anos…

                Era demasiado tempo. Demasiado tempo perdido e desperdiçado, dentro de uma estúpida cápsula. Enchia-me de raiva ao pensar na impossibilidade de recuperá-lo. Uma quantidade de chakra concentrou-se na minha mão, trovejando como milhares de pássaros. Corri sobre a superfície do lago e depois pelo chão, arrastando o trovão e por fim espetei-o numa rocha, furando-a e fazendo o seu outro lado rebentar em vários fragmentos menores e dediquei-me a enfiar socos no que dela restava.

                - Kride! – gritou –Acalma-te. Não vale a pena desperdiçares mais tempo! Temos imenso a fazer.

                As suas palavras fazia sentido, ainda que não apagassem a fúria. Parei por fim de descontar os meus problemas na rocha bem danificada.

                - É melhor que te comeces a preparar para a viagem de regresso – informou Itachi.

                - Bem, antes de conseguir acompanhar a tua velocidade vou precisar de uns dias. Só o suficiente para curar isto melhor – apontado para a enorme ferida no tronco, coberta por ligaduras – E para agradecer aos Terumi por terem tomado conta de mim.

                - Muito bem, sê breve!

                - Wakarimashita! – disse, dirigindo-me de volta ao interior da casa, com ajuda da bengala, sentido agora as consequências do meu surto de raiva.

@Brian: O objectivo do encapsulamento era selar o tal Raiden no Kride, tal como outras identidades nos restantes membros da Kitsune (não sei se estás a par da história). O grande objectivo do selamento poderá ser revelado um dia. Obrigado ^^

@Tsu: Ya, eu peco um bocado nas vírgulas. Por vezes, meto-as muito instintivamente e dá asneira. E sim, o Okashi é um Kage muito presente nas histórias do pessoal, por alguma razão  Vá, o Naruto já apareceu na minha e dá nome ao universo! O envelhecimento do personagem era já algo que tinha planeado antes, mas depois tive ausente durante uns tempos e tinha vir no seguimento dos últimos fillers. Obrigado ^^

@Bruno: Ele agora saiu da pokebola e vai virar mewtwo u.u Eu actualizei a história na ficha de informações extra do Kride, dá para ter uma noção melhor da história pelo resumo. A casa vai ser palco de uns momentos interessantes. Obrigado ^^