Em disparada pelas vias principais da Vila da Areia, o veículo desviava com agilidade os transeuntes que insistiam em atravessar sem cautela. O cavalo relinchava a cada puxão brutal que o cocheiro, através dos gritos desesperados das pessoas que sem entender, criminalizavam o homem pela falta de responsabilidade. Não demorou muito até que dois chuunins se aproximassem em velocidade quando seus vultos quicaram nas paredes à frente do veículo, ressurgindo no teto já com suas lâminas apontadas para o pescoço do pobre cocheiro. -
Pare. Agora! - Inquiriu um deles, quando o homem receou pela sua vida e puxou as rédeas com toda força. O cavalo enfim arrastou seus cascos na fina camada de areia, levantando uma fina poeira até conseguir finalmente parar. Ofegante, o cocheiro suplicou que não o ferissem indicando que só estava cumprindo ordens do filho do patrão. Os dois ninjas sequer aguardaram que o homem terminasse a justificativa e saltaram para a lateral do veículo para abrir a portinhola com rapidez. Com os olhos arregalados, os dois se espantaram com a cena que desenrolava no interior da cabine que tinha suas paredes totalmente tomadas por um líquido negro e viscoso. -
Ajudem-me. - Sussurrou Daisuke, totalmente coberto de suor e sangue, esforçando-se para tampar o ferimento por onde vertia jatos desse líquido. Os ninjas perceberam logo a dor que o rapaz sentia e vacilaram um pouco para prestar auxílio, até que o mais corajoso deles adentrou no local e retirou a faixa que trazia em seu kimono. O líquido espirrou mais uma vez, sujando o chuunin que não se importou e rapidamente improvisou um torniquete, forçando a parada da hemorragia.
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Calma. Vamos levá-lo ao hospital. - Disse, ao puxar o jovem para fora.
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Ok. Vou à frente para avisar a equipe médica. - Acrescentou o outro, acenando ao sumir num rápido shunshin na direção oeste. Enquanto isso, queimando em febre, Daisuke lutava por sua vida e balbuciava palavras sem sentido enquanto segurava firmemente a plaqueta com desenho de ampulheta recém-conquistada. Preocupado com a vida do genin, o chuunin suspirou para concentrar sua força nas pernas e saltou alto para os telhados mais próximos na direção do hospital, deixando o cocheiro assustado no meio de inúmeros curiosos que se enojavam com o líquido espalhado pela areia. -
Preciso contar aos patrões. - Comentou o homem para si mesmo, acabando por fechar a portinhola do veículo e estalar as rédeas novamente na direção da mansão dos Hiroshi. Enquanto isso, Daisuke conseguia sentir apenas a ventania passando por seus ouvidos, fazendo-o lembrar do tempo em que vivia à margem. Na época em que via o mar todos os dias. Nesse momento uma parada abrupta chacoalhou sua cabeça e sua visão embaçada podia apenas ver um trio de pessoas vestindo branco. Agora não conseguia entender mais nada. Jogado a uma maca, ele agora percebia pequenos fachos de luz que passavam por ele à medida que adentrava ao hospital. Murmúrios de pessoas, alguns gritos que pediam passagem. "Injetem." - Ele ouviu um dos vultos falar. Aquela palavra nunca mais soara bem aos seus ouvidos, e seu corpo reagiu com espasmos involuntários. "Imobilizem." - Ouviu novamente. Só então sentiu as amarras em seus braços e pernas. Não demorou muito até que após uma picada o fez perder de vez os sentidos na mesa de operação.
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Ele perdeu muito sangue. - Comentou o cirurgião.
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Vamos abrir. Traga o kit. - Respondeu o outro.
Rapidamente a enfermeira trouxe algumas bolsas de sangue e alguns instrumentos cirúrgicos. O médico então aplicou no jovem uma substância esverdeada que conseguiu estancar parte da hemorragia resistente assim que o torniquete deixou de pressionar a perna esquerda. Pegando algumas gazes de algodão e um recipiente com soro, a enfermeira limpou toda a área que agora ganhara um tom escuro graças à substância que agora percorria o sistema do garoto. -
Nossa... - Disse a mulher quando finalmente terminou de limpar a abertura do ferimento que se abrira de maneira grotesca, e que agora conseguia mostrar algo próximo ao fêmur escurecido. Acenando para o primeiro doutor, a enfermeira juntou todo o material usado na limpeza e o depositou numa grande lixeira na sala próxima, caminhando com passos apressados para as pias para se lavar e retornar em tempo de acompanhar todo o procedimento. -
Vamos começar. - Falou o médico chefe, buscando um bisturi na mesa, ao mesmo tempo em que o outro concentrava chakra nas mãos e as tocava na altura do pescoço do operado, tentando diminuir a febre e a proliferação das bactérias. A lâmina então tocou a carne, abrindo espaço para o bisturi elétrico que cauterizava os pontos da hemorragia. Então, quando enfim o ferimento não vertia mais sangue, o cirurgião pediu que lavassem a ferida mais uma vez. A enfermeira obedeceu, jogando o líquido transparente na abertura para revelar a extensão dos danos. Novamente os olhos dos médicos ficaram arregalados e a pinça foi usada para retirar um fragmento de osso, que se partiu numa leve pressão, como um graveto escuro e seco. Assustados, os profissionais suspiraram por já saberem qual seria a solução para esse nível de infecção. -
Traga-me a serra. - Sussurrou o médico chefe à enfermeira.
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O vento e a luz do sol atravessavam a janela aberta, por onde se podia ver o imenso e limpo céu azul. Lá de dentro de seu quarto, ele ainda podia ouvir o ruído das pessoas que zanzavam com seus afazeres de um lado à outro da rua da frante. "Onde estou?" - Pensou o rapaz, com receio da resposta. Daisuke se lembrou da incrível dor que sentira e de todo líquido negro estourando em sua ferida assim que entrou no veículo. Lembrou-se de ser carregado. De sentir uma leve queimação em seu braço quando tudo finalmente escureceu. Porém, não sentia mais dor alguma. "Ainda no hospital." - Concluiu, aliviado. Mas para dizer a verdade, ele sentia um alívio estranho no corpo. Abrindo os olhos mais um pouco, o ninja percebeu seus pés escondidos sob o cobertor bege e tentou mexer os dedos. Uma perna respondeu ao comando, fazendo o lençol mexer alguns centímetros. Porém, o outro pé não se moveu. Talvez por causa de algum sedativo para protegê-lo de sua teimosia. Pelo menos a sua ansiedade sobre a perna foi apaziguada com a observação ligeira. Então, nesse momento, um ruído chamou sua atenção. Inclinando a cabeça para o local, ele viu uma enfermeira sair do banheiro do quarto com todas as toalhas sujas e avermelhadas. Silenciosamente, respeitando o paciente, a mulher fechou a porta com muita calma e saiu rapidamente para não incomodar. Tão rápido que não percebeu que o paciente já tinha acordado. "Há quanto tempo estou aqui?" - Perguntou-se. Não deveria ter passado tanto assim, apesar de não se lembrar de quando esteve tão descansado em seu passado recente. Estava tudo calmo e silencioso. Foi então que a enfermeira adentrou no quarto novamente. Finalmente seus olhos se encontraram.
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Que bom que acordou. Finalmente. - Respondeu a enfermeira.
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Quanto tempo eu dormi? - Perguntou o jovem, sorrindo.
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Você dormiu por cinco dias. Você é um rapaz forte.-
Ok. Quando poderei sair? Já falou com o médico? - Indagou, impaciente.
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Ainda não. Tens que fazer fisioterapia. - Aproximou-se com um termômetro.
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Não preciso mais. Estou ótimo! - Inquietou-se ao puxar o lençol.
O rapaz arregalou os olhos e seu coração quase parou com a visão repentina. Realmente não tinha estômago para falar, mas mesmo assim, enjoado, exclamou um palavrão tão sujo que fez a enfermeira corar. E continuou: -
Onde está minha perna?! - Gritou à mulher, enquanto apontava para uma prótese de um material que não reconhecia que se mesclava com sua carne a partir da virilha. A peça era perfeitamente esculpida e moldada como um membro normal, conseguindo simular uma perna real senão fosse a cor amarelada que destoava de sua pele pouco bronzeada. Agora sabia que lhe faltava um pedaço. -
Seus pais autorizaram a substituição. - Concluiu a enfermeira, espetando o termômetro em sua axila. O Daisuke ainda estava sem palavras e sua cabeça girava com perguntas nervosas. Ainda seria um ninja? Voltaria a andar? Como é que ele alcançaria sua vingança?! Estas questões o impediam seu raciocínio, fazendo-o ser incapaz de pensar numa resposta aos comentários da mulher que parecia falar sem parar. Irritação. Foi o que aconteceu à medida que a enfermeira prosseguia com suas dúvidas sobre como se sentia ou se eu sentia alguma dor. -
Não sinto dor! Acabaram de me cortar a perna! - Esbravejou furioso, terminando por assustar a mulher que derrubou a bandeja que carregava. Nervosa e apressada, ela recolheu os objetos desajeitadamente e saiu como uma bala pela porta para comunicar ao médico que o paciente acordara, mas deu de cara com o fisioterapeuta. Os dois se chocaram e mais uma vez a enfermeira derrubou a bandeja num estrondo metálico. -
Calma. - Comentou o doutor. Envergonhada, ela não respondeu e sumiu pelo corredor.
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Muito bem. Vamos começar a trabalhar nessa perna. - Concluiu o homem, sorridente.
CONTINUA...