Duas semanas de fisioterapia não conseguiram libertar Daisuke de seu alívio melancólico. O rapaz enfim conseguia se sentir bem, completamente são daquela chaga que destruiu os músculos de sua perna. Porém, sempre vaidoso, não conseguia esconder o desânimo de ser incompleto. -
Argh! - Bufou para se levantar de sua cama e mancar até a grande janela do quarto de hóspedes de onde se podia ver o jardim. Desde a época de sua chegada, haviam mudado seu quarto para lá. Uma forma de facilitar a vida de um inválido. -
Odeio domingo. - Concluiu ao perceber o silêncio de sua casa. Os empregados estavam de folga e seus pais - como sempre - estavam viajando a negócios. Para dizer a verdade, Daisuke estava irritado e ansioso para voltar a ter alguma ação em sua vida. Ele mal tinha percebido que trocara um vício pelo outro. Mirakuru pela adrenalina da batalha.
Não esperarei meu fracasso. E foi assim que o jovem foi em direção à cômoda para retirar seu uniforme. Jogando-o sobre a cama, Daisuke suspirou e começou a se vestir, decidido a treinar, mesmo ainda não tendo total controle sobre a perna. Bocejando em frente ao espelho, o ninja se lavou e apertou o cinto do uniforme, para então mancar cuidadosamente na direção da saída, onde buscou sua muleta. Era sua companheira nesse momento de adaptação, mas que, esteticamente, deixava-o desgostoso. Envergonhado.
Vou conseguir. - Pensou Daisuke ao abrir a porta corrediça com determinação, nesse momento sentiu a brisa do início da manhã afagar seu rosto. Olhando para a sua rua deserta, ele tomou cuidado para que ninguém o visse daquela forma. Não queria que seus inimigos o vissem fragilizado. Então, quando sentiu seguro o suficiente, o ninja tomou coragem para sair de casa pela primeira vez desde o fato. Adiantando a muleta, ele se apoiou no objeto e tocou seus pés na estrada, começando a mancar na direção do ginásio onde costumava treinar. Era estranho ouvir o ruído intermitente da madeira da prótese contra as pedras que formavam a rua. Uma coisa nada silenciosa. Para um ninja isso não seria vantagem.
Preciso mudar isso. - Imaginava alguma solução enquanto singrava por entre ruas menores para não encontrar pessoas indesejadas durante o caminho. Felizmente ele não mais sentia dor. Também já parara de se assustar com a coceira que sentia na parte extraída. Trollagens do cérebro do recém-amputado. Mas não importava, pois em pouco tempo aquela muleta deixaria de ser necessária e enquanto caminhava, ele se lembrava de todos os obstáculos que enfrentou apesar de sua pouca idade. -
Já enfrentei coisas piores. - Comentou para si, ganhando uma coragem e otimismo que não sentia há algum tempo. E enquanto caminhava, tentava coordenar os movimentos da perna postiça como aprendera com o fisioterapeuta. Concentrado no que estava fazendo, Daisuke quase não percebeu que já tinha chegado onde queria.
Como dia do domingo, nenhum ninja em sã consciência deixaria sua família para frequentar o local, Daisuke se animou, pois não havia ninguém que pudesse importuná-lo. Assim, buscando a chave do cadeado embaixo do tapete - esconderijo esse que sabia desde os tempos de infância - o jovem abriu o portão num rangido metálico quando adentrou no ginásio que apesar de ainda ser dia, o sol não conseguia ultrapassar ainda as claraboias no alto. Fechando o portão às suas costas, ele fez questão de trancá-lo antes de mancar até o quadro de eletricidade. Não demorou muito para que o chiado elétrico começasse a acender as luminárias, banhando o local com uma luz opaca. Encostando a mão sobre os olhos, ele esperou acostumar sua visão com a nova iluminação para então largar a muleta no chão. Suspirando fundo, temendo o que aconteceria, o jovem se dirigiu até o centro da quadra para se alongar. Esticando o corpo em diversas posições, ele logo percebeu que não precisava alongar a prótese. Coisa lógica, mas que para ele, deixar um lado sem alongamento era estranho. -
Bom, vamos lá. - Ele concluiu. Respirando fundo, Daisuke se lembrou da repentina descarga de energia que o Mirakuru lhe forçava a ter para conseguir abrir os portões, mas que agora, já sem ela, acostumara-se a emular a mesma sensação, acumulando grande quantidade de chakra no primeiro, segundo e terceiros portões. A energia eclodiu de seu corpo e sua pele começou a ficar avermelhada. Rangendo os dentes para manter-se no controle, ele ouviu a estrutura do ginásio tremer.
Sem poder falar, Daisuke disparou pelo ginásio com toda velocidade que podia. Concentrando-se nos movimentos coordenados para não cair, ele já começava a sentir fortes as dores nas costas e na perna de carne-e-osso, mas isso não o impediu de dar algumas voltas no local. Porém, cravando a prótese no chão para poder desviar de alguns cavaletes, a estrutura de bronze rangeu forte e quebrou, espalhando engrenagens e placas retorcidas pelo ginásio. Surpreso, o rapaz não conseguiu se equilibrar e foi jogado contra a parede numa velocidade incrível. O rapaz rompeu a fina parede de gesso que dividia os vestiários na lateral do imóvel, acabando por parar somente no banheiro, onde acabou por quebrar alguns azulejos com suas costas. A dor foi tremenda e sem sequer conseguir abrir os olhos, o ninja cuspiu sangue e perdeu a consciência. -
Quanto tempo eu dormi? - Gemeu ao enfim abrir os olhos. Através do buraco que ele mesmo tinha feito, tentou se levantar, tateando pelas paredes, enquanto sua perna protética ainda rangia procurando movimentar-se. -
Mas o que aconteceu aqui?! - Gritou o faxineiro que acabava de sair de um dos vestiários destruídos. Daisuke fez uma careta e explicou o que aconteceu. -
Mande a conta dos reparos para meus pais. - Concluiu enquanto mancava através da abertura até alcançar sua muleta. Ele estava exausto e furioso com seu fracasso. Se isso tivesse acontecido durante uma luta real, provavelmente estaria morto. -
Isso não pode acontecer. - Reclamou.
Já com sua muleta, o jovem saiu do ginásio apressadamente sob o olhar de reprovação do faxineiro que se viu obrigado a arrumar toda aquela destruição. -
Desculpa, viu? - Daisuke se despediu do homem, usando a muleta para chegar até sua residência. -
Menino! O que você fez dessa vez?! - Surpreendeu-se a criada que retornava das compras no comércio local. Sem querer responder, o ninja adentrou no seu quarto e praticamente se deitou na cama. Ele sabia que precisava de alguma solução, mas seu corpo, ainda ferido, pedia para descansar. A porta de seu quarto logo bateu. A criada ainda queria saber se o jovem precisava de alguma coisa. -
Traga meu médico! Agora! - Urrou angustiado. Seu grito assustou a moça que disparou pela rua à procura do doutor que provavelmente estava almoçando com sua família. Enquanto isso, o jovem olhava friamente para a peça quebrada, cujas peças expostas trincavam à cada tentativa de movimentação.
Merda. - Pensou quando enfim o cansaço venceu a batalha e novamente o rapaz dormiu rapidamente. Nessa tarde, ele não sonhou. -
Acorda garoto. - Dizia o médico, balançando seu paciente com preocupação. Suspirando, o ninja de Suna abriu os olhos e notou - pela escuridão do quarto - que já era noite. Apesar do corpo todo enfaixado, ele se preocupou apenas a olhar a prótese totalmente destruída, onde se podiam ver as engrenagens interiores no encaixe na virilha. Uma aberração. -
Amanhã o técnico dará uma olhada nela. - sussurrou o médico ao perceber a careta de desagrado do rapaz. -
Vou deixá-lo descansar. - Concluiu.
O médico e a criada saíram de seu quarto, fechando a porta atrás de si. Lá de dentro, Daisuke conseguia ouvir os murmúrios dos dois em forma de agradecimentos e recomendações. -
Ele não deve sair da cama até terça. - Disse o doutor. A empregada concordou. "Não vou esperar." - Pensou o ninja ao arquear o corpo com a ajuda da perna que ainda tinha. Buscando a muleta, ele se esgueirou e subiu com dificuldade até seu antigo quarto no primeiro andar da mansão. Estava quase tudo como deixou. Sentando-se na pequena mesa onde costumava guardar brinquedos, ele retirou um antigo caderno que mal usara na academia e começou a rabiscar suas ideias para reforça a estrutura de sua prótese e assim ela não quebraria com o esforço intenso. Daisuke sabia que o técnico também deveria ter alguma solução, mas o jovem não confiava. Preferia não confiar em ninguém. -
Se quer uma coisa bem-feita, faça-a você mesmo. - Concluiu, acendendo a luminária para começar a trabalhar na sua prótese personalizada. Nesse momento, parecia ter tido uma iluminação. Suas ideias eclodiam rapidamente e seu lápis incansável começou a rabiscar algumas formas e mecanismos que primeiramente eram grosseiros, mas com o passar da noite, foram se transformando em ideias viáveis e práticas. Pelo menos era isso que ele pensava. -
Quando o técnico chegar, já saberei o que quero. - Disse para si, terminando o desenho. Espreguiçando-se dolorosamente, o marionetista iniciante olhou pela janela e conseguiu ver as primeiras luzes da manhã da segunda-feira. O dia só estava começando.
CONTINUA...