Filler 6 - Sayonara

Yuu fechou a porta da cozinha atrás de si, encarando o silêncio que se instalou entre os seus pais assim que a viram chegar. Estavam ambos sentados na mesa redonda, e olhavam para ela como quem olhava para um cadáver recente. Sabia bem aquilo que tinham estado a discutir até ali...
-Yuu... Senta-te filha. - Proferiu Hasu a meia voz, apontando a cadeira que se encontrava defronte de ambos no outro extremo da mesa.
A jovem kunoichi acatou a ordem da sua mãe sem pensar. Tinha as mãos a tremer quando puxou a cadeira, e assim que se sentou deixou as suas mãos ficarem a retorcer-se nervosamente sobre a toalha branca. Olhava do pai para a mãe e da mãe para o pai. Pensou na mochila que estava em cima da sua cama. Rezou para que não se tivesse esquecido de nada. Mudas de roupa, algum armamento básico extra oferecido pelo seu pai, os livros de apontamentos do avô para se entreter durante a viagem, a carta de confirmação da sua participação no Exame Chuunin, algum dinheiro.
-Yuu... Tem cuidado. - Começou a mãe, o rosto a tremer de tal modo que parecia estar perto das lágrimas.
-Terei mãe, não se preocupe. - Assegurou ela. Era óbvio que teria cuidado... Mas teriam os seus oponentes o cuidado (e a delicadeza) de lhe permitir chegar intacta a casa?
-Levas tudo o que precisas?
-Sim. - Mentiu Yuu. Apenas nessa altura se lembrou que se esquecera de ensacar a coragem. O silêncio manteve-se entre os três durante algum tempo, até que Yuu o rompeu com um sorriso forçado. - Não se preocupem. Dentro de umas semanas regresso, e mais poderosa do que antes.
Yuu brincou um pouco com as palavras que o pai lhe dissera há dias. Hyun estava, de facto, impressionado com o quanto a sua filha havia crescido nos últimos tempos. Ensinara-lhe 3 técnicas em 2 dias, e Yuu já as executava como se fossem uma prolongação dela própria. Apenas nesses dias se apercebeu daquilo que realmente andara a perder nos últimos 15 anos, e no porquê de o seu pai tanto gostar de passar tempo com a sua neta e treiná-la. O modo como ela se empenhava mesmo apesar das dificuldades que surgiam, e a boa disposição que sempre reservava para os treinos... Bem, faziam-nos parecer mais um passeio pelo parque do que um treino propriamente dito. Um gosto, e não uma obrigação.
-Podes até voltar mais fraca. Mas volta. - Pediu o pai. Pela primeira vez nessa noite permitiu-se a mostrar alguma emoção. Mais um breve período de silêncio, até que o homem tomou a iniciativa de se levantar. - É melhor irmos indo, pelo que sei todos os outros Gennins já partiram há uns dias. Vens?
Hyun olhou para a sua mulher, e esta respondeu com um aceno negativo. O homem notou que o que lhe faltava não era vontade de se despedir da filha. Custava-lhe simplesmente despedir-se, sabendo que poderiam ser as últimas palavras que partilhavam. Afinal de contas, já havia perdido um irmão e um filho para aqueles amaldiçoados exames...
Enquanto esperava pela filha junto da cerca, Hyun observava-a e à mulher abraçadas à ombreira da porta. Ele próprio se sentiu emocionado quando notou a força com que Hasu segurava Yuu entre os seus braços. Não a queria deixar ir. Apesar de tudo, ele próprio estava preocupado. Era verdade que a filha evoluíra bastante nos últimos dias... Mas não seria o suficiente para enfrentar a concorrência. Só pedia para que não acontecesse nada de mal, e que ela regressasse viva a casa. Duvidava que Hasu aguentasse a perda de mais outro filho.
O caminho que Yuu percorreu com o seu pai até ao portão da vila passou a correr e em silêncio. Não conseguia perceber porque é que ambos os seus pais se encontravam tão abatidos. Havia assumido que assim que soubessem da sua admissão nos exames Chuunin iriam deslumbrar de alegria e orgulho. No entanto, abateu-se sobre eles um manto de aparente tristeza e apreensão que ela não esperara. E o silêncio do seu pai confirmava-o, mais do que todos os sinais que tivera ao longo do dia: eles não queriam que ela fizesse o exame.
-Pai... - Começou Yuu lentamente, repensando cada uma das palavras que se preparava para proferir. Já se encontravam perto dos portões principais da vila. - Eu notei que tu e a mãe não ficaram tão contentes quanto eu esperava com a minha entrada no exame. Só queria dizer que... Se não quiserem que eu vá, eu não vou.
-Não sejas parva. - Riu-se ele, tentando soar natural. - Limita-te a regressar a casa, ok? Custe o que custar.
-Prometo que o farei. - Assegurou ela com uma leve e inconsciente vénia.
Depois disso o seu pai fez algo totalmente inesperado que lhe pareceu demasiado irreal e nada habitual: acolheu-a nos seus braços e apertou-a fortemente contra o seu peito. O modo como o fazia soava demasiado a despedida: mas não uma despedida de meras semanas.
-Boa sorte. - Desejou ele, largando finalmente a filha.
Yuu agradeceu com um leve aceno, e saudou os dois Chuunins que a iriam acompanhar até Konoha. Sentia que iria ser uma viagem longa e algo penosa, mas na sua mente valia tudo a pena pois, mesmo que não conseguisse evoluir o seu rank, aprenderia algo que poderia utilizar no próximo exame.
O sol começava já a despontar no horizonte quando Yuu ficou finalmente fora de vista. O pai da jovem ficou algum tempo no mesmo local, olhando para o vazio onde há momentos se encontrara a sua filha. Temia por ela, e pelo que poderia acontecer à sua mulher caso lhe acontecesse algo de mal. Tantas frustrações, tantas complicações que lhe assolavam a cabeça naquele momento.
-Hyun-sama...
Ao ouvir o seu nome ser chamado o homem voltou-se. Deparou-se com uma bela jovem da vila, de longos cabelos castanhos e olhos verdes brilhantes. Uma visão demasiado agradável e habitual, e simultaneamente demasiado incómoda naquele preciso momento.
-Agora não. - Recusou ele o pedido silencioso da tentadora jovem, erguendo uma mão calma. - A minha filha partiu agora para Konoha e poderá nunca mais voltar, e a minha mulher está a ponto de cair novamente numa depressão por causa dessa hipótese. Não estou com cabeça para isso.
A jovem lançou uma resposta compreensiva e despediu-se com uma vénia, o seu fino quimono azul a dissolver-se lentamente na bruma matinal. Para trás deixava um vazio, uma esperança morta, uma brisa calma e uma prece.