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Hiyama Kyohei
Filler 11
Confronto
O homem bateu com as mãos no chão. O solo tremia de antecipação e ansiedade para deixar emergir uma enorme placa de rocha maciça. O camponês moreno levantava-se após criar tamanha monstruosidade e olhava com reverência para a criatura hedionda que saía da placa. Igual ao desenho cravado na altura em que o enorme objecto tinha sido mostrado, um bicho, monstro, coisa ou como lhe queiram chamar mostrava todo o seu esplendor, toda a sua ferocidade e toda a sua desumanidade. Coberta na maior parte do seu corpo por um manto de pêlo negro, apoiava-se no chão com a ajuda do esqueleto dourado de seis enormes braços e mãos humanos. No topo do seu corpo com mais de seis metros de altura, estava um crânio, também ele dourado e de órbitas desocupadas, envolvido de pêlo escuro e dois cornos pretos.
Olhei atónito para a colossidade da besta que se me apresentava. Engoli em seco a preocupação e o desespero que começavam a tomar conta do meu corpo. Senti-me tremer e, com receio de me mostrar fraco, segurei o meu braço direito com a minha mão esquerda. Além dos meus oponentes, o que me rodeava fazia-me sentir que nem um bicho. Um simples animal despojado de respeito e direitos atirado para uma arena onde deveria entreter a multidão da cidade. Nunca sonhara que este seria o desfecho da minha visita a Okuta...
Tudo começara no terceiro dia da nossa estadia na cidade. Tínhamos já percorrido a maior parte da estrutura de madeira, pregos, roldanas e quilómetros de corda que era aquela cidade, sempre guiados pelos nossos três senpais: Tagami, Uzaka e Tunkete. Pelas várias visitas, foram-nos explicando os vários costumes que o povo de Okuta tinha. A própria sociedade mostrava ser diferente da nossa: uma sociedade sem um líder definido, onde todas as decisões eram tomadas num processo lento e demoroso, mas visto como justo por todos. Os vários representantes das várias famílias da localidade eram chamados quando preciso e reunidos para tomarem as decisões necessárias na altura. Segundo a história local, foi assim que as primeiras seis famílias se juntaram no limite de uma das montanhas e durante dois dias e duas noites discutiram como a futura Okuta se iria erguer no vazio daquele vale penumbroso. Os Chunnins de Kumo mostraram-nos tudo o que Okuta tinha para revelar. Não era muito, admito-o, mas a maneira como aquela cidade tinha sido construída deixava-me fascinado e interessado no seu mínimo detalhe.
No nosso terceiro dia, tanto eu como as gémeas passeávamos pela cidade quando fomos interrompidos e chamados ao nosso dormitório por Uzaka e Tagami, correspondentemente. De início não percebi o que se passava e a maneira como Uzaka me chamara fora algo apressada demais para eu poder questioná-lo mais sobre o sucedido. Só tive tempo para parar e pensar quando os três rapazes de Kumo se reuniram com um concílio de emergência dos representantes. Deixaram-nos num largo corredor de paredes brancas, chão alcatifado e com uma enorme porta de madeira à minha frente. Vi-me acompanhado as gémeas que pareciam estar tão confundidas como eu, mas preocupadas com algo mais. O primeiro a passar pelas enormes portadas de mogno fora Tagami.
- Ei Tagami, explica-me o que se passa. - O seu semblante era carregado. Nunca o vira com tal expressão, fazia-o parecer ainda mais magro do que realmente era. Tratou de me separar das irmãs para falar comigo em privado. - Que se passa?
- Isto é uma situação delicada Kyohei-kun. - Punha a mão esquerda a segurar o meu ombro, mostrando alguma força na maneira como me agarrava o corpo. - Foram encontrados objectos roubados durante estes dias dentro dos aposentos das nossas kunoichis. - Olhei espantado para ele e mirei-as de relance. Não me parecia que fossem fazer tal coisa.
- Deve haver algum engano Tagami. Com certeza explicaste o que estamos aqui a fazer.
- E fi-lo rapaz. Mas estamos num local diferente e aqui são muito mais rígidos e incrédulos. Os habitantes de Okuta não confiam facilmente em estranhos e, mesmo nós que estamos aqui faz meses não temos o privilégio da sua confiança.
Por aquele discurso entendi que não adiantava insistir em defende-las. Teríamos que aceitar as consequências e após isso, descobrir o que realmente se passara. Era-me impossível ver Tsukikage ou Nikkou a fazerem algum dos actos que as acusavam.
- O que lhes vai acontecer? - Perguntei, indo directamente ao assunto. Tagami olhou-me antes de engolir em seco e processar bem o que tinha a dizer.
- Defendi-vos no Concílio mas mesmo assim não os consegui demover. Pelas tradições de Okuta, quem é apanhado a roubar deve ser levado a julgamento e apenas depois se irá decidir a sua punição. Pode passar entre a expulsão temporária, permanente ou a prisão do indivíduo.
- Julgamento? Que julgamento? Com juiz, testemunhas e júri?
- Nada disso. Aqui o que vale são as tradições antigas, a força, a sabedoria e a retórica de um homem. Os acusados são sempre levados a lutar numa Arena, no Campo de Desafios, contra um escolhido pelo Concílio e dependendo do resultado, terão sua punição.
- Mas então estamos bem. Tsukikage é uma mulher culta, inteligente e com o dom da palavra - quando a usa... E Nikkou é uma mulher de armas. Ambas irão saber defender-se bem.
- Não entendeste bem a minha última frase. O que vale é a força e a mente de um homem. - Repetiu Tagami. Desta vez deu uma certa ênfase à palavra homem e na mesma altura a que eu juntava tudo, ele acabou a sua frase. - És tu quem irás lutar.
Com um salto para trás afastei-me de uma das enormes mãos esqueléticas daquele monstro. A alcunha que o seu invocador lhe dava parecia encaixar-se perfeitamente na sua aparência: "Rei das Bestas". Olhei em meu redor, dando uma nova vista de olhos à arena. Todo o campo a nossos pés era areia, rocha e poeira que pairava incessantemente no ar. As paredes que nos cercavam numa figura oval eram de rocha maciça, estranhamente bem unida para uma civilização que não recorria ao uso de Ninjutsu. Do outro lado dos muros estavam enormes bancadas, que por sinal, estavam cheias de gente sedenta de sangue. Pareciam também elas bestas, a gritar, a atropelar-se para conseguirem enxergar o combate que ainda estava para vir.