O sol acabara de nascer e Ran partiu em direção a seu campo de treinamento. Aquilo já virara rotina. Chegando à beira do lago, ela largou a pesada mochila que carregava. Alongando as juntas dos braços, tronco e pernas, aprumou-se no início da trilha e, dando o primeiro passo, iniciou sua maratona diária. A trilha tinha cerca de dez quilômetros e percorria todos os arredores da floresta.

Este primeiro trecho já fazia com certa facilidade. Já acostumada com o caminho, resolveu correr por cima dos galhos das frondosas árvores ainda úmidas com orvalho. Escorregava algumas vezes, mas logo se recuperava dando ágeis voltas nos galhos, retomando a velocidade. Assim, em poucos minutos de corrida, acabou de dar a volta na floresta, no instante que começou a suar.

Sentiu-se orgulhosa por essa conquista, afinal, no início, costumava chegar nesse ponto utilizando suas últimas forças. E assim, seguiu para o segundo estágio da maratona. Saindo das imediações da floresta, entrou na segunda trilha que levava até o alto do morro íngreme que separava a região do grande mar do leste. Esta trilha possuía também dez quilômetros, entretanto era uma subida brutal.

Através da grama alta, Ran fixava seus pés para evitar escorregar no chão úmido. Seu suor agora gotejava em suas vestes e sua respiração ofegante destoava da música natural do descampado. Em passos rápidos, corria em direção ao cume. O cansaço começava a aparecer, mas sabia que não podia desistir. Havia decidido na noite anterior que hoje iria até o limite de suas forças.

Enfim chegando ao cume. Respirou fundo com dificuldade. Olhando a paisagem, pôde ver o mar em toda sua beleza. O sol já havia nascido há certo tempo, e os raios alaranjados atravessavam as nuvens pesadas. Haveria chuva. - Preciso continuar. – Pensou ao mesmo tempo em que se inclinava para descer a encosta até a areia da praia. Concentrando seu chakra raiton nos pés e mãos, descendo todos os quarenta metros que a separavam da praia.

Agilmente passando por entre as pedras, ela alcançou a areia e recomeçou a correr. Seus pulmões estavam em chamas. Seu suor agora se confundia com as gotas de maresia que banhavam seu corpo e seus pés, enterrados até a canela na água, faziam suas pernas tremerem de esforço. Corria à beira-mar até achar a marcação que havia feito. A marcação, que não passava de um tronco velho caído perpendicularmente à linha das árvores, indicava o início da terceira fase de seu treino de resistência.

Agora estava retornando à sua clareira, distante por mais vinte quilômetros. E assim foi, entrando novamente na floresta, saltando por sobre troncos caídos e passando agilmente por sobre as grandes rochas, Ran sentiu que suas pernas perdiam força - Não posso parar – pensava, enquanto buscava apoio no solo e novamente retomava a corrida. Esse esforço se tornou desesperado nos últimos cinco quilômetros, caindo e levantando.

Às vezes parando e pondo as mãos nos joelhos. Continuava, persistia e ao final, quando estava a poucos metros da clareira, arrastava-se até chegar ao seu ponto de partida. Feliz pelo resultado, Ran deitava embaixo do carvalho, olhando para o céu que se fechava em pesadas nuvens. A chuva começava a açoitá-la, mas ela via alívio naquilo. Ofegante e exausta, nem sequer se mexeu para proteger-se da chuva.

Deixando-se molhar, esperou recuperar o fôlego. As gotas da chuva inibiam um pouco sua visão do exterior, mas não se conteve, afinal, ninguém a havia incomodado desde que começara a treinar ali. Levantou-se, tirou a roupa e repousou nas gélidas águas do lago. E assim, após alguns minutos de descanso, ainda com músculos doloridos, resolveu continuar o treino.

Dirigindo-se até a pista de Taijutsu, resolveu experimentar um novo tipo de exercício. Havia percebido, em sua última missão, certa dificuldade em recuperar-se de alguns danos. E isso poderia ser a diferença entre sua vida ou sua morte. Assim, pondo-se no centro dos grandes troncos pendurados em círculo, concentrou-se e socou o tronco da frente com toda força residual que ainda possuía.

Num estalo, o tronco inclinou-se para fora do círculo, retornando com velocidade onde ela o aguardava. E, em vez de esquivar-se, Ran deixou-se golpear, abrindo os braços. O tronco atingiu-a com toda a força. O impacto foi grande. A garota foi jogada e bateu suas costas noutro tronco fazendo-o ranger as roldanas. O sangue escorreu de seu lábio. - Preciso melhorar minha base. Meu equilíbrio. - Pensou ao retomar posição.

E mais uma vez golpeava o tronco que voltava com força acrescida de seu peso. E mais uma vez Ran era arremessada, mas ao invés de chocar-se com o obstáculo em suas costas, conseguiu agarrar-se já que mudara seu centro de gravidade para encontrar o tronco com mais rigidez. Entretanto, no seu rosto surgiu um hematoma que sabia que doeria mais tarde. E assim continuou a sua "via crucis".

Um soco, um estalo na madeira, um ranger das roldanas e mãos, braços, costelas, pernas e canelas tentavam aparar a força descomunal do golpe no retorno do tronco. Batia e recebia o golpe, repetidamente, até que suas extremidades estavam entumecidas, roxas e às vezes ensanguentadas. Ran tentava lidar com a dor. Fazê-la sua amiga. Não queria sentir tanta dor no momento que se ferisse, coisa que acontecia com uma frequência indesejada.

Sabia que a dor não deveria atrapalhá-la em momentos cruciais. E mesmo machucada, continuou, até que não aguentou mais, com medo de quebrar algum osso. Por um momento pensou na loucura que fizera, mesmo assim sorriu por não ter quebrado nada. Assim, dirigiu-se até sua mochila, retirou seu almoço do invólucro e começou a comer com dificuldade, já que seus dedos não respondiam seus comandos em virtude das pancadas.

FIM DA PARTE I