-Costumavas ser conversadora quando eras pequena Soratsuhi… - Desabafava a opaca e carregada voz que ecoava ao longo do manto escuro que substituía o azul do céu e transformava o seu frio num arrepiante sentimento de impotência e futilidade.
-E você simpática… - Aderia a Genin de Yuki, mesmo em frente à autoridade da voz opaca, disfarçando com maestria o seu nervosismo, tentando amainar o aumento gradual do batimento cardíaco e do seu suor a escorrer pela face.
Deixara de existir cemitério, Nero, ravina, gelo, neve… tudo! A adolescente encontrava-se agora suspensa no ar, acorrentada pelos membros por quatro pedaços de gelo, estes que lentamente congelavam o “ar” à sua volta para assim se estenderem e poderem agarrar mais do seu corpo. Era uma armadilha, sem dúvidas, e o tempo que aquele gelo levaria a congelar o corpo por inteiro era o seu tempo limite para escapar. A primeira coisa que veio à mente foi fornecer resistência. Era gelo, à primeira vista podia quebrar-se após algumas pancadas, e era baseado nessa impensada teoria que Sora se debatia, forçando todos os membros a tentarem escorregar pelas entranhas do gelo ou, de forma mais desesperada, quebra-lo interiormente.
Desistiu após breves segundos, apercebendo-se de como os seus pulsos começavam a ficar gelados, a ponto de ficarem totalmente inúteis. Suspirou, podendo ver o seu gélido bafo diante da boca, e olhou pelo local. Há meia hora que aquele corpo estava à sua frente, também ele acorrentado por pedaços de gelo que se estendiam involuntariamente. Faziam vinte minutos quando esse corpo começara a falar, afirmando ser a avó de Sora, presa naquele eterno Genjutsu sem formas de poder sair. Obviamente que a Genin preferia ignorar o que inicialmente não passava de uma mera ilusão, resultante de algum oponente lá fora que, provavelmente, estava a lutar contra Nero. Cinco minutos depois e a sua opinião mudava, acreditava que aquela “imagem” podia ser verdadeira, a sua avó paterna que até então fora dada como desaparecida, logo após a detenção do seu marido e avô de Sora.
-Então, como tem andado o meu filho? – Perguntou a avó, ainda de cabeça virada para o vazio abaixo delas, ignorando o gelo que já lhe percorrera todos os braços até aos ombros, e as respetivas pernas até metade das coxas – Não tenho falado muito com ele…
-Não me admira! – Bufou Sora olhando furiosamente para a nuca da sua familiar, sentindo um calafrio a percorrer-lhe os membros, mediante as pequenas correntes ganhavam terreno – V-você… depois… daquilo… - A avó, subitamente, elevava a cabeça para olhar para a sua neta, conseguindo mesmo assim tapar a sua cara devido à obscuridade proporcionada pelo vazio à volta delas. Não conseguia esconder um sorriso… não, aquela submissão, mesmo após tantos anos, ainda era simplesmente deliciosa… - D-daquilo… que você fez! O-o… o meu pai nunca foi o mesmo! – Gritava a Genin, ocasionalmente, aumentando, contra sua vontade, o seu nervosismos e batimento cardíaco, começando a suar cada vez mais.
-E ainda não me arrependo – Opinou a idosa vendo a pequena à sua frente a reagir à resposta com um olhar assustado na sua direção – Linda como sempre minha neta. Uma pele de pedra a esconder uma pétala abandonada, não é verdade? – Gargalhou olhando, subitamente, para o seu braço direito, pressionando o gelo nesse braço com o seu olhar sem razão lógica.
Soratsuhi não proferiu nada, recorrendo-lhe logo à memória as imagens detalhadas de eventos vividos com a sua avó. Os sentimentos. As imagens. As palavras. Os atos…
O gelo quebrou aquele pensamento, literalmente. Sora olhou em frente, vendo a lasca que congelara o braço direito da sua familiar a quebrar-se em pequenos pedaços, estes que se perdiam no vazio do cenário. Cada vez mais potente, o olhar da sua avó despedaçava o gelo que a prendia no vácuo, desfazendo-o em lascas até estas se evaporarem com o calor da aura negativa por ela transmitida. Lembrava-se agora do quanto a sua avó era forte, do quanto era cruel e manipuladora…
-Sora… - A voz dela, calma, profunda, assustadora, sibilou pelos ouvidos da sua neta causando instantâneos arrepios pelo seu corpo, levando-a a fechar as pernas subitamente ao sentir o corpo da sua avó tão perto do seu. O cérebro não raciocinou, simplesmente obrigou-a a soltar tudo o que sentia no fluído que agora lhe escorria pelas pernas, pingando pelas botas e mergulhando também eles no interminável vazio – Linda menina… - Voltou a sibilar, soltando uma gargalhada ao ver a cor amarelada a brilhar nas pernas nuas da sua neta – Não entraste na minha mente para conversarmos, sim para libertares-me… - Continuou, aproximando-se das costas do pescoço da adolescente e descendo a sua gola exibindo um traço que separava a conexão de dois círculos, um pequeno, do tamanho de um berlinde, e outro maior que podia atingir o tamanho de uma bola de algodão – O poder… - Gemia ao lamber a tatuagem de uma só vez, deixando alguma saliva sua na marca, esta que era emanada por um brilho cinzento, sendo absorvida instantaneamente.

-Finalmente, acordaste! – Guinchou Nero, agarrando a sua companheira pelo seu pescoço, não notando como a sua tatuagem transmitia uma aura cinzenta que brilhava nas suas mãos – Sentes-te bem Sora?
A adolescente não podia acreditar que se encontrava na realidade. Piscava os olhos, só para ter a certeza que a sua mente não lhe pregava partidas, apercebendo-se depois do Chunnin que lhe segurava no corpo. Assustou-se, afastando Nero ao pontapé, e colocando a mão entre as pernas, não sentindo o que esperava sentir.
-Foi tudo um sonho… tudo um sonho… - Pensava a pequena retirando a mão e sacudindo o seu cabelo, afastando alguma da neve que se apegara a ele, olhando de súbito para o seu lado, vendo a campa com o seu nome, permanecendo então calada.
Nero coçava na cabeça, olhando para a rapariga, confuso. Ao invés de acompanhar o olhar dela para a direita, preferia a direção oposta, visando o seu cão que por fim conseguia ultrapassar o obstáculo invisível, a correr em sua direção com a língua de fora e cauda a abanar, mostrando clara felicidade.

-Ela conseguiu? – Perguntou Kaoru desviando o olhar para a mulher de azul a seu lado, esta que enrodilhava algumas pontas do seu cabelo entretida – Kisatara-sama?
-O cão conseguiu entrar na barreira, a Deusa está liberta do seu selo e pronta para ser morta. Vamos Kaoru! – Gritou Kisatara num tom destemido, virando costas a Nero que pegava em Sora pelo colo e a tirava daquele local, sendo seguida por Kaoru que ainda levava consigo Shiori ao ombro.