Poucos minutos passavam das seis horas da manhã quando os primeiros raios de sol tentaram sem sucesso romper a densa neblina matinal de Kirigakure. Grande parte dos habitantes ainda dormia confortavelmente nas suas camas mas havia que outros que não tinham outra solução se não levantarem-se e irem trabalhar. Um desses madrugadores era Asahi, um velho pescador que mora com a sua esposa junto à costa:
- Onde vais? - perguntou a mulher com mau acordar enquanto se aconchegava nos suaves lençóis.
- Onde achas que vou a estas horas? Ter com a outra? - retorquiu o velho sem pachorra para a aturar.
- Tendo em conta o que tens pescado ultimamente, quase que nem se daria pela diferença entre fazeres uma coisa ou a outra. - suspirou a senhora, agonizada com a baixa produtividade do seu marido desde há uns tempos para cá. A verdade é que ela suspeitava que a idade começava a afectar o juízo do homem e até já lhe havia recomendado que contratassem mais um ajudante para manter o negócio no activo, contudo a casmurrice do velho impedia-o de admitir a derrota.
- Não me chateies com isso outra vez, já tenho o Shinjo para me ajudar na pescaria e não precisámos de mais ninguém. - concluiu, saindo do quarto antes que a conversa matinal se tornasse em mais uma das habituais discussões sobre trabalho.
O Sr. Asahi era um pescador experiente e um dos mais conhecidos nas redondezas mas os últimos tempos não se estavam a mostrar tão frutíferos como aqueles que a velha carcaça outrora conhecera. Contudo ele não gostava de pensar nesses assuntos, acreditava que isso se devia apenas a alguma falta de sorte e não a uma questão de juventude... ou falta dela. Assim que olhou para o relógio na sua sala de estar, o homem reparou que já estava na hora de ir ter com o seu ajudante e engoliu rapidamente o pequeno-almoço enquanto vestia o seu habitual colete verde escuro. Poucos metros teve de percorrer até se encontrar em frente à casa do seu vizinho Shinjo. Este era também um homem de meia-idade, embora um bom par de anos mais novo do que o Sr. Asahi, e que toda a sua vida vivera da pesca mas só há poucos meses se tinha juntado ao negócio do velho. Minutos depois, Shinjo aparece à porta ainda penteando com a mão os poucos cabelos negros que lhe restavam mas carregando consigo todos os materiais necessários para mais uma manhã de trabalho.
- Discutiste outra vez com a tua mulher? - perguntou Shinjo ao ver a cara desanimada do velho.
- É, ultimamente não tenho tido muita sorte e sabes como são as mulheres...
- Nisso por acaso não tenho de que me queixar, a minha mulher é um anjo.
- Ó
home, já te avisei para não deixares os peúgos no chão! - gritou uma voz estridente do interior da casa.
- Sim, querida... - suspirou Shinjo, fechando a porta atrás de si.
- Deixa lá, isso não é nada. Elas ficam piores com a idade. - desabafou Asahi, colocando uma mão sobre o ombro do amigo em forma de consolo.
Felizmente a casa dos dois sócios não ficava muito longe da costa e não demoraram muito tempo para chegarem ao seu local de pesca favorito: um enorme paredão rochoso que adentrava uns bons pelo mar e onde as ondas batiam com toda a sua força. Percorrendo aquele longo caminho até ao fim chegar-se-ia a um local suficientemente afastado da costa, ideal para pescar sem ser necessário pegar num barco para ir para o alto mar. Os dois pescadores não tardaram a chegar ao seu local habitual e alojaram-se confortavelmente nas cadeiras que traziam consigo após lançarem os anzóis à água.
Infelizmente para ambos e sobretudo para os ouvidos do Sr. Asahi que teria de aturar as lamurias da sua mulher quando chegasse a casa, os peixes não pareciam interessados em morder a minhoca, quer fosse a de Shinjo ou a do pescador mais velho. Horas depois de chegarem ao local, tudo o que os dois homens tinham conseguido apanhar havia sido dois valentes escaldões e meia-dúzia de peixes, suficientes para encher apenas um balde. Quando Shinjo já começava a arrumar a tralha para irem embora, o Sr. Asahi reparou em algo branco a boiar junto às rochas:
- Que raio de peixe é aquele? - questionou-se o velho colocando a mão em forma de pala por cima dos olhos na tentativa de observar melhor aquele estranho animal.
- Aquilo não é um peixe, é uma pessoa... - retorquiu o outro, continuando a arrumar as coisas com toda a tranquilidade do mundo. A sua vista era sem dúvida melhor do que a do velho mas, infelizmente, a sua cabeça não.
- Então, estás à espera de quê para lançar um rede e salvar o náufrago?! - gritou Asahi, dando um valente cachaço no pescoço do parceiro. Todavia, a baixa actividade cerebral de Shinjo era compensada por um forte corpo que lhe permitiu concluir o salvamento em poucos minutos e içar a rede para terra. Apenas se aproximaram da pessoa na rede é que os pescadores repararam no estado de subnutrição em que esta se encontrava, as suas costelas encontravam-se perfeitamente delineadas ao baterem contra a sua pele pálida.
- Olha, parece que é uma jovem rapariga! - exclamou Shinjo ao examinar o corpo mais atentamente e reparando nos seios semi-desenvolvidos que se encontravam descobertos.
- Vamos mas é levá-la para o hospital e reportar o sucedido ao Mizukage. - afirmou o Sr. Asahi, apressando-se a colocar o seu casaco à volta da rapariga e carregando-a nos seus braços até ao hospital.
[Algumas horas depois...]
O ambiente no hospital de Kirigakure era caótico, tinha dado entrada de urgência há cerca de 30 minutos uma rapariga que foi encontrada à deriva no mar e os médicos corriam de um lado para o outro como se procurassem algo para explicar o inexplicável.
- O que é que se passa? - perguntou o velho Asahi, o qual ficara no hospital enquanto que Shinjo tinha ido para casa levando consigo os materiais de pesca, e que agora interrompia a correria de um dos médicos que passava pelo corredor.
- As condições da paciente ainda são muito reservadas, você é da família?
- Não, já disse a uma colega sua que encontrei a rapariga a boiar no mar esta madrugada.
- Compreendo, então não pode ajudar... - murmurou o médico para si, parecendo algo desiludido com a resposta do pescador. - Daremos-lhe mais informações assim que pudermos, até lá terá de aguardar. - conclui o homem, desaparecendo num ápice ao entrar numa das portas daquele pálido corredor.
No interior do bloco operatório, a rapariga de cabelos brancos que fora resgatada pelos pescadores estava deitada na maca situada mesmo no meio da sala enquanto os médicos em seu redor examinavam olhavam para ela com um ar estupefacto:
- Como é que isto é possível...? - questionava-se um dos cirurgiões analisando a radiografia que tinha nas mãos.
- Nunca vi nada assim. - declarou um outro homem de bata branca que também tentava interpretar aquela estranha imagem.
- Porque é que me chamaram aqui? - perguntou um homem de cabelos pretos e olhos azuis que acabava agora de entrar no local acompanhado por um par de ninjas da ANBU de Kirigakure.
- Mizukage-sama. - cumprimentou o médico que segurava na radiografia, baixando-se ligeiramente em jeito de vénia. - Esta rapariga tem uma estrutura óssea como nunca vimos antes.
- Deixa-me ver. - pediu o Kage antes de pegar na radiografia e a analisar contra a luz. Após um único relance, Okashii não conseguiu conter um ligeiro sorriso antes de murmurar: "Interessante, parece que temos mais uma Kaguya na nossa vila".