As noites em Suna estavam a ser interessantes, mas comecei a pensar no que seria realmente ser um ninja. A meu ver, que resumia-se a uma rápida avaliação à minha vida de ninja até agora, simplificava-se em brincadeiras de ilusões com homens estúpidos e que não sabiam o que fazer ante uma adolescente de ar inocente. Nem sequer podiam ser considerados “machos” o suficiente por nem conseguirem erguer a palma para ma baterem...
Pensava nestes pormenores insignificantes porque lá me encontrava eu, em outra tarde calorenta e sem nada para fazer. Sentara-me no sofá perto da janela poeirenta (os donos do prédio avisaram-me que a areia iria sujar grande parte das minhas janelas, mas nem faço caso), evitando não tropeçar na quantidade de embalagens de comida espalhadas pelo chão, abraçando as pernas e ficando a fitar indiferentemente o Sol. Sem dúvidas, a Lua era melhor...
Ouvi bater a porta, mas não reagi de imediato. Se calhar uma ninja teria de sentir-se logo ameaçada, provavelmente esconder-se por estar à espera de um ataque surpresa ou uma traição da própria sombra. Mas eu achava isso tudo desnecessário... E preocupar-me demais com algo que nunca aconteceria... Afinal, era demasiado inocente para desconfiarem de mim...
Abri a porta e deparei-me com um puto (sem tirar nem pôr) de tenra idade a fitar-me seriamente. Não mostrei interesse ante tanta raiva, ainda por cima injustificada,e limitei-me a soltar um suspiro ao sentir o calor abrasador a entrar pela casa.
- Mitsugi Aika? – Perguntou o jovem, numa voz infantil e de tom irritante. O seu olhar desviara-se de mim, para analisar o interior do meu apartamento como se procurasse a prova de que necessitava (apesar de só encontrar roupa por todo o lado e pacotes de comida) até os nossos olhares voltarem a encontrar-se – Andaste a meter-te com os meus amigos!
Com os amigos deles? Meti-me com tanta gente que até perdi a conta! Fechei os olhos para tentar lembrar-me de algo e, avaliando o Gennin à minha frente pela sua aparência e estatura, relacionei-o imediatamente com uns estudantes que vi a passar pela minha janela no outro dia. Diverti-me imenso com o meu Sushii no Genjutsu, mas chamei demasiada atenção com as gargalhadas e provavelmente a janela aberta não ajudou a esconder melhor a minha posição.
- Não gostei do que tu lhes fizeste, agora vais levar tu! – Gritou com grande convicção. Os seus olhos brilhavam estupidamente e os seus punhos, fortemente apertados, davam ênfase à sua vontade de lutar contra mim.
Como era habitual, não lhe respondi. A inexpressividade do meu olhar permitia-me esconder facilmente a emoção de lutar contra ele (sempre era melhor que ficar a olhar para o Sol), mas, ao mesmo tempo, era intensa o suficiente para substituir as minhas palavras. Deixei a porta por breves segundos, voltando a aparecer calmamente e a segurar a marioneta na mão direita. Afastei-o calmamente com um empurrão no ombro, ao qual reagiu como um animal assustado, afastando-se em breves passadas e protegendo-se com os braços, e fechei a porta atrás de nós. Olhava-me, à espera de algum ataque ou algo assim, mas limitei-me a passar por ele sem nunca remover a troca de olhares, até o desviar para as escadas. Ouvi os seus passos e apercebi-me que me seguia. As correntes tilintavam a cada passo na subida das escadas e pude ver, de soslaio, que o rapaz olhava para elas com cara de parvo...
Chegámos, por fim, ao terraço. O Gennin espreguiçou-se ao máximo, como se sentisse vigorado com o Sol, e apressou-se a afastar-se para a outra ponta do terraço, visivelmente emocionado pela luta. Quando cheguei ao terraço, coloquei a palma da mão à frente dos olhos e ofendi carinhosamente (para mim é possível) o Sol, afastando-me, quase a arrastar-me pelo chão, até à ponta oposta à do Gennin, que agora contava o seu arsenal ninja.
- Quando estiveres pronta, Mitsugi-san! – Avisou, ainda com o tom infantil emocionado – Vou provar-te como um Gennin de Suna luta! – Anunciou, retesando os joelhos e colocando uma kunai à frente do seu peito, fitando-me cautelosamente.
Coloquei a marioneta à minha frente e conectei-a por linhas de chakra numa concentração razoavelmente boa. Experimentei o seu estado ao fazer alguns testes e vi que estava operacional. Bocejei lentamente e devolvi o olhar ao rapaz, muito mais inexpressivo que o seu.
- Estás... Pronta? – Perguntou, provavelmente confuso pela minha posição relaxada. Anuí com a cabeça descontraidamente – Aí vou, então!
Fiquei atónita, por alguns momentos, pelo Gennin ter anunciado quando iria atacar. Apesar de parecer parvo, o rapazola parecia ter algum jeito para a coisa. Começou por lançar a kunai na minha direção como movimento de distração, só para depois saltar no ar e inspirar uma grande quantidade de ar.
- Katon: Gōkakyū no Jutsu! – Gritou, expelindo todo o ar comprimido em uma gigante bola de fogo que queimou os céus e descendeu ante mim,
Saltei para o lado para esquivar-me da distração, só para em seguida me deparar com algo ainda mais quente que a porcaria do Sol. Num pensamento instintivo, e impressionante diga-se, dedilhei para que a marioneta fosse contra mim, empurrando-me com violência e retirando-me da área de impacto, sendo automaticamente arrastada comigo pelos fios de chakra que nos conectavam. O empurrão fora doloroso, mas louvável por a bola de fogo ter atingido o telhado mesmo à minha frente, deixando uma grande marca a cinzento.
Levantei-me, ainda um pouco ressentida pela dor do encontrão, e preparei alguma focalização de chakra. Apressei-me a realizar alguns selos e, após a preparação estar completa, levei a marioneta ao ataque, bramindo as suas espadas-duplas e entretendo o Gennin com múltiplos cortes. Enquanto entretido, a pequena criança não reparou que cópias negras minhas emergiam do telhado e das paredes, aproximando-se dele a passo lento e pretendendo formar um cerco. A marioneta afastou-se alguns centímetros, usando um dos clones negros como escudo, para depois efetuar um corte diagonal que foi bloqueado pela kunai do Gennin.
- O que é isto tudo? – Perguntou a criança inexperiente, algo confusa – Katon: Hōsenka no Jutsu!
Cuspiu rapidamente pequenas bolas de fogo na direção de alguns clones negros, vendo-os a serem perfurados mas sem sentirem qualquer tipo de dano, multiplicando-se ao invés. Contudo, para meu azar, vi algumas das bolas de fogo a virem na minha direção. Vi-me obrigada a afastar a marioneta da luta (para que esta não fosse atingida enquanto eu estava ocupada), e dei alguns saltos e manobras evasivas, esquivando-me das pequenas bolas de fogo inofensivas sem grande esforço. Para meu azar acumulado, apareceu outro Gennin, vindo de nenhures, que se agachou e me atingiu com um pontapé rotativo nos calcanhares. O desequilíbrio foi óbvio e embati contra o solo a meio de um guincho, o segundo rapazola afastou-se em pequenos saltos.
Ergui a cabeça, sentindo algumas dores no rabo, e vi o primeiro rapaz ainda a lutar inutilmente com os clones negros enquanto o segundo, provavelmente uma réplica, mantinha uma kunai na mão e olhava agressivamente para mim. Levantei-me e senti as correntes do meu cabelo a embaterem umas nas outras...
Concentrei chakra rapidamente e usei um Sushii no Genjutsu para fazer a cópia pensar que era atacada pela minha marioneta pela direita, quando, na realidade, esta iria pela esquerda. A cópia tentou defender-se da ilusão, mas depressa viu que cometera um erro ao sentir duas espadas a trespassarem-lhe a barriga e a desfazê-la em pequenas chamas que se evaporavam rapidamente.
- Katon..! – Virei a cabeça para o lado, vendo o Gennin a preparar outro Ninjutsu - Ho Tsuki no Jutsu!
Por entre as pernas e braços das minhas ilusões negras, uma bola de chamas percorreu o intervalo entre nós a uma velocidade estonteante. Desta vez não tive tempo de raciocinar, vendo-me atingida por uma pequena explosão ígnea que me projetou contra a parede, batendo de costas contra a mesma. Gritei, mas o som saiu abafado pela explosão...
- Deixa-me só... – Sentia-me tonta, a cabeça latejava... – Derrotar estes malditos... – Só ouvia a voz ofegante do rapaz e a cabeça doía – Que já... Vou aí... – Algo quente e viscoso escorria-me pela nuca – Malditos!
Abri os olhos, vagarosamente. O Gennin ainda defrontava as minhas ilusões, sem conseguir perceber que não passavam disso mesmo, não aproveitando a minha curta inconsciência para ganhar o duelo. Provavelmente nem reparou que desmaiei por segundos...
Apoiei-me sobre a parede e ergui o corpo. Imediatamente a cabeça latejou, como sinal de aviso que não devia exercer-me demais, mas tal não podia ser cumprido. Olhei para as mãos e certifique que os fios de chakra ainda me conectavam à marioneta, vendo esta alguns metros afastada de mim. O seu escudo estava chamuscado, provando que a protegera da explosão.
- Por que é... Nunca mais acabam!
Levei a mão à parte detrás da minha cabeça, sentindo-a a molhar-se. Coloquei-a à frente dos olhos, só para ver que sangue escorria-me pelos dedos e molhava o telhado. Decerto que não me encontrava bem... Sentia-me um pouco irritada, só um pouco, e deixei chakra emanar pelo meu corpo enquanto as minhas mãos desenvolviam alguns selos.
- Magen: Narakumi no Jutsu...
Alguns segundos de espera e um grito horrível foi suficiente para certificar-me que o Gennin encontrava-se agora ocupado com a minha ilusão. Sofreria mentalmente, mas a minha marioneta, que ainda reagia bem aos meus comandos, encarregar-se-ia dos ferimentos físicos. Num hábil dedilhar, o boneco voltou a bramir as espadas-duplas e esvoaçou para perto do Gennin de joelhos. Evitou todas as minhas matérias negras e, quando se viu perto o suficiente da criança, cortou-lhe o peito superficialmente e atingiu-lhe com o escudo na cabeça. A pancada, oca e de som doentio, fez o corpo do rapaz tremer e o seu olhar mostrou-se atónito. Aproveitei para que o escudo voltasse a servir como arma, atingindo-lhe agora na cara e impulsionando o corpo da criança para trás, deixando um espirro de sangue no telhado. Puxei a mão para trás e a marioneta aproximou-se rapidamente de mim, deixando que ele se recompusesse.
- Que... – Custava-lhe a falar, mas vi que ainda se levantava. Ergueu a cabeça, ainda um pouco tonto, e sangrava da sua testa onde o escudo o atingira sem cerimónias – És forte, Mitsugi-san... – Levantou-se, com as pernas a cederem-lhe um pouco e, provavelmente, com os sentidos um pouco distorcidos – Foste a melhor oponente da minha vida!
Sorri-lhe, também nunca tivera uma luta tão complicada, mas isso é que ainda faltava-me treinar muito. Não achava o Gennin algo de fenomenal, até que era um tanto estúpido contra as minhas ilusões... Avaliando os seus ferimentos e os meus, calculei que ambos estávamos tontos pelas pancadas violentas nas cabeças e ambos sangrávamos dessas feridas. Os nossos sentidos já não estavam tão apurados e a capacidade de raciocinar (mais útil para mim do que para ele receio) já renderia de igual forma. Seria melhor acabar rapidamente com isto, antes que o meu chakra terminasse...
Aglomerei mais uma quantidade da minha essência e criei a ilusão que portava um par de shuriken`s. Fingi arremessá-las e vi o Gennin a inspirar mais uma grotesca quantidade de ar.
- Katon: Dai Endan!
Expirou um denso fluxo de fogo que, numa situação real, bloquearia os arremessos. Como estes nem existiam, fora um simples gasto de chakra. Mesmo que eu me visse obrigada a atirar-me para trás para não ser atingida pelas pontas das labaredas...
O fluxo de fogo cessou e o Gennin agarrava em outra kunai e correu ante mim, começando a ignorar os meus clones negro (cujo Genjutsu também começava a perder efeito). Dedilhei por reflexo, intersetando o seu avanço com a minha marioneta e o som de metais a chocar fez-se ouvir. Kunai contra uma espada, humano contra o boneco. Felizmente, a minha marioneta portava duas armas ao contrário do seu adversário e, com um comando simples, a segunda espada avançou em arco, desarmando o inimigo e criando a abertura para que a primeira estocasse em frente, batendo com a ponta no peito e espetando superficialmente, perfurando as roupas e um pouco da pele.
Fitei-o inexpressivamente, sentindo o suor na minha cara e a respiração ofegante a provarem-me o quanto este duelo fora complicado... E divertido.