Já havia passado das duas horas da manhã quando Kimura acordou com o rugido do trovão que trazia a tempestade. Com medo, procurou por seu irmão mais velho, Himura, que sempre o protegeu nos momentos difíceis, mas não estava lá. Preocupado, desceu tateando pelo caminho escuro até encontrar a porta do quarto de seus pais que estava entreaberta. Abriu-a com certo receio, mas a porta rangeu e o rosto de Kimura era iluminado por mais um trovão, que de tão forte, fazia tremr as persianas. Não havia ninguém, parecia que estava sozinho em casa. Começando a desesperar-se, desceu os degraus à procura de alguém, mas realmente a casa parecia vazia. Nem mesmo sua irmã mais velha estava na cama. Tentou gritar por seus parentes, mas não conseguiu. Faltou-lhe ar assim que viu a porta do porão aberta. Sabia o que acontecia. Seu irmão estava para ser iniciado no clã.
Os pais de Kimura faziam questão de não entrar em detalhes o que acontecia. Apenas o preparava para que tivesse coragem quando seu momento chegasse. Sabia que não deveria ir até lá. Mas a curiosidade de criança, com toda a sua ingenuidade, foi suficiente para ganhar coragem e descer vagarosamente os degraus do porão. Havia penumbra criada por grandes velas que descansavam em cada degrau do porão, como se dessem boas-vindas aos novos membros do clã. Kimura ouvia os mesmos cânticos que sua mãe entoava quando o punha para dormir. Fazia sentido. Treinamento para o que aconteceria quando chegasse a idade ideal. Seus passos leves eram abafados pela chuva torrencial que caía. Foi entrando até chegar ao salão de cerimônias.
Era uma sala grande, oval, escura e úmida, como todo porão deve ser. No centro, um grande tapete violeta com detalhes formando serpentes douradas em suas beiradas. No lado norte, uma grande serpente de bronze em posição de bote, olhava fixamente para o seu irmão, que prostrado diante dela cantava baixinho uma canção sinistra que nunca ouvira. Formando um triângulo em volta de seu irmão, estavam seu pai, mãe e sua irmã mais velha. Todos vestidos com pesados mantos vermelho-sangue, eles todos também cantavam e faziam selos vagarosamente.
Escondido nas sombras, Kimura assistia seu pai se aproximar de seu irmão, dizer algumas coisas em seu ouvido e se afastar. O jovem Himura tirou seu manto e, de joelhos, fez os selos e sussurrou: Kuchiyose no Jutsu. Kanjis apareceram em volta de sua mão, e num chiado, uma serpente branca surge. Ela possuía olhos tão vermelhos que destacavam na penumbra. Aquela visão fez Kimura tremer ao vê-la tomar posição para o bote e dizer com um silvo sinistro: "É esse que escolho. Minha compania e meu amo."
Picando-o no pescoço, seu irmão grita. Suando frio e se debantendo, ainda com a cobra fixa em seu pescoço, luta contra o inevitável: ou se transforma no membro do Clão Hebi, ou morrerá ali mesmo. Foi então que Kimura percebeu o porquê que seus pais não falavam da cerimônia de iniciação. O horror ao ver seu irmão babando e balbuciando em linguas sem sentido. Até que pálido ficou. Suas pupilas tornaram-se verticais. A cerimônia havia sido um sucesso.
A cobra branca sumiu num chiado e seu irmão levantou-se. Ainda tremia e parecia exausto. Seu pescoço, inchado e negro, ainda derramava um líquido verde escuro. Com um sorriso, ele acena para sua família. Vendo isso, Kimura preferiu enfrentar a tempestade em sua cama. Subindo os degraus com cuidado, ele corre até seu quarto, com receio de que logo, mais cedo ou mais tarde, seu dia de provação chegará. Estaria pronto para abraçar a serpente? Perguntava-se. Até que, sem perceber, conseguiu voltar a dormir.