Por vezes, olho para aqueles que me acompanho e sinto que toda a minha vida pára, para sempre perdida no silêncio do olhar, um nada insignificante. Observo o Kazuma, aquele que considero o meu melhor amigo desde que me conheço enquanto Hikaru, e a relação dele com a irmã, Ayame, a qual adoptei como minha pupila e herdeira do meu legado ninja. Mesmo longe da família deles, vejo a luz que eles criam no meio da noite que engole até a mim mesmo. Tenho a certeza que eles estão ansiosos para voltar para eles, para os Midori, a família que me aceitou sem questionar.
Eles não me conheciam. Tinham todo o direito de duvidar de um pequeno rapaz órfão sem quaisquer raízes na vila. No entanto, sempre cuidaram de mim como se fosse irmão deles, mostrando o amor que não recordo sentir.
E não consigo evitar a culpa que me corrói por não lhes poder dizer toda a verdade sobre mim. Não sou só Hikaru Nakayama, não sou apenas médico. Aliás, aquilo que eu sou não é médico. Sou um covarde, que não consegue fugir do negrume da culpa e se deixa corromper por ela há anos. Eu sou chamado de luz e tenho mais escuridão em mim que muitos criminosos que vagueiam pelo mundo.
Estou aqui a cuidar do Kazuma e da minha jovem aprendiz que, mais que a minha obrigação enquanto médico, é a única coisa que sinto como justa. Eles deram-me tudo o que eu perdi e tenho que retribuir como posso. É a minha forma de pedir redenção ao mundo. Medicina é tudo o que sei fazer. Além de matar… Tenho um passado que nunca lhes poderei revelar. E nunca o farei.
A pequena flor de íris, como é tratada pela família, já esteve em minha casa e foi um erro. Ela observou tudo minuciosamente e conseguia ver o ar inquisitório nos seus olhos. Demorou-se mais nas fotografias, repletas de caras que ela conhecia e bem. Amigos, familiares dela. Fiquei aliviado quando ela não fez perguntas... O Kazuma nunca indagou também. Talvez ele, no fundo, saiba. Não me surpreenderia. Ele conhece-me melhor que eu mesmo.
Tenho duas das pessoas mais honestas que alguma vez conheci ao meu lado e eu próprio não consigo sê-lo com eles. Sou de facto um covarde… Um covarde que se esconde por trás de um talento ninja que nunca quis possuir, de uma carreira iniciada pelo remorso e que atingiu uma proporção que eu não esperava. Já há muito que aceitei o meu destino. Apenas estou neste mundo a tentar reduzir a minha pesada condenação.
E talvez esteja simplesmente à espera de ser aceite. Que um dia descubram o que aconteceu e me perdoem, sem referir aquilo que tento esconder a tanto custo, sem reabrir as feridas que nunca curarão. Porque eu nunca esqueci…
É impossível esquecer. O poder a incendiar-me as veias e o chakra, a face lavada em sangue, o monstro de olhos em chamas no espelho. O descontrolo da situação, das emoções. A minha mãe horrorizada, a olhar para o filho com um poder amaldiçoado, desfeita em lágrimas de medo e desilusão. O meu pai a entrar em casa, de sobrolho levantado, tentando manter um ar sério e assim esconder o terror que lhe atravessava os olhos. Mas eu vi. Eu vi. Vi a intenção dele, instantânea, sem hesitação. Iria matar-me para destruir aquela maldição à qual estava condenado. E, embora fosse esse o meu desejo, uma criança de apenas 4 anos na altura, não tive controlo do meu corpo.
Num instante, quando os olhos deles se cruzaram com os meus, outrora de um azul comparável ao céu, a pele deles perdeu a vida, tingindo-se gradualmente em neutro. E o neutro tornou-se cinza, penetrando nos seus corpos estáticos e vazios. Caíram, floco por floco, transformando-se na sua morte. Cada célula do seu corpo, até à última gota de sangue, desfez-se em cinzas.
Acordei num chão empoeirado, como se estivesse numa casa abandonada, mesmo que tivesse sido minha até àquele dia. Estava rodeado de cinzas. Foi então que a realidade me atingiu. Eu tinha morto os meus pais.
Abri todas as janelas, todas as portas, para fazer as provas desaparecerem e fugi. Não me recordo de onde era, quanto caminhei, para onde fui. Ter-se-ão passado dias, talvez semanas. Só me lembro do calor por trás de um par de olhos verdes, a quem mais tarde passei a chamar de Seishirou. Ele levou-me com ele, para a sua família, apresentou-me o seu filho da minha idade. Mais tarde, mostraram-me os seus poderes incríveis. Eles tinham o poder das plantas, da vida, da natureza. E eu era um monstro que matara sangue do seu sangue. Os Midori salvaram-me e deram-me forças para fazer algo da minha vida, para que não me afogasse em desespero, ainda que eles não o saibam. Se hoje sou médico, é porque me inspiraram a remediar a minha alma e mudar quem eu sou para controlar a maldição ocular que não entendo e não pedi.
Eles não sabem e não irão saber. Será um segredo que levarei comigo para o outro mundo. Hoje sou Hikaru Nakayama, ninja médico de elite, alguém. E não a morte porque essa… Essa os Midori mostram-me todos os dias como evitar com a luz dos seus sorrisos, com a calma das presenças deles, trazendo à tona esses dois aspectos em mim que julgava eternamente perdidos.
Estou-lhes agradecido e, ao mesmo tempo, lamento por não poder revelar-lhes o meu passado. Hoje eles são a minha família e tornei-me mais forte para não os magoar com estes olhos que transformam em nada. Não voltará a acontecer novamente no que eu puder impedir.
Aquela minha aprendiz, o meu orgulho enquanto professor, enfrenta agora o seu lado negro e, apesar da dor só em movimentar-se, não desiste. Posso ser um covarde, um assassino que se tenta esconder numa pele de médico, mas estarei aqui para ela. Para eles. Como eles estiveram (e estão) aqui para mim.

Spoiler:

Awww opá gostei muito! Sinceramente, acho que devias escrever mais vezes na primeira pessoa, porque acaba por sair estas jóias. Parabéns Shibi, esta OVA ficou EXCELENTE e uma musiquinha assim triste e melancólica caia que nem ginja. Congrats Shibi linda ♥

Wicked :O 

Claramente tenho de me pôr a par de toda a história, se só com este fiquei colado na personagem. Gosto bastante da ideia de explorares os restantes membros da tua equipa, creio que também me fará ver o Hikaru duma forma diferente quando ler os outros (:

Parabéns!

Eu claramente não estou a par da tua história toda, ma este filler sob o ponto de vista do Hikaru é bem interessante, mostrando o seu passado e o seu sentido de dever para com os Midori, num filler, que posso dizer com toda a certeza, muito bem escrito ^^
Eventualmente, meto-me a par da história toda. Entretanto, continua, Shibishibs!

Não sei o que dizer. Não percebo o sentido de teres feito isto considerada toda a história anterior, mas como tu disseste que era para passar tempo, para passar tempo foi .

Apesar de gostar da tua escrita em primeira pessoa, prefiro que te dediques mais à outra. Escreves bem na primeira pessoa, mas eu, como qualquer outro, também tenho os meus gostos e preferências.

Continua ^^