Conversas
~ Sangue sujo – Parte I ~
Quando amanheceu, ele acordou. Abriu os olhos e olhou em volta de si, procurando identificar onde estava. Aquilo tudo era estranho para ele.
Levantou após um bocejo discreto e foi banhar-se como sempre o fazia. Pensara na vida, nas mudanças que houvera ao seu redor nos últimos meses… Aquilo era muito novo. Pensara com ironia que se pudesse sentir medo, o sentiria.
Talvez fosse mais fácil.
Caminhou pelos corredores da mansão vazia como um fantasma. Ainda era escuro lá fora e os empregados não tinham levantado para trabalhar. Podia ser apenas uma coincidência, talvez estivesse sendo seguido, ou tornara-se paranoico, mas aquele homem surgira, esperando por ele.
- Bom dia. - Hikaru estava lá, esperando Azura no início da escadaria.
- Bom dia - respondeu o kirinin, sem qualquer emoção na voz, por pura cortesia. Não que quisesse responder, mas algo o compelia a fazê-lo.
O ruivo de Konoha enfrentou-lhe o olhar mais uns momentos, mantendo o seu semblante sério. Ainda não conseguia confiar naquele homem. Havia algo nele que o mantinha de pé atrás, só não conseguia discernir o quê. No entanto, Ayame confiava nele e ele confiava nela e em seu julgamento.
- Queria pedir-te algo. Eu não consigo fazê-lo sozinho tendo em conta a situação actual por aqui… - confessou ele, suspirando. Não gostava de confiar em alguém de forma fácil, especialmente quando o assunto era aquele. Quando era alguém como ela. - Olha pela Ayame, por favor. Por ela. O problema dela, ainda mais que o corpo, é a mente…
Ele hesitou. Não valia a pena explicar. Tinha a certeza que Azura entendia, mesmo sem entrar em detalhes. E não esperou para ouvir a resposta do kirinin, dirigindo-se para o quarto de Ayame e batendo à porta. Iria fazer a sua ronda matinal nos quartos para ver os seus pacientes.
- Ohayo. - Ayame já estava acordada, mesmo que fosse tão cedo. Ela esticava os braços enfaixados, tentando afastar a preguiça do despertar e bocejava com um suspiro profundo.
Azura entrou na sala com discrição e nem sequer respondeu ao bom dia da paciente. Achava desnecessário fazê-lo novamente.
- Como você se sente? - Ele falou enquanto Hikaru também entrava e fechava a porta atrás de si.
- Bem, bem. - Ela sorriu com naturalidade, fato que chamou a atenção do kirinin. Um sorriso falso adornava seu rosto, e como ele sabia? O rapaz não fazia ideia de como tinha tanta certeza.
- As memórias da batalha estão voltando aos poucos, apesar de alguns flashes irem e virem às vezes... - Ela olhou para a parede como quem viajasse em pensamentos, e, de repente, sem aviso prévio, ela despertou. - Kazuma! O Kazuma? - perguntou ela, parecendo quase alheada ao que lhe tinham dito. - Ele está bem?
Hikaru suspirou. Estava mesmo a prever o que ela faria a seguir. Olhou para Azura de forma a adverti-lo antes de responder.
- Está no quarto dele. Diria que ainda a dormir. Ele está bem, não te preocupes.
Ignorando qualquer conselho, tentou levantar-se. Doía-lhe o corpo todo. Tinha estado demasiado tempo deitada e, na verdade, tinha também levado uma boa coça. Era normal estar com dores. Kazuma estaria bem pior, por isso ela não se achava no direito de se queixar. Engoliu em seco e rodou o seu corpo, colocando-se sentada na berma da cama, não tendo noção que não estava em condições para se aguentar de pé. Quando ia para saltar para o chão, Azura parou-a, enfrentando-lhe o olhar duro e gelado, algo tão incomum nela.
- Avisaram-te que não te devias esforçar. Não devias...
- É escusado, Azura - interrompeu o médico. Já a conhecia bem para saber que ela não iria querer saber das recomendações e faria o que quisesse fazer. - Leva-a até ao Kazuma enquanto eu vou preparar alguns unguentos para tratar dele já a seguir.
Se era para cuidar dela, aquela orientação era absurda e contraditória, na visão do kirinin. Aquilo não seria bom para ela, tanto física, como mentalmente. Mas iria aceitar. Já que o médico o dizia, ele assumiria então as consequências.
Ayame colocou um pé no chão e, ao colocar o segundo, percebeu que não tinha força suficiente por estar na cama há muitas horas seguidas. Acabou por ter que se segurar em Azura para não cair, surpreendendo-o com os seus reflexos. Ela não queria pedir ajuda nem admitir que estava tão fraca assim, por isso, quando o ruivo ofereceu a mão dele sem quaisquer perguntas, sem quaisquer palavras, aceitou. Ele entendera o que ela estava a sentir? Quis acreditar que sim.
Deixou-se conduzir por ele para fora do quarto, guiando-o depois até aquele que era o quarto de Kazuma na mansão. Entraram até sem bater. No fundo, Ayame sabia que ele não iria estar acordado, o que, no entanto, não impediu que ela se desfizesse quando o viu deitado na cama em recuperação, cheio de ligaduras. Por culpa dela. Largou as mãos de Azura e deixou-se cair no chão, com as lágrimas a deslizarem-lhe pela face.
- Desculpa, desculpa… - murmurava ela, com a cabeça no leito da cama.
Assim se passaram minutos, enquanto ela desabafava com o espírito do irmão sob o olhar atento do ruivo, até mais nenhuma lágrima se conseguir soltar dos seus olhos. Não havia por que chorar pelo passado.
- Pelo menos, farei por ti a única coisa que posso fazer…
A konohanin verificou toda e qualquer ligadura, todos os curativos, antes de proceder para trocar o que estava já na hora de ser mudado. Infelizmente, não tinha materiais suficientes no quarto para terminar o que iniciara. Teria que ir à enfermaria da mansão.
Ao olhar para Azura, não precisou de pedir. Ele tinha entendido a sua intenção novamente. A kunoichi levantou-se com dificuldades, desta vez com suas próprias forças e caminhou até a saída. Sempre acompanhada pelo ruivo, sempre segurando-se nas paredes para não cair.
Caminharam pelos corredores longos da mansão com lentidão. Ayame encostava-se na parede a cada 2 metros e parava para respirar sempre que suas pernas ameaçavam desistir daquele esforço. Azura a acompanhava de perto, atento a possíveis quedas ou tropeções que pudessem acontecer. Ele a observava com intensidade, pensava no quão forte era aquela mulher... Lembrara que, há momentos atrás, ela mal conseguia andar, e foi só ver o irmão e suas forças pareceram renovar-se. Imaginava o quão longe ela poderia ir, e o quão errada era sua percepção de força até então.
Quando chegaram a enfermaria, a kunoichi partiu imediatamente para um enorme armário branco, embutido numa pequena salinha com apenas alguns metros quadrados, que continha todo o equipamento necessário.
- O que você procura? - O kirinin perguntou, com os braços cruzados e apoiado na lateral da porta aberta.
- Nada de mais. Apenas alguns analgésicos de uso tópico, ataduras porosas, pílulas analgésicas e talvez erva cidreira para fazer chá. - Ela estava concentrada nos frascos escondidos sobre as prateleiras do grande armário. "Tch!" e soltou quando ergueu demais o braço e sentiu dores na articulação enfaixada. - Isso é o mínimo que eu posso fazer... - Sussurrava constantemente, concentrada na função.
Enquanto isso Azura a observava sem soltar um som sequer, ele achava a devoção dela aos remédios dele algo desnecessário. Era verdade que o rapaz precisava de cuidados, mas seu estado não era tão urgente. Ela parecia estar tentando curar mais a si do que a ele.
E, no segundo seguinte, um frio desceu na espinha do ruivo como um relâmpago cortando os céus. Ele não estava familiarizado com os novos sentidos que o senninka lhe proporcionara, mas sabia que aquele pressentimento não era nada agradável. Correu até onde Ayame estava e a pegou pelo braço, ignorando suas dores e ferimentos. Aquilo não era mais importante que sua vida. Jogou-se dentro do armário aberto, agarrando-a ao seu corpo e o fechou logo depois, tomando cuidado para que não fizesse barulho.
- Azura-san! O que isso signf- Ayame teve a fala abafada pela mão do rapaz que fechou sua boca com calculada abruptidão.
- shhhhhhh... - ele sussurrou no seu ouvido, arrepiando-lhe o pescoço.
Parte II: http://www.narutoportugalrpg.com/t14005-filler-34-forca-da-natureza-sangue-sujo-parte-ii#151274
- Spoiler:
Sim, longo filler escrito por mim e pelo Loan. Acabamos por dividir em dois para não ser tão cansativo