Corrupção
~ A gota de água - Parte I ~
Estava confusa, no mínimo. Olhou para a janela, onde vultos difusos e coloridos faziam a sua aparição sob a luz da lua, e novamente para o ruivo. Apesar da inexpressividade de Azura, que dificultava um pouco a comunicação entre os dois, Ayame conseguia pressentir a cautela dele, ficando alerta. Confiava nele, sobretudo nos instintos dele, que se tinham revelado bastante afiados (e acertados) até então.
Quando os seus olhos se cruzaram, ele fez novamente sinal em direcção dos vidros para que ela entendesse a situação, empurrando-a para trás com o braço para garantir que não eram vistos. Não lhe deu tempo para barafustar do gesto que ela considerava desnecessário ao colocar uma mão sobre a boca dela. As vozes fizeram-se ouvir por cima do silêncio forçadamente instalado.
-...recusou-se a ouvir, por muito que o tentássemos dissuadir. Eram praticamente todos os conselheiros contra a opinião dele - dizia uma voz feminina, na qual se ouviam notas de indignação. Pelo seu timbre, gasto e acetinado, seria uma senhora com alguma idade.
Apesar de Azura ter tirado a mão, algo que poderia ser interpretado como consentimento, Ayame sabia que não deveria falar. Reconhecera aquela voz como sendo da própria avó, Setsuna Sakuragi.
- O Naruto é um kage muito obstinado quando o assunto é do interesse dele - observou um homem, de forma indiferente. Um comentário inofensivo. - E com certeza não deve ter muito juízo para ir contra os conselhos dos seus anciões, que têm uma experiência de vida que ele não tem. De certeza que a vossa opinião é muito válida e ele deveria ter ouvido. Eu teria ouvido; é justo fazê-lo.
- Bem...
Nenhum dos dois no exterior ouviu algo de concreto do que a senhora explicava, sendo uma justificação daquilo que, supostamente, o hokage não ouvira. Aquela voz masculina soara como um trovão na coluna de ambos. Era ele; o mordomo que tinham já ouvido em várias daquelas reuniões. Falava com uma conselheira de Konoha como se fosse um velho amigo de infância, esquecendo por completo o seu papel, e fora capaz de a enrolar nas suas palavras. Mas nenhum dos presentes na sala se apercebia do que se estava a passar?
- Azura… - murmurou a konohanin, aflita. Queria entrar ali, parar com aquilo, explicar a todos o que eles não percebiam, por muito precipitado que aquilo fosse.
O ruivo conseguia compreender a agitação dela, mas não podiam arriscar. Não sabiam sequer contra quem estavam a ir. Não sabiam nada do inimigo a não ser o seu envolvimento suspeito e o seu talento nato para a manipulação, que era tão subtil que nenhuma das vítimas percebera. O mordomo estaria a preparar aquilo há anos para conseguir aquele nível de confiança, algo que indicava uma incrível premeditação e, por consequência, fazia dele alguém a temer.
Olhou para Ayame e negou com um aceno simples da cabeça, pedindo-lhe calma ao gesticular com uma mão. Ainda não. Ainda não… Precisavam de mais tempo. E de mais informações sobre ele, mais provas contra ele… Respirou fundo para retomar a pequena tarefa de espionagem enquanto aquilo jogava a favor deles, pedindo à kunoichi para estar atenta. Duas cabeças eram sempre melhor do que uma.
- ...a Kurotsuchi, a tsuchikage, tem igualmente um coração bondoso demais, apesar da sua língua afiada. Tem-se recusado a tomar uma acção contra um certo ANBU e a atitude dela tem irritado os conselheiros mais antigos - dizia um outro homem, cuja voz não era identificável. Pela informação que ele dera, era um conselheiro de Iwa e, portanto, da família Renge, possivelmente o pai de Noboru.
- Não é para menos - ria-se outra pessoa. Novamente, não era possível de identificar. - Acredito que também ficasse irritado no vosso lugar.
- De facto. E o que fez esse ANBU para exigir uma acção contra ele? - disse o mordomo. Não tinham dúvidas que era ele. Já o reconheciam. Ficaram impressionados com a discrição da questão, colocada de tal forma para fazer com que os nobres falassem. Submetia-os ao que queria saber com uma sagacidade incomum.
O Renge pigarreou num trejeito que indicava desdém.
- Está a interferir nos interesses da vila ao recusar-se a aceitar certas missões. Ele é pago para executar, não para questionar o porquê de tudo.
Algumas risadas surgiram no seio da conversa animada dos anciões, levantando alguns comentários.
- Se ele desaparecesse... - disparou o mordomo.
Uma nova risada sobrepôs-se a tudo o resto, fazendo dissipar o burburinho de vozes com a sua altivez.
- Se quiseres, trato disso, Renge. Kiri está bem preparada para… Executar - e o homem riu-se da sua própria piada.
Este seria um conselheiro de Kiri, ou seja, um Umehara. Da família do desprezível Shirou, na opinião da konohanin. Ayame cuspiu, irritada. Pensar naquele homem fazia com que algo mexesse dentro dela, algo que ela não gostava e que preferia manter adormecido.
O ruivo olhou para ela por momentos, inquisitivo. Aquela atitude era algo que não imaginava que ela faria. Não a podia censurar se aquela era a família que acordara a besta que havia nela e para a qual ela lhe pedira ajuda.
- Não seria mais fácil se nenhum dos lados fosse possível de ser… Incriminado? - comentou o mordomo.
Novas gargalhadas, sons de aceitação. Os níveis de corrupção naquela sala estavam em alta. No exterior, os dois shinobis estavam já perturbados ao ouvir aquelas conversas.
- Bem apontado, devo admitir! O ANBU pode simplesmente “desaparecer” em missão num outro país que não os nossos. Um terceiro país, não é? - exclamou o Umehara, entusiasmado com a ideia. Teria olhado para alguém em concreto ao fazer uma pausa. O tom de voz dele tornou-se subitamente sóbrio. - E ninguém saberá o que aconteceu, como habitual. Ninguém.
Até os murmúrios pareceram desvanecer sob o som daquelas palavras, estabelecendo um silêncio de cortar à faca que todos os presentes entendiam o que significava. E fora a gota de água para a kunoichi, que deu meia volta para não passar em frente da janela e continuou noutra direcção.
Azura seguiu-a, em silêncio, até ficarem suficientemente longe do local e fosse impossível serem ouvidos por qualquer um dos participantes naquela reunião. Ela estava demasiado perturbada com o que ouvira para se manifestar. A linguagem corporal dela era o suficiente para que ele conseguisse saber o que passava na cabeça dela.
Ainda antes de entrarem no salão, Kazuma e Hikaru encontraram-nos. Tinham ficado preocupados com a ausência demorada dos dois. Os dois shinobis mais jovens engoliram em seco. Não conseguiam esconder aquilo que tinham assistido. Tinham que lhes contar. Talvez eles pudessem ter uma outra visão ou uma solução… Talvez eles soubessem o que fazer. Pediram para que se deslocassem para algum local mais privado e seguro e, quando sentiram que estavam suficientemente longe, contaram rapidamente o que se passara.
A konohanin encostara-se entretanto a uma parede para acalmar, algo que não passou despercebido ao kirinin, enquanto Kazuma e Hikaru olhavam para o chão, pensativos. Aquilo tinha sido uma notícia bombástica.
- Não podemos deixar passar isto… - murmurou ela. A voz dela tremia. Estava irritada, com medo. Era uma miríade de sentimentos que ela não conseguia ignorar, que estavam presos na sua garganta e clamavam por sair.
- Não podemos intervir assim; não é lógico - interpôs Azura. Não era muito de ele intervir sem que fosse solicitado, mas Ayame estava a ser precipitada e isso podia colocá-la em perigo. - Não temos quaisquer informações sobre ele a não ser o envolvimento na corrupção. E a sensação aterradora que-
Os olhos dela encontraram os seus, fazendo-o calar de imediato. Estavam frios, assustados, decididos. Ela não ia deixar aquilo passar.
- Spoiler:
Visto que o Loan está sem net, acabei por avançar sozinha com o filler. E bem, está enorme tendo em conta o planeamento que fizemos, por isso acabei por dividir