Origens
~ Lendas e um longo torneio - Parte I ~
Depois do almoço, o sol brilhava no alto, ténue e risonho, com o seu suave calor, reclamando o seu caminho por entre as parcas nuvens daquele céu azul. Era um dia bonito, na opinião de muitos. Era um dia que parecia saído de uma dimensão paralela, de uma história diferente, na opinião de Ayame Midori.
Seria errado dizer que parecia que os dias tinham mudado porque, na realidade, o que tinha mudado era a atitude das pessoas com quem convivia. Os empregados da mansão dos Sakuragi já conheciam a “princesinha”, o seu mau-feitio que surgia unicamente quando a tratavam como tal, e sorriam-lhe. Os avós dos irmãos Midori tinham pedido desculpas por tudo o que acontecera até então e abriram os seus corações aos netos que, noutros tempos, teriam simplesmente usado e renegado. Afinal, eles tinham trazido a luz para as suas vidas e impuseram a integridade onde outrora reinara a corrupção.
Por isso, aquela preguiçosa tarde na sala de estar da mansão com os avós maternos era uma novidade confortável e com um ligeiro toque de embaraço que, certamente, iria desaparecer com o tempo e com o convívio.
Ayame estava deitada no alpendre, ligeiramente inclinada no degrau de madeira para observar as nuvens. Quando uma borboleta azul se atravessou na sua linha de visão, sentou-se de repente e olhou em volta para ver se mais alguém tinha reparado. Os avós dormitavam nos sofás, Hikaru e Kazuma estavam entretidos a ler. Então eles não tinham visto. Mas ela sabia quem tinha acabado de chegar. Levantou-se e correu para o jardim, qual criança, abraçando-se à senhora que saía de uma carruagem na propriedade dos Sakuragi.
A senhora, baixa e com alguns toques grisalhos por entre a sua curta cabeleireira cor de chocolate, de vestes bonitas e humildes, afagou-lhe as costas, sorrindo.
- Já tinha saudades tuas, minha querida.
- E eu tuas, avó – murmurou a kunoichi mais nova, numa voz abafada pelo forte abraço.
Não tardou para que Kazuma e Hikaru se aproximassem, surpreendidos com a súbita movimentação da Midori mais nova. Acalmaram quando viram Chou Midori abraçada à pequena, sorrindo. Rapidamente trocaram cumprimentos calorosos, tão típicos da matriarca do clã de Konoha, que tivera um papel fundamental na educação de cada um deles.
- Folgo em vê-la connosco, Chou. Já não a via há um tempo! – comentou o ruivo.
Os olhos da senhora amaciaram-se quando encontraram os dele e respondeu-lhe num tom jocoso:
- Talvez se não passasses o teu tempo livre enfiado no hospital tivesses um pouco mais de tempo para me visitares no laboratório das estufas, não é?
O grupo partilhou de uma gargalhada conjunta enquanto se encaminhavam para o interior da mansão. Chou estaria certamente cansada da viagem e tentariam proporcionar-lhe uma estadia mais tranquila, oferecendo-lhe uma refeição numa área calma antes de partirem para os assuntos sérios que tinham levado a senhora a percorrer o País do Fogo só para ajudar.
Mesmo naquele momento relaxado entre aqueles que amava, Chou confessava a si mesma o desconforto que sentia por estar dentro de uma das mansões daqueles que tanto sofrimento tinham causado à sua família, em especial à sua nora, que acolhera de braços abertos ao ver o amor que a unia ao seu filho. Por muito que tentasse esconder, era humana e o casal conselheiro de Konoha conseguira acender uma pequena fagulha de ressentimento em si mesma. Teria que, eventualmente, perdoá-los se se viesse a provar a sua redenção. Teria que o fazer pelo bem de todos. Por isso mesmo é que se esforçou para reagir o mais calmamente possível ao ver o casal sentado na biblioteca, a divisão que tinham escolhido para conversarem.
Kazuma, enquanto mais velho, sentia-se na responsabilidade de apresentar a sua convidada aos avós maternos, ainda que soubesse que eles provavelmente se conheciam. Não era possível que, dentro de uma vila como Konoha, não se tivessem cruzado em algum momento. Mas todos se mostraram cordiais e passivos em relação a quaisquer hostilidades que tivessem, o que fora um alívio.
Em seguida, passou a explicar o porquê da vinda da avó paterna a Cha no Kuni, contextualizando com as questões de Kami acerca de um possível passado desconhecido. Poderia, no entanto, ser uma simples provocação e revelar-se mentira. Estavam preparados para a eventualidade.
Chou tossiu e tomou a iniciativa de falar após o neto:
- Bem… Não há nada que possa contar que não seja do conhecimento geral dos konohanins. O clã Midori é relativamente recente em relação a muitos dos clãs que lá se encontram e o nosso número também não é muito marcante. Desde sempre aceitamos aqueles que se querem juntar a nós e, por isso, poucos têm a linhagem que caracteriza o clã. Recordo-me de estarmos em Konoha desde sempre, apesar de termos viajado bastante enquanto era jovem. Não sei se isto ajuda.
Ponderaram a informação por alguns minutos. Não aparentava, de facto, qualquer importância. O lado paterno da família não possuía segredos e não escondiam as suas origens humildes e acolhedoras.
- Resta então o que possamos saber… - murmurou Kazuhiro, afagando a sua barba branca. O que é que não tinha contado aos netos? Nada de muito relevante. Os Sakuragi sempre tinham feito parte de uma aliança a que chamavam de Kugeka. Era uma aliança de famílias influentes de vários países. Já existia no tempo do seu avô e, com certeza, já existiria antes disso. Fora o interesse, o que os unia actualmente era um torneio que, com o tempo, perdera todo e qualquer sentido. O que justificava tudo isso eram simples lendas. Lendas pouco teriam de verdade, apesar de passadas de geração em geração.
- Lendas? – questionou Ayame, confusa. Como é que podiam manter aquela organização corrupta com base em lendas? Seria como as pessoas fazerem a sua vida com base num livro de contos. Era ridículo. Suspirou, desiludida. Mas será que poderiam conter alguma informação verídica ou, no mínimo, ter alguma lição a ensinar? Assim esperava.
- Sim, Ayame – confirmou Setsuna, pousando a sua chávena de chá na mesa à sua frente. - Acreditem ou não no seu conteúdo, é uma das várias histórias que contam aos mais novos para adormecer. É muito curta. Eu mesma questionei esta lenda e acabei por a desvalorizar com os anos. Duvido que seja útil, mas não me importo de a partilhar convosco.
Os presentes anuíram, embora reinasse um clima de resignação. As palavras de Kami não aparentavam qualquer fundamento. Era o que valia a palavra de um trafulha.
Setsuna clareou a voz e iniciou:
“Da Natureza, surgiu o Homem. A Natureza gostava tanto do Homem que, assim que este se reproduziu, agraciou os seus filhos com o nome das suas mais belas criações: as flores. Os filhos da Natureza, assim eram chamados, receberam dons como a eloquência e a facilidade em aprender. No entanto, não foi concedida a bondade de coração a todos e os irmãos começaram a ganhar rancor dos ganhos dos outros, iniciando uma guerra. Algumas famílias, descendentes dos filhos da Natureza, entraram no esquecimento. Outras simplesmente desapareceram da face da terra.”
E era simplesmente aquilo? De facto, nada valia… Se as famílias da Kugeka se consideravam filhos da Natureza enquanto ser divino tinham de facto um ego extraordinário em relação ao comum dos mortais, algo que seria de esperar da maioria dos líderes de cada uma delas.
Os Sakuragi e Chou lamentaram não terem de facto respostas para as questões que tinham surgido. Preparavam-se para se levantarem da mesa quando uma voz interveio.
- E o Torneio? – perguntou Hikaru. - Qual é a justificação dele? Ao menos tem algo mais palpável do que um conto de fantasia?
- Spoiler:
Bem, ia ser só um filler, mas acabou por ficar tão grande que achei melhor dividir em dois para não ser tão pesadão... Está longe de ser dos meus melhores fillers, até porque está cheio de conversa, mas tem finalmente conteúdo importante
Já posto a próxima parte.