O quintal da casa de Ryuji era proporcional a mesma, imenso. O treino iria ocorrer nos fundos, onde tinha um muro branco, alguns troncos e um gramado úmido. Felizmente éramos eu e o fumante ranzinza, apenas, não fazia tanto frio e o sol já iluminava o local.
- Você tem mais habilidade no taijutsu, por isso numa batalha seria o “tanque”. Algo sobre isso que é pouco treinado é a necessidade que você tem de ser uma barreira física, por isso vamos treinar sua habilidade. Tenho diversas bexigas de tinta aqui e irei atirá-las em tua direção. Qualquer mancha no muro ou no resto do seu corpo, não as tonfas, as mãos, os antebraços e os pés, você pagará com exercícios que variam conforme a cor. Manchas azuis: vinte flexões; manchas amarelas: vinte abdominais; manchas verdes: vinte voltas na mansão correndo e por fim, as manchas pretas: vinte socos e chutes no tronco. Pronta? Vamos começar. – Me explicou as regras já segurando duas bexigas. Não entendi qual a moral do treino e me frustrei por ter achado que iria aprender algum jutsu novo, mas não pude pensar muito, pois logo ele me atirou as duas bexigas. Por mais que a idéia era que eu defendesse, ele não às jogava longe de mim. Puxei os dois bastões que estavam amarrados em minhas costas e os girei, bloqueando as duas bolas. A batida espirrou pontos de tinta no meu rosto, me obrigando a fechar os olhos e pude sentir mais dois ataques acertando o muro do lado do meu rosto.
- Tais olhando pra onde Utena? – Atirou outra bexiga, dessa vez baixa o suficiente pra eu bloquear com um chute. Não pude ver as cores que acertaram o muro, mas se eu me preocupasse com isso, iria ter que pagar cada vez mais. Logo em seguida vieram duas bexigas em minha direção, flexionei a perna direita tomando impulso pra saltar chutando uma das bexigas e acertando a outra com um bastão. Senti o suor espalhar os pingos de tinta do meu rosto, sequei com o braço e recebi uma bolha de tinta na cara, ao menos a maior parte acertou meu braço, mas foi por pouco. Não tinha tempo pra desviar o olhar, não podia prestar atenção nem em minha respiração, o foco tinha que ser intenso. Corri para a direita e para a esquerda, por várias vezes, defendendo o muro branco e as outras partes do meu corpo, até que isso não se tornou mais tão complicado. Cansava-me mais nas que tinha que abaixar pra chutar ou pular, mas não era tão difícil quanto no começo do treino e com isso consegui continuar por um tempo.
Tiramos uma pausa de alguns minutos, até o sensei pegar mais bexigas e me presentear com algo novo. – Agora fica mais difícil, visto que terás que bloquear os ataques sem vê-los. – Me colocou a venda nos olhos e seguiu para seu posto. – Ótimo isso não pode ficar melhor. – Antes de estar cega, contei as manchas do muro rapidamente e tive noção de que seria um longo tempo de exercícios, mas isso era bom e animador. Agora tenho que me esforçar pra isso não dobrar. – Começarei devagar. – Gritou Ryuji, me atirando, até o que consegui ouvir, uma só bexiga, que acertou meu tórax e espalhou tinta nos meus braços. – Merda.
Diferente da outra vez, o sensei só atirou uma bola de tinta por vez dando tempo pra me concentrar, mesmo assim nas primeiras três vezes não pude prever o alvo. Pensei em girar as duas tonfas, aleatoriamente, pra impedir algo, mas percebi que não ia mudar muita coisa, visto que ele poderia atirar no muro e não em mim. “Foco Utena, preste atenção no som.” Felizmente a borracha faz um som peculiar quando corta o vento, e nisso que me apeguei. Primeiramente porque nas outras vezes Ryuji jogou a bexiga da mão direita no meu lado esquerdo e vice-versa, o que tornou mais fácil saber qual o braço manter em alerta e bloquear com a tonfa, tentando calcular o tempo que levaria e conseguindo bloquear a bexiga. Isso! Era isso que eu tinha que repetir. Continuei me atendo a esses aspectos e pude perceber como meus outros sentidos se aguçaram na falta de um, como as pessoas dizem, isso é real. Movia-me para a esquerda e direita defendendo com os bastões e dando chutes, que por várias vezes acertavam o vento, mas o número de bexigas bloqueadas já era maior. Algumas vezes os ataques tinham um intervalo maior, mas eu ouvia o isqueiro do sensei, o que indicava mais um cigarro.
Permanecemos com esses movimentos por alguns minutos, mas Ryuji parou muito antes de chegar à metade do tempo do treino anterior, quando eu ainda enxergava. – Você não achou que o treino de hoje seria só isso, não é Utena? Vamos, tire a venda. – Ouvi alguns barulhos de metais enquanto tirava a venda e me acostumava com a luz. O sensei girava duas kunais, uma em cada dedo indicador, tinha outras duas presas nas palmas das mãos e o cigarro no canto da boca, que forma o mesmo sorriso cínico de sempre. – As regras não mudam muito, cada kunai no muro ou no resto do seu corpo se não os indicados outrora, os exercícios aumentam. – Filho da p... – Antes que pudesse terminar a fala fui atingida por uma kunai que cravou numa das tonfas e logo atrás vinha outra que foi batida pelo giro da minha arma e caiu no chão. Eu não sabia se estava mais cansada ou mais aterrorizada pela forma como o sensei me atacou, ele não iria acertar o muro, o alvo era minha cabeça. Diferente das bexigas, ele arremessou as kunais com mais rapidez, lançando quatro em seguida e me fazendo recuar, até acertar o muro. Nesses movimentos, duas eram bloqueadas pelos bastões e o restante acertava o muro, até que uma raspou meu rosto e me deixou em choque momentâneo. Eu não podia deixar esse louco tirar mais sangue e então me posicionei melhor, mostrando que não iria desistir. Meus músculos ardiam, em principal o das pernas, não estava acostumada a correr, saltar e chutar muito, mas ainda podia continuar. E continuei, por alguns minutos, até o sensei parar.
Contei rapidamente as manchas de tinta e eram basicamente cento e vinte de cada exercício, mas tive uns minutos pra descansar antes de começar. Optei por começar pelas flexões, me joguei na grama úmida e comecei, forçando os braços, controlando a respiração e suando como um porco. Como diz a minha mãe, transpiro igual um garoto, mas acho isso irrelevante. Flexões fazem parte do meu treino diário e devido a isso não demorei muito a terminá-las. Meus braços queimavam e minhas mãos coçavam por causa da grama, mas continuei ali, deitando de costas e começando os abdominais, que também são rotina pra mim, estava mesmo preocupada com as voltas na casa porque coisas em círculo me deixam enjoada. A respiração agora pedia um esforço maior devido ao cansaço, mas não tirei um intervalo entre os abdominais, me forçando o suficiente a terminar todos de uma vez. Não pensei muito em nada, mas a minha falta de atitude no teste da equipe era o suficiente pra me exigir o máximo.
Parti, enfim, para as voltas na mansão, só que só dei vinte voltas e numa velocidade normal. Entrei em acordo com o sensei que me liberou das outras cem voltas, desde que eu colocasse esse número no último teste, e assim o fiz. Socar as coisas era algo que me agradava e isso me dava medo, mas não excluía esse comportamento. Acertei o tronco inúmeras vezes com os dois punhos, fazendo movimentos repetidos e contando até cinqüenta, pra alternar com os chutes. O Sol ainda estava no auge e mesmo que meu corpo estivesse transpirando, eu sentia frio e tremia. Acho que nunca na minha vida me cansei tanto como no treino de hoje, mas ainda tenho força pra continuar e o farei, mesmo que passe a contagem ordenada.