A escuridão e o silêncio continuavam a sua subtil relação, empoeirando os caminhos de uma negra solidão. As poucas luzes, instaladas nas frias paredes de pedra, iluminavam tenuemente, praticamente não interferindo no campo de visão.
Os seus olhos, embora habituados à escuridão, recusavam-se a focar nitidamente o corredor que dava ao seu quarto.
Tacteou pelas paredes, procurando a porta de madeira do seu quarto. Apenas se queria fechar lá dentro e nunca mais sair.
Assim que as suas mãos tocaram a superfície envernizada, abriu a porta e entrou. Estava tudo silencioso, tal como o resto da mansão.
Dois olhos roxos desenharam-se na escuridão.
- Não estás feliz? – perguntou uma voz feminina.
Ele não respondeu.
- Hum… Realmente, caíste de amores por aquela rapariga imunda da luz… O que é que ela tem que eu não tenho?
- És minha irmã, Lia! – exclamou ele.
- E depois? Não podes responder a uma simples pergunta? Já não bastava confraternizares com o inimigo?
Ele deixou-se deslizar pela porta, sentando-se no chão de tijoleira.
- Não sei, Lia, não sei…
Ela desceu do guarda-fatos com um movimento elegante e aproximou-se dele.
- Hoje apenas fizeste o que era suposto. Nós somos melhores e vamos vencê-los, por nós, pelo pai.
- Eu magoei-a a sério e fugi, Lia. Não consegues compreender?
- Não há nada para compreender, maninho. Devias estar grato a esse teu outro tu que é louco por sangue…
- Cala-te! – bramiu ele, sentindo a raiva a invadi-lo.
- Oh, que foi? Não consegues ouvir a verdade, Leo? És um cobarde… És o desgosto da família e o meu desgosto de irmão gémeo… Estava melhor sem ti a interferir no meu caminho. És um empecilho!
- CALA-TE! – vociferou ele. – E sai já do meu quarto!
Lia colocou as mãos no rosto dele e obrigou-o a olhá-la nos olhos:
- És um imbecil cobarde e traidor! Admite-o!
Dizendo isto, desapareceu nas sombras.
Leo deixou-se ficar sentado, inundado pela escuridão do quarto. Sentia-se sufocado pelas palavras da irmã, pelas suas acções inconscientes. Tinha que decidir se continuaria a seguir o seu pai e a sua irmã pelas veredas negras ou se simplesmente desistiria, entregando a sua vida como sacrifício. A ideia de ver os humanos subjugados ao seu poder era aliciante, mas será que o amor falaria mais alto?
***
Um raio de sol atravessou as cortinas do quarto do hospital, repousando sobre o sereno rosto de Kristea. A sua luz fez a ninja demonstrar um esgar, acordando-a. Abriu os olhos lentamente, habituando-se à luminosidade do quarto a pouco e pouco.
Kristian olhava pela janela, com um ar pensativo e lunático, como se apenas ali se encontrasse corporeamente.
- Kristian? - chamou ela.
O rapaz moveu o seu olhar para ela, descobrindo os seus olhos verdes pousados em si.
- A Bela Adormecida finalmente acordou – disse ele, com um tom divertido na sua voz.
- Oh, deixa-te de brincadeiras infantis… - pediu Kristea, sorrindo.
Ela reparou nas roupas do irmão, sujas de sangue. Com que então ele não tinha ido a casa, nem sequer para mudar de roupa.
- Vai a casa tomar um banho e mudar de roupa. Não era preciso teres ficado aqui. Está tudo bem – repreendeu-o.
- Tens a certeza? – perguntou ele.
- Sim, tenho. E, que eu saiba, não estou sozinha neste hospital enorme. Para além de que esse contínuo cheiro a sangue me mete algo tonta…
Uma figura feminina entrou educadamente no quarto, folheando um dossier:
- Ela tem razão, devias ir a casa. Eu fico aqui com ela – disse a mulher de cabelo rosa.
- Pronto, pronto, eu vou. Mas volto logo! – acedeu Kristian, com um sorriso. – Com licença – acrescentou, saindo pela janela.
A jovem mulher de cabelos rosa deu mais uma vista de olhos ao dossier e depois olhou para Kristea, que continuava abstraída a mirar a janela.
- Posso sentar-me aqui numa pontinha?
- Ah, claro – anuiu Kristea, voltando finalmente a cabeça na sua direcção. Não demorou muito a perceber quem estava ao seu lado. – Sakura-sama…
- Oh, sama não, por favor.
- Sempre a admirei… Uma mulher a vingar num mundo de homens… Coisa que não consigo fazer…
- Hum… Porque dizes isso?
- Bem, estou farta de ser protegida, de ser fraca… Eu quero mudar… - confessou Kristea. Explicou o porquê de querer aquela mudança, incluindo o que sentia. Sakura ouviu atentamente, identificando-se de certo modo com a jovem genin. Tinham experiências semelhantes e isso havia estabelecido uma ligação. Formava-se ali uma relação de amizade entre aquelas duas mulheres de personalidades tão idênticas.
- E então dizes que vieste para Konoha para poderes ajudar os outros, não é? – perguntou Sakura.
- Sim. É algo que realmente quero fazer. Quero ser forte e mostrar que também sou alguém – respondeu Kristea.
- Então acho que te posso ajudar. Espera um pouco, volto já.
Sakura saiu do quarto por uns momentos, voltando com uma cadeira de rodas.
- Não te devias mexer por enquanto, mas pronto. Há algo que te quero mostrar – disse ela. Pegou em Kristea ao colo e colocou-a na cadeira de rodas para que ela não fizesse tanto esforço.
Levou-a a passear pelos corredores do hospital, mostrando-lhe o sofrimento de muita gente.
Kristea observava tudo ao pormenor, com a angústia de não poder fazer nada por eles a apertar-lhe o coração. Sentia-se impotente. Queria tanto levantar-se daquela cadeira e confortá-los, fazer-lhes companhia. Sabia que não conseguiria fazer mais nada para além de lhes dar apoio. As lágrimas, por vezes, ameaçaram assaltar-lhe os olhos. Apenas se conseguiu acalmar quando voltaram para o seu quarto.
- E então? Ainda com vontade de ajudar os outros? – questionou Sakura, enquanto a devolvia à cama.
- Mais do que nunca! – retorquiu Kristea.
- Já alguma vez pensaste em tornar-te uma ninja médica, como eu e a Tsunade-sama?
Kristea fitou-a, surpreendida. Aquela hipótese jamais passara pela sua cabeça. Mas agora tudo fazia sentido na sua mente.
- Sakura, podia tornar-se minha mestra? – indagou.
- Eu? Com muito gosto! – replicou Sakura, sorrindo. – Fico feliz por saber que a nova geração se preocupa tanto com os outros. E, principalmente, porque mais alguém se apercebeu da sua existência neste mundo.
No seu interior, Kristea sentia-se felicíssima. Encontrara um sentido para a sua vida e, no mesmo dia, achara aquela que seria a sua mestra e guia no seu futuro como ninja médica.
Kristian entrou pela janela. O seu cabelo ainda molhado e as suas roupas limpas denunciavam que havia passado pouco tempo desde que saíra de casa.
- Maninho! A Sakura-sensei mostrou-me o que eu realmente quero ser! –exclamou Kristea, assim que ele se sentou junto da cama.
- O quê? – inquiriu ele, curioso.
- Vou ser uma ninja médica!
Sakura e Kristian sorriram perante a euforia de Kristea.
O futuro, apesar de perigoso, parecia promissor. Afinal, nem tudo tinha que ser um mar de sofrimento, no qual as almas se afundavam. Ainda existiam luzes, umas mais brilhantes que outras, às quais chamamos de oportunidades. E era uma delas que Kristea havia apanhado.