Nervos antes da verdade

Cruzando mais umas pedras enormes, que eram demasiado abundantes naquela região, Furu soltou um suspiro de alívio seguido por um sorriso. Três longos dias de viagem haviam finalmente terminado. Ele e as duas adolescentes que guiava estavam exaustos e os mantimentos mal calculados para tanta distância a ser percorrida acabaram há umas horas atrás. O trovador estava ligeiramente antipático pela fome que teimava em voltar e por não se estar a encaminhar para Iwagakure como planeado pela sua líder, pelo que evitava falar ao máximo com as adolescentes, principalmente com a causadora daquilo tudo. Yuumei era a única que forçava uma certa socialização no grupo, ignorando os esforços de Furu ou de Sokei em caminharem silenciosamente. Soltava ocasionais piadas, que nem sempre eram tão engraçadas como tinha pensado, e tentava manter um ambiente animado. Não se deixava desanimar quando não o conseguia, distraindo-se simplesmente com qualquer outra coisa. Por sua vez, Sokei estava ansiosa por se dirigir a Nai Yama, só que não o demonstrava. Mantinha-se ocupada a ler o livro de sempre, sorrindo (de uma forma estranha aos olhos de Yuumei) de vez em quando com o seu conteúdo. A ruiva descobriu que Sokei não era tão antissocial quanto dava a entender, já que respondia sempre que falavam com ela e até era conversadora e curiosa em determinados assuntos; apenas focava-se demasiado no livro o que criava uma imagem à sua volta de alguém que não queria ser perturbado. Assim, não houve uma aproximação entre o grupo: pouco sabiam uns sobre os outros e não pareciam muito dispostos a conversarem sobre si, excetuando Yuumei que ia perguntando para matar o silêncio constrangedor. A chegada a Moya era uma oportunidade para que a Rinsa pudesse ficar a conhecer um pouco melhor os seus novos companheiros de jornada.
- Ali está Moyagakure no Sato! – Anunciou o Jounin, o seu tom de voz não parecendo tão satisfeito quanto a face que mostrava – A primeira coisa a fazer será comer e descansar um pouco. Amanhã procuramos um guia que nos leve a Nai Yama, entendido?
A ordem soou rabugenta, fazendo Furu atrapalhar-se e lançar um sorriso forçado às adolescentes na tentativa de emendar. Yuumei apenas sorriu de volta e acenou afirmativamente com a cabeça, imune a antipatia de qualquer pessoa à sua volta, mas a reação de Sokei foi diferente. Num dos poucos momentos da viagem em que desviou o olhar do livro, a loira ficou a fitar o Jounin de Iwa com algum interesse, colocando-o ainda mais nervoso do que estava. Esse momento de tensão não passou despercebido a Yuumei, que se manteve calada a observar os dois sem perceber o que se estava a passar. Foi a Fukeru quem o quebrou, voltando a dar a sua atenção ao livro ainda aberto nas suas mãos.
- Entendido. – Foi a única coisa que disse, dando a entender que não se expressaria mais.
O Jounin permaneceu com olhar durante uns momentos, e Yuumei notou um certo desprezo virado à protegida, antes de dar as costas e iniciar a sua caminhada até à vila. Sokei seguiu-o imediatamente, deixando a ruiva para trás, ainda confusa. Queria esquecer o assunto, mas aquilo batia interminavelmente na sua cabeça e preocupava-a. Estaria a passar-se algo que apenas ela não sabia?
A entrada em Moya foi mais demorada do que o esperado. Furu apenas teve de se apresentar, e a Sokei, como um Jounin de Iwa encarregue de proteger uma Genin de Kusa incumbidos de viajarem até Iwagakure. Só que decidiram fazer um desvio e encontravam-se onde estavam agora. A Fukeru apenas confirmou o que havia sido dito, ficando novamente a fitar Furu por uns momentos, uma atitude que começava a irritá-lo além de o colocar nervoso. Quando chegou a vez de Yuumei se apresentar, uma aura de espanto percorreu o grupo de viajantes.
- Yuumei Rinsa, Chuunin de Konohagakure no Sato! – Apresentou-se com um belo sorriso, colocando todos os presentes a averiguarem-se da razão de alguém do Tsuchi no Kuni estar ali. Sokei foi a única que ficou surpresa pela ruiva já ser classificada como Chuunin – Estou aqui apenas para ver um pouco da Nai Yama com eles… – O seu olhar incidiu-se em Sokei e Furu. Este último soltou um esgar de irritação quando o nome da montanha foi pronunciado - … nada mais, nada menos!
Os responsáveis por guardarem os portões de Moya, claramente Jounin, entreolharam-se quando ouviram a referência à Montanha Morta. Uma certa hesitação não passou despercebida à sempre observadora Sokei, que se manteve silenciosa ante às suas reações suspeitas.
- Vocês vão para Nai Yama? – Perguntou um dos guardas, de pele morena com olhos e cabelos despenteados castanhos. O seu tom não escondia o nervosismo que sentia – Não sei se vos será permitido… Terão de falar com o líder da vila… - Olhou para o seu companheiro à procura de apoio e esse limitou-se a concordar com um aceno de cabeça.
Sokei olhou de soslaio para o seu guardião à procura de alguma reação, vendo-o apenas cada vez mais nervoso e irritado. Acabou por bufar e convencer-se que teria de ser ela mesma a resolver o assunto.
- Não se preocupem, apenas queremos ver a montanha de longe. Estamos conscientes dos seus perigos e não tencionamos trespassar o seu território. – Falou, para surpresa de todos que não esperavam esta sua veia tão eloquente. A loira ficou satisfeita ao ver as expressões de alívios nos guardas. Yuumei preparou-se para falar, certamente para dizer que não queriam ver apenas a montanha, mas a Fukeru foi rápida em colocar-lhe a mão à frente da boca – Não queremos ser um incómodo. – E sorriu da forma mais doce que conseguia.
Os guardas apenas entreolharam-se mais uma vez, agora muito mais calmos, virando semblantes sorridentes aos viajantes.
- Se assim o é, então não deve haver qualquer tipo de problema. Tenham uma boa estadia em Moya!
O grupo murmurou um agradecimento e apressou-se a entrar de vez na vila. O plano traçado por Furu era arranjar comida e um local para pernoitarem, mas este não parecia minimamente focado nisso. Perambulava pelas ruas, completamente desnorteado, perguntando-se constantemente sobre o que devia fazer e se estava a agir bem. Como essas suas atitudes ficavam cada vez mais interessantes, Sokei guardou por fim o livro na sua mochila e entretinha-se a observar o comportamento confuso do seu guardião. Isto quando Yuumei não decidia a entrar em todas as lojas que conseguia, arrastando consigo a companheira loira, e a esbanjar o dinheiro em todo o tipo de comida e lembranças. O trovador nunca as acompanhou, optando sempre por ficar do lado de fora submerso nas suas preocupações que não queria partilhar com ninguém.
Saindo de uma loja de lembranças, na qual Yuumei comprou um par de brincos com formatos de pedra bastante invulgares e engraçados, as adolescentes deram com Furu encostado a um poste com os braços cruzados em frente à barriga. Estava de olhos fechados e os seus lábios mexiam-se freneticamente, murmurando palavras sem som. Deixando a ruiva de Konoha a babar-se para a sua recente compra, Sokei decidiu enfrentá-lo.
- Compramos a comida e estou certa que não será difícil encontrar um sítio para dormirmos, desde que haja dinheiro. Só falta encontrarmos um guia que nos leve para Nai Yama. E pelo que vi há umas horas atrás no portão, não podemos contar a muitas pessoas das nossas intenções… - Explicou, ignorando os guinchos alegres atrás de si causados por uma bugiganga que se colocava nos ouvidos – É por isso que estás preocupado?
O Jounin não reagiu de imediato, parecendo igualmente imune à animação de Yuumei que andava aos saltos no meio da rua e obrigava os transeuntes a desviarem-se dela e questionarem-se sobre o que ia na cabeça daquela desvairada. Só após uns segundos de deliberação silenciosa é que esboçou sinais de vida.
- Yuumei não devia ter referido a Nai Yama. Podes ter enganado os guardas no portão, mas tenho a certeza que eles terão avisado os seus superiores e que neste exato momento estamos a ser vigiados! – Falava baixinho, como se tivesse medo das suas próprias palavras, olhando frequentemente à sua volta na tentativa de apanhar alguém a espiá-los – Não vamos conseguir arranjar um guia para a montanha sem darmos demasiado nas vistas. Parece que teremos de ir pelo caminho que conheço sozinhos… - A última frase foi proferida num tom ainda mais baixo que não passou despercebida à Fukeru.
- Se desde o início conhecias um caminho para a montanha, qual a necessidade de um guia?
Mais uma vez, o trovador perdeu-se nos seus próprios pensamentos. Estava a agir de forma demasiado suspeita e preocupada aos olhos de Sokei, e isso apenas a mantinha mais interessada nestes assuntos tão sensíveis relacionados a Nai Yama.
- Sokei, queres mesmo continuar com esta loucura de explorar Nai Yama? – Perguntou o Jounin, fitando-a intensamente e com alguma agressividade.
A Fukeru não fraquejou um único momento na sua determinação, acenando afirmativamente com a cabeça.
- Pois bem, por aquele caminho terá de ser… - Bufou impacientemente – É uma decisão arriscada ir por ali e não podemos deixar que ninguém aqui em Moya saiba que estamos a visitar Nai Yama. Não quero problemas com o líder da vila.
Sokei não disse nem fez nada, limitando-se a fita-lo novamente com interesse. Distraiu-se quando sentiu Yuumei a aproximar-se deles querendo juntar-se à conversa, quando se cansou de contemplar os brincos que agora pendiam nas suas orelhas.
- Eu conheço uma boa estalagem para passarmos a noite. Amanhã de manhã, bem cedo, partimos para a montanha. – Declarou, não esperando pela resposta das adolescentes ao lhes virar as costas e encaminhar-se para o edifício de que falara.
Yuumei seguiu-o sem perguntar, assobiando uma melodia animada que apenas era parada quando ela sorria e cumprimentava cada pessoa que passava pela rua. Sokei ficou uns segundos atrás, observando atentamente as costas de Furu enquanto se afastava.
- Curioso…

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A noite chegou rapidamente. O grupo instalara-se por uma noite numa estalagem afastada do centro da vila e próxima às muralhas que separavam Moya dos terrenos que conduziam a Nai Yama. Os quartos eram rústicos, oferecendo apenas o estritamente necessário: uma cama e um armário para que os viajantes pudessem guardar com alguma segurança os seus pertences. Faltavam poucos minutos para o jantar oferecido pela taberna da estalagem, pelo que Sokei decidiu entreter-se a ler mais um pouco do seu livro, sentando-se à frente de uma de muitas das mesas enquanto esperava pela comida. Estava um ambiente ruidoso e bastante animado, com muitos dos residentes de Moya a beberem sequências de canecas de cerveja antes da comida. O calor humano e o da única lareira que ardia intensamente eram quase insuportáveis, levando aos que estavam mais bêbados a tirarem as suas camisolas e dançarem com elas. Aparte de todo o barulho e calor, Sokei ainda assim conseguia concentrar-se no seu livro sem se distrair um único segundo.
Contudo, sentiu alguém a aproximar-se e isso foi suficiente para fazê-la tirar os olhos do que lia. Viu Yuumei sentada ao seu lado, observando a Genin com bastante interesse e um doce sorriso. Os brincos que comprou de tarde dançavam nas suas orelhas consoante mexia a cabeça.
- O Furu? – Perguntou, esticando-se para trás para se rir de um dos bêbados que se estatelara no meio do chão. Quando o ajudaram a levantar-se e as pessoas pararam de se rir é que a Chuunin devolveu a atenção à sua companheira, que até então não respondera à pergunta – Não está no quarto e ninguém sabe dele…
A loira não respondeu, embora tivesse ouvido, continuando a ler.
Yuumei ficou uns momentos calada, observando Sokei enquanto lia com uma certa ansiedade.
- O que estás a ler? Sempre te quis perguntar isso… - Tentou conversar novamente, evitando rir-se das brincadeiras bêbadas que ocorriam à sua volta para não se distrair.
Para sua felicidade, a Fukeru percebeu que não conseguiria acabar o livro naquela hora, para não variar. Fechou-o e virou a capa para a ruiva, colocando o título bem à frente da cara dela.
- “50 Sombras do Ninja”? – Perguntou-se a Rinsa, esboçando uma reação confusa por, provavelmente, não conhecer a obra – O que é? É um romance? Posso ler?
A loira cedeu, consciente que recusar o pedido não lhe daria a oportunidade de voltar a ler, e passou o livro para a mão da sua companheira. Riu-se quando Yuumei o abriu numa página aleatória e ficou imediatamente envergonhada com o que leu.
- Indecente… - Comentou, constrangida, não tirando os olhos das páginas nem conseguindo amainar o rubor que lhe assaltava as bochechas.
Cansada pelo dia que teve a acompanhar Yuumei na sua desenfreada aventura em gastar todo o dinheiro do bolso em lojas, Sokei deixou-se relaxar nas costas da cadeira. Bocejou e desviou a atenção para fora da janela da taberna. Perscrutou a lua cheia no cume do céu e perguntou-se o que andaria Furu a tramar…