Episódio 03 [Filler] Os chamados da lua

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Era a própria pirandela negra do olhar da mulher que o assombrava - alucinado, perdido, o movimentar fosco dos seus olhos corria sobre tudo, perscrutante, corroendo cada canto que a visão alcançava, orbitando no profundo da face, à esguelha por entre as mechas amarelo-desbotadas da franja que lhe obscurecia a expressão.

- Calma, calma! - guinchava desesperado o homem careca, arrastando-se de costas pelo chão. - Eu posso conseguir o seu byakugan, sim sim, escute - ao ver que tinha conseguido atenção, continuou. - É praticamente impossível capturar um Hyuuga e chegar com o corpo dele intacto a qualquer lugar, um selo de destruição amaldiçoa aquele povo. Mas atrair um deles a uma emboscada é possível - vacilou por um segundo, em dúvida -, e, bem... acho que eu conheço um alvo vulnerável...

O corpo raquítico da mulher retraiu-se, interessada, o movimento ágil fazendo sua cabeleira emaranhada assomar-lhe no rosto, os contornos desfigurando-se entre sombras e mechas. Estática, meditando, eram pegadas de garras avançando na noite, a deriva da fera sobre sua presa. Fustigou o homem no chão com seus olhos.

- Traga-o até mim - os olhos fundos da mulher se mexiam furiosamente, febris: desejo, fome.

***

Acariciando mais uma vez com o polegar a textura do pergaminho deixado misteriosamente sobre sua escrivaninha, Kamus refletia sobre a mensagem contida ali. Rhina bufou, exaurida e sem paciência diante da situação. Sentada na cama do amigo, decaiu com a cabeça, entrelaçando o pálido branco das mãos sob o cabelo vermelho, carvão em brasa. Mas logo a fuliginosa resignação com a sua própria impaciência a irritou - liberando as madeixas das mãos, deixou-as cair onduladas sobre seus ombros, o chanel cortado rente à nuca - e num pulo tomou o pergaminho da mão de Kamus.

- Garoto, você tá me testando? - amassou o pergaminho e o prendeu firme no pulso. - Depois do incidente no treino do seu clã, sua inteligência não se sente ultrajada por cogitar confiar no que tá escrito aqui? É óbvio que estão querendo atraí-lo para uma emboscada fora da vila, onde podem acabar com você sem nenhuma interferência.

- Mas isso não faz sentido, Rhina - suplicou o garoto. - Me emboscar fora da vila é o mesmo que dizer que querem me matar. Mas por qual motivo? Por eu ter machucado um deles? - deixou a questão no ar por um tempo. - Pensa direito: me atacarem do nada, troçarem da minha cara, tentarem me humilhar, tudo isso é possível ao orgulho ferido. Mas eu sei que eles não seriam capazes de me matar, não por conta daquilo.

- Então você acredita na baboseira escrita aqui? De que um Hyuuga misterioso - debochou, cuspindo a palavra - se sensibilizou por sua história e quer te conhecer, te ensinar, te treinar? - Rhina parou por um instante, degustando o que tinha acabado de ouvir de si mesma, e então riu com gosto. - Isso é tipo um clichê sobre a formação de Konoha, você percebeu a referência? "Orochimaru e Sasuke, blá blá blá". Agora estou curiosa para saber quem foi o imbecil a escrever isso aqui, a falta de criatividade chega a ser petulante.

Kamus a observava com a expressão retorcida entre constrangimento e vontade de rir.

- Sempre tive uma queda pelo drama "Orochimaru atrai Sasuke e o torna um nukenin...", você sabe.

Rhina revirou a escuridão dos seus olhos enquanto o garoto ria dela. Em seguia, abriu o pergaminho, tentando desamassá-lo o melhor possível, e o releu outra vez. Um tanto mais serena, lançou ao amigo um olhar enevoado, de cansaço, e devolveu o papel a ele.

- Eu te disse tudo sobre a minha conversa com a Lyn depois que nós intervimos pra te salvar, Kamus. Ela foi clara acerca dos "sussurros" rondando o clã. - Mais severa, continuou: - Também não acho que eles te matariam, até porque não faz muito sentido. O que podem querer atingir, e isso importa muito a eles nesse contexto, são os seus olhos.

Kamus foi pego de surpresa por esse raciocínio. Não apenas fazia sentido, como na realidade era especificamente sintomático que quisessem cegá-lo - um Hyuuga sem os olhos é alguém com a kekkei genkai castrada; e, mais profundamente, nem sequer é mais um Hyuuga.

- Não vou te vigiar. Tenha consciência do que fazer - Rhina já se retirava do aposento enquanto falava. - Bom descanso.

Kamus foi deixado sozinho. Se sentia estranhamente alheio às reflexões da amiga. Se sentou na janela do quarto. Viu filetes brancos escorrendo impassíveis no abismo do céu, as constelações. Os primeiros rastros da barba pueril roçaram contra a coluna de madeira, farpas. Alheio, pensou. A grande redoma branca se arrastando nas vagas de seus assombrosos compassos celestes. À deriva. A lua como o maior erro simbólico da humanidade - não guia da escuridão para a luz, mas margem de abertura para o caos. O jogo de claro-escuros sobre os territórios não pertencidos. Irrupção do ritornelo - a briza noturna carregava o grito enervante das cigarras e se dilacerava aos uivos distantes das feras.

Kamus não dormiu naquela noite.

***

Ao dar um último salto, a gotícula de suor a se formar na ponta da sobrancelha escorreu por dentro de sua face, contornando o nariz até diluir-se no canto da boca. Deslizou levemente a língua seca sobre o volume dos lábios. O barulho cristalino do riacho entorpecia seu corpo.

Kamus já havia completado dois dias de viagem desde que saíra de Konoha, mas há um que não encontrava nem um resquício de água. Não sabia com exatidão se ainda estava no País do Fogo, e nem se importou em pesquisar - arrancou as roupas num frenesi e se jogou no riacho, as águas frias causando um choque agradável em seu corpo.

Embora o ambiente fosse tranquilo e relaxante, a decisão tresloucada de fugir da vila ainda o corroía de dúvidas. Lembrava de Rhina, da preocupação da amiga, e sentia ódio por si mesmo. As ideias da menina sobre a emboscada continuavam a fazer sentido para Kamus, mas o pergaminho não parava de seduzi-lo por todos os lados - esse flerte com o desconhecido, de abrir sua vida a possibilidades inesperadas, de realmente encontrar um alguém que pudesse guiá-lo por entre miríades de experiências novas. Cedeu ao perigo por esses motivos, mas não sem tomar precauções - o pergaminho instruía local e data de encontro, por isso ele decidiu proceder com antecedência. Basicamente tentaria descobrir o que realmente o aguardava para então poder reagir com segurança, evitando o perigo e impossibilitando-se de descartar uma chance real para sua vida.

- Um garoto de Konoha sozinho nessas paragens? - ecoou uma voz grave da margem do rio.

Kamus alertou-se com agilidade, mas completamente assustado - não compreendia como alguém havia conseguido se aproximar tanto sem que sua presença fosse perceptível.

Quando avistou o homem à margem do rio, Kamus ficou magnetizado - não bastasse a sutileza da sua presença, possuía em contrapartida um corpo enorme, de aspecto atlético e musculoso. Sua pele negra e o cabelo rastafári complementavam sua aparência exuberante.

- Ah.. sim, é... eu vim... hum. Oi - gaguejava, embaraçado, sem saber lidar com a aparição do belo homem diante da sua nudez. - Me chamo Kamus - decidiu dizer, por fim.

- Pois sim, eu sou Raijin. - Olhou o símbolo na bandana do garoto mais uma vez e, desinteressado, soltou-a em cima da trouxa de roupas no chão. - Bom, até mais.

Kamus ficou todo espalhafatado, O homem aparece do nada e vai embora sem pedir mais nenhum tipo de satisfação? cada perturbado... mas preciso aproveitar para tirar dúvidas. Gritou para que ele esperasse um minuto, nadou até a borda do riacho e saiu tentando esconder o rubor na pele. Vestiu-se rapidamente e virou-se para o homem a observá-lo.

- Hum, Raijin, não é? Prazer. Ahn... Estou... é... nessa espécie de "missão" não oficial e, bem, não sei ao certo aonde estamos. Aqui ainda é o País do Fogo?

- Nem por um instante. Estamos no País do Rio, no centro dele, para ser mais exato.

Já? Eu não sabia que era tão rápido percorrer uma distancia como esta..., pensou.

- Preciso me encontrar com uma pessoa na vila Takumi; você - consertou - o senhor saberia me dizer em que direção devo ir?

Raijin fitou-o com seriedade pela primeira vez, as pupilas dilatando-se intimidadoramente.

- Kamus, hum? É evidente que está aqui escondido de seus amigos e do seu Kage, a quem realmente devia chamar senhor, não a mim - provocou, um tanto embrutecido. - Não tentes me enganar. Eu o guio à vila, mas primeiro desembuche a verdade.

O garoto começou a confabular rapidamente em como devia responder. Raijin não parecia ser alguém de quem pudesse escapar, mas também não sabia até que ponto poderia confiar nele. E se tivesse algo a ver com a mensagem do pergaminho? com a emboscada? Os Hyuuga teriam contratado alguém para ferí-lo? Não, evidente que não, senão ele teria reconhecido Kamus imediatamente. Acedeu que poderia confiar-lhe que estava atrás de um sensei, um tipo nômade, e que muito provavelmente portasse um byakugan.

Enquanto esse turbilhão passava em sua mente, pressentiu num átimo, no último instante - mas atrasado, muito depois de Raijin - um vulto espantosamente veloz se aproximando. Apenas teve tempo de cogitar uma reação, mas não passou daí. Um homem alto e esbelto parou apoiando a mão na nuca de Kamus, um sorriso esboçado nos lábios:

- Estás a assustar um garotinho, Raijin?

O corpo possante do outro, estático e em posição de defesa, apenas alguns passos afastado, esmoreceu e boquiabriu-se.

- Ikuza-senpai?

.

Spoiler:

Para ser sincero achei a escrita muito pouco clara comparado ao primeiro filler, foram bastantes as linhas que tive que reler para entender. Mas talvez fui só eu

Não sei se é um detalhe intencional na tua escrita colocares letra minúscula após pontos de interrogação em pensamento, mas se não for intencional peço-te para corrigir isso no próximo texto.

A primeira parte do filler é como uma sneak peek ao primeiro vilão/trama e a história deu um enorme pulo desde o primeiro episódio. Existe alguma informação no segundo episódio (que suponho que seja um treino) que eu devia saber?

As OST's são belas e realmente encaixam-se com o desenrolar da acção mas pessoalmente não consigo ler ao mesmo tempo que ouço músicas com letras (a não ser que seja um latim ou grego ou coisa assim que fique mais para pano de fundo)

E agora o Ikuza vem espalhar magia para aqui? Contínua!

Anotherx escreveu:: Não sei se é um detalhe intencional na tua escrita colocares letra minúscula após pontos de interrogação em pensamento, mas se não for intencional peço-te para corrigir isso no próximo texto.

Pois sim, é intencional. É um tipo de experimentação minha em tratar certos "pontos" (tais como interrogação e exclamação) não apenas como pontuações em si, mas também como formas de inclinar os signos (dar entonação e sentido), e portanto como complemento das próprias palavras.

Mas me desculpe pela dificuldade na leitura >.< Até escrever esse episódio foi meio complicado, me inspirei numas construções narrativas não muito comuns. Arrisquei uns neologismos, tentei criar umas imagens beirando às teorias de estranhamento do Chklósvski e utilizei alguns elementos deleuzianos, etc.; um caos!

-> Quanto ao treino do episódio 2, basicamente é o desastre do Kamus participando em seu primeiro (e último) "treino comunitário" com os Hyuuga. Ele se envolveu numa briga, e no fim Rhina e Lyn (uma Hyuuga) o salvaram.

Muito obrigado por acompanhar e comentar, Another! Vou tentar equilibrar essas minhas esquisitices.

De certeza que houve uma evolução aqui e devo admitir que gostei bastante da forma como tu desenvolveu este filler, principalmente pela inovação que criaste a nível pessoal. Aliás, o caos é necessário para que as coisas andem, afinal, toda a "arrumação" é precedida pelo caos para que se possam colocar as coisas em seus devidos lugares. Então, é particularmente vital para a construção de uma história ou qualquer outra coisa que ele se faça visível em algum momento, não necessariamente só para o leitor, mas o próprio escritor sentir esse caos se torna interessante, acredito que é aí que se abrem os leques de possibilidades.

Fiquei bastante interessado na mulher raquítica e como o careca conseguiu informações do Kamus e conseguiu colocar a "carta" na sua escrivaninha sem ninguém perceber, fico imaginando se há realmente uma conspiração Hyuuga ou algum cagueta, todavia, sendo possivelmente só detalhes ou não, espero que eu possa clarear as coisas futuramente. E sobre esse salto que foi dado subitamente, prova que com certeza coisas interessantes virão por parte de ti e do Ghost em breve, então estarei acompanhando.

Aguardo os próximos fillers.

Bem, só tenho uma coisa a dizer... É melhor começar a "abrir a pestana" agra que estou nesta "parceria" de história ou vou ficar mal visto...

Muito bom!

"O pequeno rebelde nem sabe onde se vai meter" foi isso que retirei deste filler

Eu ia perguntar onde estava o 2, mas já respondeste em cima a dizer que ele partiu a loiça nos Hyuuga hehe Coitado do rapaz ninguém o quer :p Acho piada ao ambiente em redor da tua personagem, especialmente, a relação dele com o clã (Tenho um fraquinho pelos homenzinhos do Byakugan

)
Vamos lá ver quem é a mulher malvada que quer roubar os olhos do Kamus e porquê ^^

Continua!

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Episódio 03 [Filler] Os chamados da lua

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