As gota ecoaram em sons entrelaçados a um momento. Um momento de caos baseado na ordem. O ocaso vermelho tocou-lhe os cabelos rubros num show de luzes âmbar, banhado a matizes alaranjadas e amareladas…
E as gotas não cessavam.
As vozes, outrora vibrantes, já tinham ido há tempos. não restara nada vivo para para narrar aquela pintura impressionista lavada a sangue e clamor.
Ele, uma figura imóvel, a única ordem em meio ao caos, refletia inerte sobre um mar rubro de corpos líquidos, um mar de sangue. Um semblante melancólico esculpido numa face de mármore tão gélida quanto a noite que estava por vir, tão excêntrico quanto a sua própria existência e natureza. Um pecado à vida, uma homenagem à morte. Um par de olhos fitou o cenário sob seus pés com uma indiferença segura de si, quase dialogando com os que se foram através do brilho sem vida daquelas pupilas. Uma linha se formou aos poucos no canto daquela boca. A assinatura do artista era o detalhe mais valioso do quadro...
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Seu torpor foi interrompido pelos primeiros raios do sol entrando pelas frestas na janela semicerrada. No ar, uma harmonia de um gotejar cortava o silêncio insistentemente, pois em algum lugar, as gotas nunca deixaram de cair.
O corpo inerte daquele homem recebia aos poucos a mensagem de que já era hora de se libertar da mortalha do sono, e sua alma despertava os poucos. Na boca, um gosto amargo fora deixado por aquelas imagens que surgiram na sob seus olhos durante o seu descanso, e sua mente, ainda enevoada enevoados pelos preguiçosos pensamentos sobre o que havia acontecido, ainda se questionava continuamente acerca daquilo.
Azura sabia muito bem o que eram sonhos e como eles funcionavam, mas nunca, desde que nasceu, tinha tido um… Aquela havia sido uma experiência no mínimo… Intrigante. Os olhos amarelados fitaram fixamente o teto da sala por alguns minutos, rasgando mármore e memórias com suas garras curiosas por interpretações e teorias infundadas. A mão direita foi de encontro ao seu rosto, massageando a testa numa segunda tentativa de acordar. “Estou exausto…” Ele pensou.
Repousava sobre um grande sofá, ao lado de uma pequena fogueira no centro da sala. Sua casa era uma cobertura num dos prédios de kiri já há algum tempo, o local era um lugar de ordem e organização impecável, mas totalmente carente de cor e luz. Muito mais uma base militar do que uma casa.
Era ali que morava o famoso Azura Inugami, recém egresso dos 7 espadachins da névoa. Ele era algo como uma celebridade naquela vila.
E ele ainda olhava para o teto…
Teria sido um flash de um episódio anterior da sua vida? Estaria ele lembrando de atrocidades cometidas por ele há muito apagadas de sua mente? Ou melhor, estaria ele apenas convencendo a si mesmo de que aquilo era minimamente real? O homem que ele viu naquela escuridão parecia-se muito consigo… Mas ainda assim… Porque seu estômago parecia ganhar vida e contorcer de tal forma só de pensar na sua silhueta vibrante de sangue e luz? Um arrepio percorreu sua espinha, fazendo sua cabeça gelar no fim.
Jogou o corpo para frente, curvando sua coluna ao apoiar seus cotovelos nos joelhos, pendendo a cabeça pesadamente para frente de si. “Só estou pensando demais...”
Quantos anos é necessário para criar uma vida? Pois nem mesmo ele sabia responder. Azura já estava de volta há kiri há alguns anos agora. Desde que se foi, fugido do seu lar, e retornou triunfante. Expurgou o que havia de pior naquela vila fria e desconfortável, sugou o veneno direto do ferimento, e fez florescer no coração das pessoas algo de esperança em meio a tantas incertezas. Assim que se tornou famoso na sua terra natal.
O Shinobi que salvou o coração de Kiri… Uma grande ironia, ele achava.
No mundo Shinobi, ninguém teve um começo tão miserável quanto Azura, e tampouco conquistou tanto a partir do zero… Ele era, de certa forma, um exemplo para as pessoas que se acreditavam desafortunadas.
Shinigami no Azura… Azura, o Deus da Morte. Aquele que voltou dos mortos mais de uma vez.
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Noutro lado da cidade, numa sala de aula vazia, dois jovens tentavam manter um diálogo entre si, porém falhavam miseravelmente.
- Eu te disse, não disse? É tudo uma grande piada! TUDO. UMA. GRANDE. PIADA! - Um Bam! estrondoso ecoou no ar, arauto do silêncio que sucedeu. Todos ficaram calados depois disso, cada um furioso de sua maneira.
Quem bateu na mesa foi uma Kunochi de mais ou menos 14 anos, evidenciados pelo rosto redondo e juvenil tanto quanto por seus olhos tão verdes quanto folhas de Hortelã. Magra e com longos cabelos negros amarrados num rabo de cavalo atrás da cabeça, Akira compensava em atitude o que lhe faltava em vaidade.
- Mas Akira… Nós não temos muita escolha. - Ele falou de forma tímida e triste, particularmente cerrando os dentes na última palavra, como se “escolha” fosse-lhe amargo demais para o paladar. E realmente, “escolha” foi algo que todos eles tiveram de sobra desde durante todo o curso na academia shinobi. Eles sempre tiveram total liberdade de melhorar suas notas através do esforço, da disciplina… Mas nunca foi-lhes conveniente fazer tanto por algo que viria naturalmente. E agora, naquela situação delicada, eles amaldiçoavam a própria atitude relapsa.
- Não é bem assim, Ito! - A garota chamada Akira revidou quase de imediato, tentando afastar os pensamentos de preocupação.
Ele, Ito, era tão jovem quando ela. Loiro, atlético, cheio de sardas escuras no rosto. Ito era um jovem tão comum quanto qualquer outro, a menos pelo fato de que estava seriamente encrencado naquele momento. Sua natureza preguiçosa sempre o fez ficar atrás dos outros alunos da turma, até mesmo nas notas… Não fazia ideia de que aquela vida poderia ameaçar sua formação shinobi. Um sonho iria se destruir se isso acontecesse… O dos seus pais.
- Yooo minna. - E por último, para completar o trio de detentos, chegou quem faltava. Ele entrou pela porta num sorriso sincero de bom dia. - Vocês parecem bastante animados logo tão cedo.
- ORA SEU… - Uma mão tão poderosa quanto um colosso agarrou a gola da roupa do recém chegado. - TAT-SU-MIIII - Akira pronunciou o nome do rapaz entre os dentes. Seus olhos eram tão assustadoramente agressivos, que até mesmo o relaxado Tatsumi sentiu-se intimidado. - Como ousa chegar tão atrasado, e ainda por cima estar tão tranquilo numa situação dessas...
Tatsumi, ainda preso, esboçou um sorriso de canto de boca, tentando apaziguar a amiga. Ele era o completo oposto de Akira. Alegre e positivo, não havia tempo ruim para abrir um sorriso. Tinha cabelos curtos e castanhos e e tinha na face um par de cintilantes olhos negros. O que todos sabiam, pois até mesmo o próprio Tatsumi não conseguia esconder, era que seus sorrisos escondiam feridas abertas que sangravam continuamente. Ele era, no meio de todos, o maior mentiroso.
- Vamos manter a calma. - Ito suspirava, aliviado por não ser o único enclausurado naquela sala com a Akira, a garota mais explosiva da academia. - Além do mais, nós ainda vamos conseguir nos graduar… Eu tenho certeza que o Mizukage-sama não nos deixará sermos apenas estudantes para sempre. - Ele engoliu em seco a palavra “sempre”. - Eu acho..
O diálogo foi interrompido pelo mover da porta, abrindo-se outra vez. Os três jovens prenderam a respiração com uma súbita expectativa explodindo dentro de si, e olharam ao mesmo tempo para o vão deixado na entrada. Lentamente, uma cabeça e metade de um corpo surgiram pela entrada…
- Yo. - Um rapaz envolto por uma centena de bandagens surgiu, com uma expressão séria e tensa, como num velório. - Meu nome é Ichinose, e eu vou conduzí-los ao seu novo sensei.