- Anteriormente...:
O diálogo foi interrompido pelo mover da porta, abrindo-se outra vez. Os três jovens prenderam a respiração com uma súbita expectativa explodindo dentro de si, e olharam ao mesmo tempo para o vão deixado na entrada. Lentamente, uma cabeça e metade de um corpo surgiram pela entrada…
- Yo. - Um rapaz envolto por uma centena de bandagens surgiu, com uma expressão séria e tensa, como num velório. - Meu nome é Ichinose, e eu vou conduzí-los ao seu novo sensei.
Caminharam por alguns minutos pelas ruas soturnas da vila da névoa. Era quase sete da manhã, e a cidade ainda acordava preguiçosamente de seu torpor noturno. Kirigakure no Sato era, na sua maioria, formada por vários prédios em formato cilíndrico. Estes prédios eram quase sempre muito bem mixados a alguma forma de vegetação, o que contrastava em muito com o aspecto pálido do concreto maciço. Aquele conglomerado de prédios resultava em uma rede de corredores, becos e ruas extremamente complexo, agravado com a densa neblina constante, a vila da névoa era um labirinto para aqueles que não sabiam para onde ir.
As vielas de Kiri, outrora becos frios e cinzas cobertos de névoa, continuavam cinzas, frias e cheia de névoa, porém agora iluminadas por diversos painéis de led e neon. Cada estabelecimento da vila tinha sua própria fonte de luz em fachadas repletas de kanjis brilhosos, e aquela cacofonia luminosa cortando a neblina dava a essa vila, mais do que qualquer outra, um aspecto verdadeiramente Cyber-punk.
Aconteceu que eles andaram até uma parte mais pobre da cidade. O jovem Ichinose, um High Gennin da névoa, caminhava silenciosamente na frente do trio, falando uma coisa ou outra quando lhe era conveniente. Os quase-Gennins estavam desconfortáveis desde o início, e sinceramente, caminhar até aquela parte mais escura e decadente de Kiri naquela companhia misteriosa os deixou ainda mais apreensivos.
- Então… Que tipo de pessoa será o nosso sensei, Ichinose-san? - Ito foi quem tomou a palavra. O garoto estava apavorado da cabeça aos pés com a própria situação, e temia o pior.
- Como vocês devem saber… Os três foram reprovados na academia. - E o jovem high Gennin olhou sobre o ombro, fitando-os sob olhos gélidos. - Então lhes foi dado a oportunidade de conseguirem a formação participando de um método… Diferente.
Os três engoliram em seco. Era fato que suas reprovações causaram um estardalhaço enorme em suas famílias. Era esperado que todo jovem estudante passasse no teste para ser pelo menos Gennin, mas ele sequer chegaram ao esse ponto… Eles eram, assim como foi dito por cada um dos seus pais, uma decepção.
- Então vocês estarão integrando um esquadrão de um Espadachim da Névoa, e terão um período de treinamento com ele. Se no final ele julgar que são merecedores, serão promovidos... - Ichinose ficou calado por alguns segundos, e aquele silêncio gelou a espinha dos três. - E isso é muito mais do que vocês merecem, ao meu ver. - Ele concluiu parando na frente de um prédio.
Olhando de fora, o local era uma estrutura tubular de quatro andares, unido a algumas árvores no seu topo. Na realidade, era o prédio mais alto de todo aquele distrito pobre, e os três perceberam isto de imediato, apesar de não entenderem o porque.
- Olhem… O seu futuro Sensei é uma pessoa bastante rígida. Não digo que ele chega a ser cruel, mas ele exigirá muito de cada um de vocês… Eu acho bem difícil que consigam a promoção a Gennin. - Aquela palavras ditas por Zef cortaram o ar e atingiram o estômago dos três como uma Kunai.
Akira, que se resguardou de falar o caminho inteiro, não aguentava a ideia de ser reprovada… Principalmente pelo fato dela mesmo reconhecer que não era uma shinobi ruim, só… Não era boa em ler teorias. Ela sempre tivera dificuldade em manter a atenção nas palavras, e sinceramente, quando tentava ler, via as letras voando em cima do papel. Ninguém nunca acreditou que isso era verdade, apesar da Kunoichi jurar que acontecia sempre. Ela sabia que merecia ter aquela hitayate…
- Me sigam… - Ichinose abriu a porta atrás de si, a que dava acesso ao prédio, e antes de entrar, acrescentou. - Boa sorte a todos.
-x-
-
Psssiu. Akira-chan! - Tatsumi, que estava sentado ao lado da garota no sofá, cochichou. - Você está pensando o que eu estou pensando?
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E o que você está pensando, cabeça de prego? - Ela respondeu, irritadiça como sempre.
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Olhe ao seu redor! Olhe onde estamos! Isso não faz te lembrar nada? -
XIIIU, CALEM A BOCA! - Ito os repreendeu, apavorado em serem ouvidos.
Os três estavam sentados em um grande sofá, na cobertura do prédio que entraram minutos atrás. O local era cinza, organizado e totalmente equipado com equipamentos ninjas. Em um canto havia um arsenal de katanas, foices e kunais, e noutro haviam diversos scrolls, livros e monitores. Aquela base militar parecia um acampamento feito para munir um exército com armas e recursos. Ichinose estava sentado próximo à janela, tomando uma caneca de um chá que ele não se deu ao trabalho de oferecer aos jovens. Tatsumi anotou isso na sua mente como uma grande falta de consideração com seus conterrâneos Kirinins.
O jovem tivera essa conclusão já no caminho para o local, e as palavras de Ichinose apenas reforçaram sua teoria… Ele estavam indo conhecer seu novo sensei, num prédio localizado no distrito mais pobre de Kiri, e ele era um espadachim… Com aquelas descrições, seu novo sensei só poderia ser uma pessoa…
-
Eu acho… Que nós estamos prestes a conhecer o Shinigami de kiri… - Ele disse baixinho, tentando segurar a emoção. Akira arregalou os olhos com a notícia, e Ito engoliu saliva tão forte que fez doer sua garganta. Se aquilo fosse verdade… Seria como um sonho! Eles estavam cansados de ouvir histórias e lendas sobre ele, e pelo fato dele ser um homem pouco visto nas ruas, era tratado quase como uma lenda urbana! Os três se olharam, sentindo crescer no peito uma chama prestes a explodir de excitação.
- Bom dia. - Eles foram cortados por uma voz grave, de um homem parado na sua frente, a alguns metros. - Meu nome é Inugami Azura, é um prazer conhecê-los. - O ruivo estava parado despreocupadamente com uma mão no bolso e segurando na outra uma prancheta com três fichas. Azura era jovem, aparentemente tinha por volta de 20/22 anos, e, por mais incomum que pareça, tinha olhos amarelos sobre órbitas negras como pixe. Pálido, apresentava diversas rachaduras ao longo da pele, ele parecia mais um cadáver ambulante. Os cabelos eram de um vermelho opaco, raspados na nuca e jogados de forma desorganizada sobre os olhos, alinhados a esquerda.
Os jovens paralisaram sob aquele olhar profundo, como se estivessem presos pelo jutsu das sombras dos Nara.
- Vocês devem ser… Osaka Ito, Takeuchi Akira e Miyazaki Tatsumi. - Ele disse, contabilizando da esquerda para a direita. - Eu fui chamado para ser seu novo Sensei.
“AAAAAAAAAAH!” Eles pensavam em unissom, tomados pela excitação.
- Eu recebi suas fichas ontem, me foi informado pelo atual Sasaukage Okashii que eu estaria lhes orientando para que se tornem Gennins… - E folheou as páginas com os dedos, lendo atentamente. Ichinose, ainda próximo à janela, olhava qualquer coisa distraído. - Bem, segundo essas fichas… Vocês três são uns inúteis.
Um silêncio mórbido se estabeleceu no ar. E aquele clima opressor só não era pior que a face de decepção dos três aspirantes a gennin. Um gosto amargo subia-lhes a garganta com a triste constatação que seu ídolo talvez não fosse alguém tão legal assim…
- Notas ruins, desempenho físico medíocre, péssima habilidade com arremesso e Ninjutsu deplorável… Esse papel me diz que vocês não tem o que é necessário sequer para serem peso morto de um shinobi. - com alguns passos, jogou a prancheta na pequena mesa que o separava do sofá em que os três o encaravam vergonhosamente.
Zef, ainda aproveitando seu chá, observava a situação com um pequeno indício de diversão no olhar.
- Vocês não tem nada a dizer? - Azura coçou a nuca, tão casual como se nada tivesse acontecido. - Se não tem nada a acrescentar, por favor fechem a porta ao sair…
- ESPERA AÍ! - Akira levantou-se com abruptidão, cerrando os punhos para o homem que dissera aquelas coisas horríveis. - Você não pode nos dispensar assim! Nós… Você é a nossa única esperança! Não aceito desistir sem tentar! - Ela começou apenas irritada, mas seu tom de voz foi crescendo de forma desrespeitosa conforme as palavras deslizavam por sua boca.
- I-Isso aí! E-eu penso o mesmo! Eu posso ser um zero a esquerda… mas… Eu não posso perder essa chance… Por favor, por favor… - Ito estava a beira das lágrimas, engasgando-se com as próprias idéias.
- ANDA, TATSUMI! FALE ALGO! - Akira era o que movia aquele trio incompatível. Ela era a responsável por acender a chama dentro de cada um, um farol de carisma para aqueles que não tinham rumo. Ainda assim Tatsumi não reagiu, porque ele mesmo estava a beira das lágrimas. Engoliu em seco e, tentando ao máximo ensaiar um sorriso, olhou para a kunoichi com uma máscara de contentamento que ela mesmo sabia ser falsa.
Azura os olhou sob um olhar misterioso, sério, analítico. Ninguém sabia o que viria daquela boca, para bem ou para mal.
- Eu…
- SENSEI? - Ichinose se levantou num saldo da sua cadeira, apontando uma estranha rachadura brilhosa subindo pela janela e entrando nas paredes da casa.
Azura começou olhando com olhos semicerrados, curioso, mas à medida que sua compreensão se expandia, seus olhos cresciam em urgência.
- ICHINOS-
Foi um evento quase pirotécnico. Do lado de fora, os transeuntes das ruas próximas pararam para olhar. Uma infinidade de riscos luminosos tomaram o prédio centímetro por centímetro, começando lentamente, e depois tão rápido quando um estalar de dedos. No segundo seguinte, o prédio explodiu.
E foi como se uma granada estourasse. Milhares de estilhaços pesando centenas de quilos voaram para todas as direções e para os ares. O prédio se tornou um vão no tempo de um milésimo de segundo, e seus escombros destruíram boa parte das residências e estruturas dos arredores com tamanha ferocidade que parecia mesmo que o prédio se tornara um explosivo.
Rapidamente a preguiçosa e silenciosa manhã foi tomada por gritos de surpresa, dor e desespero daqueles que perderam suas casas.
A alguns metros dali, num grupo de casas de dois andares que conseguiram permanecer intactas, um grupo de silhuetas surgia no terraço como uma sombra dançante.
Os três aspirantes a Gennin caíram no chão, tossindo poeira e segurando a ânsia de vômito de ter viajado numa velocidade tão alta de repente. Ao seu lado, Azura e Ichinose ofegavam. Eles tiveram de ser realmente muito ágeis para conseguir sair da explosão a tempo, e ainda levar consigo aqueles três.
E antes que digerissem a ideia do que aconteceu, foram surpreendidos pelo que veio a seguir. Onde outrora havia o prédio, um pilar de luz se ergueu a partir do chão, e logo em seguida uma pálida e gigantesca árvore nasceu. Num piscar de olhos, um pinheiro de casca tão alva quanto a neve surgiu no meio de Kiri. Ele era alto, largo e não tinha folhas, quase como se fosse uma árvore de morte…
- O que diabos… - Ichinose sussurrava, atônito. Atônitos também estavam os três jovens aspirantes a Gennin, assim como todos os civis ao redor que assistiam aquilo aterrorizados.
De dentro da árvore, como se fossem um só com a mesma, uma quantidade infinita de seres começaram a surgir. Humanóides de pele áspera como madeira, sem rosto, sem dó, sem humanidade. Eles nasceram daquela entidade misteriosa, e tão logo tocaram o chão, começaram a espalhar seu terror… Capturavam, matavam, disseminavam o Caos. Um exército invadia Kiri, e eles já estavam do lado de dentro…
- Me ouçam. - Azura, que observava a árvore a alguns metros dos outros, disse com uma seriedade quase intimidadora. - Vocês ainda não são Shinobis… Aqueles papéis, como eu disse, dizem apenas que vocês são peças inúteis. Essa é a minha primeira lição: Um papel nunca irá definir quem vocês são. - Ele dizia, sem tirar os olhos do grande pinheiro.
Em meio ao caos e ao medo que nascia na mente daqueles pobres jovens, uma fagulha de sentido começava a se formar, conforme as palavras de Azura saiam pelos seus lábios e entravam em seus corações.
- Vocês disseram que queriam ser shinobis, que queriam tentar ser melhores. Então, como seu mestre, essa é a minha ordem… - Azura tirou do bolso atrás da cinta um objeto desconhecido e o jogou sobre o ombro. O objeto caiu próximo aos três, e se revelou ser três hitayates amarradas. Bandanas azul-escuro com uma plaquinha metálica contendo o símbolo da vila de Kiri. - Vistam isto e se tornem Shinobis de verdade.
Os três se entreolharam, com olhos cintilantes de compreensão, anestesiados do medo que outrora os dominara.
- Ichinose.
- Hai! Sensei! - O High Gennin prontamente respondeu.
- Lidere-os na evacuação dos civis da área. Nós precisamos fazer o máximo até que o reforço chegue… - Então o Jounnin uniu as mãos, num selo. - Tajuu! Kage Bunshin no jutsu!
E uma centena de cópias surgiram no terraço e nos terraços próximos, todos exatamente idênticos ao original.
- A sua prioridade é salvar o máximo de vidas possível… Eu darei cobertura.
A imagem seguinte marcou a mente dos três como ferro quente na pele. Eles viram aquelas costas, costas que pareciam mais largas que qualquer outra, costas acostumadas a carregar um peso insuportável, costas embutidas com a responsabilidade de defender a todos. Naquele momento, eles compreenderam o porquê de Azura viver em uma área tão pobre de Kiri, o porquê dele ser tão popular entre os moradores da vila, e o porquê dele ter sido designado para liderar aquele trio de desajustados…
Porque Azura era, acima de tudo, um farol na escuridão.