"A idade traz preocupações"
- Aruko-chan, o que é que sabes sobre o estado do mundo? – perguntou a mulher, quebrando o silêncio.
A morena fitou-a, desorientada. – Não percebo o que queres dizer, baa-chan.
A mulher fitava atentamente as folhas verdes claras dançarem ao sabor do vento. O jardim verdejante nas traseiras da casa de Yoshikazu abrigava a mulher e a neta, debaixo do velho carvalho, e o sol tentava ao máximo escapar das nuvens cinzentas que teimavam em cobri-lo, permitindo que alguns raios de sol embatessem contra a pele clara de ambas.
- Há muitas coisas a acontecerem neste mesmo momento, que podem mudar tudo … Coisas que os melhores shinobis estão a tentar destruir ao máximo, enquanto nós permanecemos numa profunda ignorância e numa falsa sensação de segurança. – começou a mulher de cabelos grisalhos, desviando os olhos cor de mel para a neta – Se a população tivesse a noção do que se passava, tudo se tornaria de tal forma caótico, que muito provavelmente haveriam muito mais vítimas desnecessárias.
- Vítimas são sempre desnecessárias. – corrigiu Aruko, fazendo-a sorrir.
- Nem todas. – comentou Yoshikazu suavemente, fazendo a neta olhá-la com uma mistura de choque e confusão. – De qualquer forma, se todos soubessem a verdade, muitos desistiriam do futuro. E, digam o que disserem, nós precisamos de ter esperança em relação a isso.
Manteve-se em silêncio, esperando a continuação do discurso que não chegou a vir. Fitou atentamente a mulher ao seu lado, com um nó na garganta. Há muito que decorara os seus traços. As rugas de preocupação estavam marcadas na sua testa, tal como as que testemunhavam o tempo estavam marcadas no seu rosto. Lembrava-se do tempo que passava a desenhá-las com o dedo enquanto a mulher fingia que dormia. Durante horas, o seu pequeno dedo percorria as linhas ténues que formavam os desenhos que tanto a tinham fascinado. Com apenas seis anos, sabia os traços da avó de cor, algo que lhe parecia a coisa mais natural do mundo.
Sorriu com a lembrança e contemplou também o céu encoberto. – Não precisamos de esperança.
A mulher fitou-a, perplexa. – Não?
Aruko negou com a cabeça e fechou os olhos quando o sol embateu no seu rosto. – Precisamos de certezas. Precisamos de saber que as coisas se vão recompor, não de uma esperança vã de que isso vá acontecer.
Ouviu o riso da avó. – Não ligues ao que eu digo, Aruko-chan. São simples devaneios de uma simples idosa. - sorriu amavelmente - Já te contei o nevão que eu tive que enfrentar para conseguir chegar a Yuki? - questinou ela, mudando de assunto.
A morena riu e apoiou a cabeça no ombro quente da avó, preparada para mais um relato intenso, típico de Yoshikazu.
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Permanecia sentada no chão da sua sala, lendo com o máximo de atenção possível, as páginas gastas do livro velho. Atsuko mantinha-se em silêncio, limpando cuidadosamente as várias kunais que espalhara pelo chão, enquanto Emi fitava a vila pela janela, perdida em pensamentos. O silêncio que já durava há algum tempo foi quebrado pela entrada espalhafatosa de Takuya .
- Ohayou, pessoal!
A rapariga levantou o olhar, fitando-o com um ar acusatório – Oto-san, não consegues fazer menos barulho?
- Guarda isso, Atsuko, antes que tires um olho a alguém. – reclamou Shinju, que entrara a seguir ao marido e dirigindo-se de imediato para o fogão, fazendo a filha revirar os olhos.
- Precisa de ajuda? – questionou a loira levantando-se, surpreendendo os quatro.
- Tens a certeza que queres fazer isto? – perguntou a mulher, ligeiramente perplexa.
Emi limitou-se a sorrir abertamente e a caminhar em direcção dela, com uma graciosidade que fez com que Atsuko e Aruko se entreolhassem, espantados. Depois de lançar um olhar à filha que dizia claramente “Devias ser mais como ela”, iniciou o seu longo discurso sobre a magia da cozinha, ao que a loira tomava uma genuína atenção. Takuya fechou a porta da cozinha e sentou-se no sofá ao lado da filha, equilibrando na mão uma das kunais do rapaz.
- Qualquer dia tens que me ensinar a lançar isto. – relembrou, fazendo Atsuko rir divertido.
- Acha que aguenta?
- Duvidas? - perguntou, com uma sobrancelha arqueada.
O rapaz limitou-se a erguer as mãos num silencioso pedido de tréguas, fazendo com que o silêncio recaísse sobre eles.
- A tua mãe disse-me que estiveste com a tua avó, hoje. – declarou Takuya, recebendo um aceno afirmativo da filha, que voltara a mergulhar no livro. – Como é que ela está?
- Óptima, como sempre. Voltou há uns dias de Yuki, que, segundo ela, é uma vila que eu devia visitar.
O homem não respondeu, limitando-se a sorrir fracamente. Aruko fitou-o, confusa pela sua falta de reacção, mas não teceu qualquer comentário. O pai andava estranho; começara a ficar alheado ao que se passava em seu redor, imerso em pensamentos, e parecia estranhamente preocupado. Inquirira a mãe a respeito disso, mas a única resposta que obtera fora “A idade traz preocupações”.
Pegando no fecho do casaco, deslizou-o para baixo antes de o voltar a subir. O rapaz sentado à sua frente fitou-a com uma sobrancelha arqueada, no entanto, ao ver a morena olhar para o pai e depois para ele, voltou a sua atenção para as armas, percebendo a mensagem.
- Então – começou Takuya, com um sorriso fraco – contem-me lá como têm corrido os treinos.
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- Achas que é alguma coisa grave? – inquiriu Atsuko, enquanto caminhava ao lado da amiga.
- Não sei. – admitiu ela, fitando o chão.
Atravessavam calmamente as ruas de Kirigakure, passando despercebidos pelas pessoas que seguiam a sua rotina diária. As nuvens negras mantinham o Sol longe dos seus olhos, o que fez o moreno passar a mão pelo cabelo. Estava habituado ao frio e à neblina, mas havia algo… diferente.
- Não sentes nada?
A morena fitou-o, com a sobrancelha arqueada – Como por exemplo?
- Não sei… como se… alguma coisa fosse acontecer…
- Estás a ficar paranóico – avisou divertida, fazendo o amigo rir.
- É a tua péssima influência. – acusou, vendo a amiga revirar os olhos.
- Tu adoras a minha influência.
Atsuko riu divertido e passou o braço pelos ombros dela – Claro que sim. – gozou, antes de lhe lançar um olhar de esguelha – E não te preocupes com o teu pai. Ele só deve estar preocupado por a tua avó estar constantemente de um lado para o outro, e não se dedicar apenas ao jardim.
Ela permaneceu em silêncio durante uns minutos, antes de lhe lançar um sorriso trocista - Sabes, para variar, acho que vou confiar nos teus pressentimentos.
- Uau, o mundo deve estar mesmo prestes a acabar – deduziu, levando uma mão ao peito dramaticamente.
A morena limitou-se a sorrir, continuando a caminhar lado a lado com Atsuko.
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O bater insistente na porta, fez com que a mulher desviasse a atenção do chá que preparava. Deixando a água a ferver em cima do balcão, caminhou calmamente, abrindo a porta ao convidado inesperado. Quando o seu olhar recaiu sobre eles, os seus lábios esboçaram um caloroso sorriso antes de ela lhe permitir a passagem para dentro da sala pintada em tons de beije, modestamente decorada.
- Não estava à espera da tua visita.
- Eu sei.