Olhei para a minha cama onde descansava um pequeno envelope branco escrito a letras vermelha, engoli em seco…
- Ele esteve aqui… - Aproximei-me cuidadosamente da cama, receoso que a qualquer momento a carta explodisse como acontecera com o guardanapo dos bolinhos. Peguei no envelope e sentei-me sobre a cama, não havia nada escrito, a não ser em letras escarlate, “Amatsu-Mikaboshi”. Virei o envelope e abri-o cautelosamente, no seu interior estava uma folha igualmente branca, dobrada em 3 partes, retirei-a do envelope e desdobrei-a, as letras vermelhas compuseram-se num texto que ocupava metade da folha.
“ Aqueles que a salvação procuram, muitas vezes a fatalidade encontram, os que a morte procuram, nela encontram a salvação.
Takatsuaya (Amatsu-Mikaboshi Rekidaishi) ”
Ao ler aquelas palavras um arrepio gelado percorreu-me o corpo, que significariam aquelas palavras? Seriam uma ameaça? Era a ideia que transmitiam… ele não iria desistir de tentar reaver o Crânio e a Mão de Teshiroi.
Decidi guardar a carta e ir para a cama, os últimos dias havia sido exaustivos e já merecia um descanso, mal cai na cama os meus olhos fecharam e adormeci.
Acordei com o leve toque da luz do sol no meu rosto, abri ligeiramente os olhos, encandeando-me e voltando a mergulhar nos lençóis fugindo ao amanhecer. A custo e bastante contrariado lá fui obrigado a levantar-me pela minha mãe que praticamente me roubava a roupa da cama.
- Só mais cinco minutos. – Resmungava eu, puxando o lençol de novo para cima da cabeça.
- Já é quase meio-dia, já não é hora de se estar deitado. – Teimava a minha mãe conseguindo finalmente roubar-me toda a roupa da cama.
- Pronto, eu levanto-me, chata. – Rezinguei entre dentes.
- Que disseste? – Perguntou a minha mãe com ar desconfiado.
- Que esta gaveta é chata. – Disfarcei eu, tirando um par de cuecas da gaveta. Após estar vestido e de barriga cheia, sai pela porta, levando o Crânio comigo escondido dentro de uma bolsa.
- Não me podia ter calhado o dedo grande do pé? Ou uma costela? É que andar com um Crânio como tu não é muito confortável. – Obviamente não obtive qualquer resposta, retirei do bolso do casaco o envelope da noite anterior, felizmente não havia rebentado e ainda se mantinha intacto. Aquelas palavras continuavam a pairar sobre a minha cabeça, procurando algum significado nelas.
- Não me convenço que é uma simples ameaça, tem de haver algo mais para lá delas, e quem será este tal de Takatsuaya... – Perdido nos meus pensamentos não denotei a presença de alguém que me espiava ao longe, pelo canto do olho consegui avistar o vulto que se movia por entre os telhados das casas em pés de lã, acelerei o passo apenas para confirmar que aquele ser me perseguia.
- Eu sei que estás ai, podes aparecer. – Dito isto uma nuvem de fumo surgiu ao meu lado, Teshiroi apresentava-se com o já seu habitual sorriso de orelha a orelha e boa disposição extremamente exagerada.
- Muito perspicaz o meu menino. – Respondeu ela, agarrando-me a bochecha.
- Tá quieta, eu não sou teu menino, que queres? – Respondi com alguma rispidez, talvez até demasiada.
- Não és por agora… - Deu uma pequena gargalhada. – Também recebeste? – Perguntou assumindo um tom e uma postura séria e misteriosa.
- Tu também? Que dizia a tua? – Perguntei algo alarmado, não era uma mera coincidência.
- “Aqueles que a salvação procuram, muitas vezes a fatalidade encontram, os que a morte procuram, nela encontram a salvação.” – Ao ouvir aquelas palavras um frio percorreu-me a espinha.
- Não é mera coincidência que ambos tenhamos recebido a carta. – Disse em voz alta mas na forma de raciocínio pessoal.
- E não é, esta carta é mais do que algo para nos assustar. – Respondeu Teshiroi completando o meu raciocínio.
- Pois, eu também já desconfiava disso há algo mais por detrás desta carta, só falta sabermos o que. – Divaguei eu sobre o olhar atento de Teshiroi.
- Enquanto tu tiveste a dormir hoje de manhã eu levantei-me cedo para investigar, e aparentemente este livro que está referenciado na carta… não existe, nem aqui, nem em qualquer outra biblioteca, também ninguém ouviu falar de um autor chamado Takatsuaya, ou ele inventou isto só para nos massacrar psicologicamente ou isto simplesmente não existe e ele está a gozar connosco. – Concluiu Teshiroi.
Fez-se um momento de silêncio, à medida que caminhávamos pelas ruas de Kumogakure, sem rumo aparente, simplesmente não havia mais nada para fazer. Reparei que Teshiroi também carregava consigo a sua Mão, oculta pelas longas e largas mangas do seu casaco. Reflecti sobre o que se passara nos últimos dias, o Esqueleto, o misterioso homem e o temível Amatsu-Mikaboshi, tudo isto unidos e relacionados entre si dando origem a algo que transcende a imaginação de qualquer pessoa, só de pensar que carregava comigo algo de tamanha importância fazia-me engolir em seco, algo que poderia muito bem dar origem a uma era negra apenas relatada nos contos fantásticos dos velhos contadores de histórias. Quando demos por nós estava-mos já fora de Kumogakure, num dos inúmeros vales que a rodeavam. Teshiroi quebrou o silêncio.
- Kosshi… achas que poderemos vir a correr maior perigo do que aquele que corremos agora? – O seu rosto apresentou uma expressão que até hoje me era desconhecida, uma expressão receosa e preocupada, quase de pânico.
- Não sei… gostaria de dizer-te que não, mas não te o posso garantir… - Era incapaz de pensar sequer no que o futuro nos reservava, é provável que ele voltasse para recuperar as peças que lhe faltam do puzzle.
- Não é o homem que me assusta, mas sim a espera, é a espera que me corrói por dentro, o receio de adormecer e acordar de novo naquele buraco, amordaçada e…. sozinha… como saberei eu se da próxima vez não estarei sozinha… - Os olhos de Teshiroi brilharam à medida que lágrimas corriam longo do seu rosto. Fiquei sem saber o que dizer, a minha personalidade não se sabia adaptar a esta nova situação, deveria conforta-la? Ou dizer a verdade de que era uma possibilidade? Felizmente os meus lábios pareceram se mexer sozinhos.
- Eu prometo que estarei a teu lado. – Foi a coisa mais picuinhas que me havia saído da garganta, havia prometido algo que poderia não conseguir cumprir… em que alhada me havia eu metido...
- Obrigado Kosshi… sei o quanto te custou dizeres isso, mas fica sabendo que se não o cumprires… eu vou-te assombrar o resto da tua vida. – Por entre lágrimas Teshiroi encontrou um sorriso, gargalhadas substituíram os soluços e a sua vivacidade voltou.
- Agora… precisamos de treinar para garantir que estamos preparados quando ele voltar, Kosshi, desafio-te para um duelo!