Passado
~ O castigo de Nadeshiko ~
A tensão na pequena sala da estufa era notoriamente crescente. O silêncio reinava aquele espaço, dando apenas permissão ao bater dos corações. Apesar de estarem cientes do nervosismo, pareciam ignorar tal aspecto. Continuavam atentos ao que se passava no exterior, apesar de nada ouvirem. Apenas conseguiam perceber o que acontecia pelas expressões dos pais, já que a pequena Yuriko não entendia a conversa.
Ayame estava a ficar impaciente. Sempre fora paciente, mas, naquela situação, era impossível manter a calma e o que Kazuma dissera apenas a preocupara mais. Vira perfeitamente que ele não lhe diria nada, por mais que insistisse. Já o conhecia demasiado bem. No seu colo, Kousetsu começava a ficar agitado devido à tensão que via até nos olhos da sua mãe.
Kazuma reparara na ansiedade da irmã. Só queria que eles se fossem embora para que pudessem voltar ao normal. Ou talvez nunca mais o pudessem fazer… Rapidamente apagou aquele horrível pensamento da sua cabeça. Faria tudo para que aquilo não passasse de um mal entendido.
A pequena cria observava todos, curiosa. A mãe, deitada num canto da sala, mas com um ar de apreensão, os humanos tensos e a olhar para o infinito. Colocou-se de pé no colo de Ayame e subiu até aos seus ombros, mantendo o equilíbrio ao tentar enrolar-se à volta do pescoço da rapariga. Querendo saber o que se passava, tocou-lhe com a ponta do focinho na orelha.
Ela foi apanhada de surpresa por aquela tentativa de comunicação. Depois de processar o que ele queria saber, respondeu:
- Não te preocupes, Kousetsu. Não é culpa tua e daqui a pouco já devemos saber o que se está a passar, porque nem nós sabemos.
Kousetsu não parecia muito satisfeito com a resposta, pois não lhe haviam dito nada. Mas compreendeu que nada lhe podiam dizer. Tocou-lhe mais uma vez na orelha.
- De nada, pequenino – disse ela, divertida pela atitude da cria de raposa, afagando-lhe a cabeça.
Kazuma fitava-os, incrédulo. A irmã estava a falar sozinha? Ou tinha alguma habilidade de perceber os animais? Aquela pequena bola de pêlo não falava para que ela lhe respondesse.
A pequena raposa olhou para ele. Instintivamente, reparou na confusão que se espelhava no seu rosto. Saltou para os ombros dele e tocou-lhe com o focinho. O choque do contacto atravessou o corpo do rapaz, surpreendendo-o. No entanto, compreendeu naquele momento que era aquela a maneira de contactar de Kousetsu.
- Ora quem diria que uma coisa tão pequena como tu teria um poder tão interessante – declarou Kazuma, olhando para os olhos azuis da pequena raposa, que rapidamente se envaideceu. Os presentes na sala riram-se com a atitude dele, esquecendo-se por momentos do assunto que tanto os preocupava.
O barulho da porta das traseiras a bater com força despertou-os da sua pequena distracção. Os irmãos trocaram um olhar urgente, como que a dizer que era hora de perceberem o que se passava, enquanto Kousetsu, assustado com aquele inesperado som, saltava para junto da mãe, aninhando-se no seu pêlo.
- É melhor irem ver a vossa mãe. Pareceu-me bastante perturbada – aconselhou Haru, deitando o seu focinho por cima das suas patas dianteiras para tentar descansar um pouco.
Quando entraram em casa, notaram rapidamente no ambiente pesado que se instalara. Yuriko parecia não entender o que se passara e brincava na sala. Nadeshiko estava de costas para eles, ligeiramente debruçada sobre a mesa da cozinha, ao lado de Seishirou, que a tentava reconfortar. Um tremor atravessava o corpo dela de segundos em segundos, a sua pele estava pálida.
- Mãe… - murmurou Ayame, petrificada por aquela visão. Acabou por ceder à sua consciência, que lhe dizia que a deveria ajudar. Aproximou-se dela e colocou o seu braço em volta dela.
Nadeshiko olhou para a filha, que a observava com um olhar preocupado. Kazuma parecia um pouco desorientado, sem saber o que fazer. Dava para se entender que estava agitado. Sorriu levemente e, tentando parecer calma, disse:
- Acho que vamos ter que fazer uma reunião familiar.
Não era habitual fazerem reuniões familiares. A última vez que o haviam feito foi quando Hideki, o seu avô, estava gravemente doente e internado no hospital. Nessa altura, já haviam perdido as esperanças de o manter vivo e haviam decidido fazer uma reunião para chegarem a um consenso. Agora não havia ninguém a morrer, mas havia sido necessário recorrer-se a tal extremo.
- Vou buscar alguma coisa para te acalmares. Não é saudável estares assim – retorquiu Seishirou, que não conseguia deixar de se preocupar com a sua esposa. Virou-se para os filhos antes de sair e acrescentou: - Podem começar sem mim.
Nadeshiko fez-lhes sinal para se dirigirem para a sala, seguindo logo atrás dos filhos. Sentaram-se e esperaram em silêncio que alguém começasse. Vendo que Kazuma e Ayame não sabiam por onde começar, iniciou:
- Para perceberem o que se está a passar agora, tenho que vos contar a minha história, o meu passado. Vou tentar ser breve para não vos maçar muito.
«Como sabem, não sou originária do clã Midori. O meu apelido é Sakuragi. Sou a única filha de uma das famílias nobres pertencentes aos Kugeka, um grupo de famílias nobres oriundas de todos os cantos do mundo que, para que não houvessem tantas perdas de tantos lados, resolveu assinar um tratado de paz entre si. Como filha única, tinha a responsabilidade de assumir o poder da família quando chegasse a minha vez. Apesar de não ter outra escolha, aceitei o meu destino. A minha vez chegaria quando ambos os meus pais morressem.
«Vários anos mais tarde, três das oito famílias da Kugeka revoltaram-se. Aquela estabilidade no poder da família não lhes convinha. Queriam aumentar o seu poder, como acontecia regularmente antes de assinarem o tratado. As famílias entravam em guerra constantemente para aumentarem o seu poder, as suas posses, e, devido ao tratado, foram impedidos de o fazer.
«O líder da família Fujishima sugeriu um torneio de 10 em 10 anos, disputado pelos descendentes de cada família, visto que os líderes já tinham uma certa idade. Os lugares no torneio decidiriam quem era mais poderoso que quem, entre outros pontos, como já devem ter percebido.
Ela parou um pouco para se acalmar e reflectir no que dizer a seguir. Aproveitou para olhar mais profundamente para os filhos, tentando discernir o estado deles. Ayame parecia absorver tudo o que lhe era dito com bastante curiosidade. O seu rosto espelhava entendimento. Kazuma, que já sabia a história, ouvia tudo, embora não com tanta atenção. Não tardou a voltar a falar:
- Foi durante um desses torneios que conheci o vosso pai. Devíamos ter ambos cerca de 14 anos.
«Ele não estava a participar, claro, mas ficara interessado nos duelos. Infelizmente, a nossa relação não foi aprovada pelos meus pais. Como filha dos Sakuragi, tinha o dever de manter o sangue nobre a circular na família. Foi nessa altura que me falaram do meu casamento arranjado.
A voz de Nadeshiko tremeu ao falar do assunto. Não gostava nada de se lembrar que os seus pais haviam sido pessoas tão horríveis para a própria filha. Engoliu em seco e continuou:
- Óbvio que não aprovei. Obrigarem-me a casar com uma pessoa que nem conhecia nem amava só para manter o bom nome da família era desprezível.
«Durante anos, eu e o Seishirou encontramo-nos às escondidas. Até que atingi a maioridade e, consequentemente, a idade mínima para casar. Quando ouvi dizer que os preparativos do casamento já estavam a avançar, resolvi enfrentar os meus pais. Contei-lhes sobre o Seishirou e que era ele que amava. Eles proibiram-me de o ver e só faltava prenderem-me dentro de casa. Após umas noites a tentar fazer um plano para escapar deles, lá consegui fazê-lo. O facto de ser uma ninja ajudou imenso, como podem imaginar.
«Vivia há um tempo com o Seishirou e com os Midori quando fui encontrada pelos meus pais. Fui severamente castigada… Expulsaram-me da família e, desde então, não fui considerada uma dos Sakuragi. Apesar de me ter afectado, pensei pelo lado positivo. Não voltariam para incomodar a minha família. Ou assim pensei…
Seishirou entrou na sala no preciso momento em que Nadeshiko parara de falar. Ela ficara demasiado perturbada para continuar. A sua pele estava pálida e suada, os seus olhos escuros e baços. Sentou-se ao lado dela, dando-lhe uma caneca com uma infusão para as mãos. Retomou do ponto onde ela parara:
- Há dez anos atrás, eles vieram cá. Vinham chamar a Nadeshiko para o torneio, visto não haver mais nenhum descendente. No entanto, viram o Kazuma. Ele ainda nem era chuunin na altura. Tinha 13 anos. Não quiseram saber desse assunto. Ele tem sangue dos Sakuragi e é da geração mais recente, o que fazia dele um candidato directo do torneio. Foi obrigado a participar no torneio. E agora, dez anos depois, voltaram.
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- Spoiler:
Nota:
- Peço desculpa por não estar grande coisa e tal.
- Qualquer dúvida, é só dizer. ^^