Após a chegada do meu avô senti que os treinos futuros iriam ter maior intensidade, não era por nada que, após se retirar, o meu avô tivesse sido treinador de Elite da ANBU, sabia que iria soar bastante.
O dia recebia-me com uma agradável lufada de ar fresco, a manhã calma, o gentil cantar dos pássaros, o fino murmúrio de uma vila que despertava para mais um dia, os ensurdecedores gritos de uma maníaca que corria na minha direcção com uma enorme Katana na mão esquerda.
- Ei, para de me perseguir… - Avisava eu a rapariga que se começava a aproximar. – Pára! Mas tás maluca, paaaaaaaaaaaaara. – Comecei a fugir dela, ela continuava a perseguir-me sem razão aparente, ela nem parecia saber o meu nome, apenas me tratava por “branquinho” sabe-se lá por que.
- Anda cá cabeça oxigenada, penteado maricas anda cá! Não me escapas. – Gritava ela em alto e bom som agitando a sua Katana pelo ar.
- Mas o que é que queres?
Dito isto parei e virei-me para a rapariga, esta, incapaz de travar, espetou-me uma potente cabeçada quando chocou contra mim. Quando me recompus vi que a rapariga era aproximadamente da minha idade mas era extremamente baixa, não terias mais de metro e sessenta, tinha os ligeiramente cabelos acastanhados.
- Mas que raio queres tu? – Perguntava eu à medida que coçava a cabeça e sentia um enorme galo oculto por entre os meus cabelos. A rapariga também se apressava a levantar-se, ajeitava as suas roupas desajeitadas e baralhadas, era difícil saber-se onde começava umas e terminavam outras devido ao enorme monte de trapos que vestia.
- Tu sabes bem o que eu quero. – Disse ela num tom ameaçador.
- Eu nem sequer te conheço. – Respondi.
- Não te faças de parvo, tu sabes bem o que fizeste! – Gritava ela no meio da rua.
- Olha ai o histerismo, eu não te conheço de lado nenhum, nunca te vi na minha vida. – Gritei eu, sobrepondo os berros dela.
- Ei, não grites, eu preciso de pensar. – Disse ela num tom calmo.
- Mas és tu que estás aos berros. – Disse eu.
- Eu? Ora essa, tu é que mandas-te esse grito, estás a ferir a minha audição. – Voltou ela a dizer baixinho como seu fosse eu o culpado de tudo aquilo.
- Eu desisto, fica bem. – Dito isto voltei costas à rapariga e segui o meu caminho
Mal me virei senti ela saltar-me para as minhas cavalitas e colocar a Katana junto ao meu pescoço.
- Onde pensas que vais? – Disse ela, com a Katana perigosamente perto do meu pescoço.
- E tu vais para onde? – Voltei eu a pergunta para ela.
- Para que queres saber? – Disse ela colocando a Katana ainda mais perto.
- Para não ir lá nem por engano. – Soltei um breve riso, que irritou a rapariga. Fiz o osso do meu cotovelo projectar-se, obrigando Kuki a soltar-me ou então acabar perfurada.
- Tu não te lembras mesmo de quem eu sou pois não? – A rapariga mostrava-se desanimada perante a minha ignorância.
- Não faço a mais mínima ideia.
Ela soltou um suspiro e depois começou a rir-se.
- O nome Kuki diz-te algo? – Disse a rapariga colocando a Katana no ombro esquerdo.
- Kuki… Kuki… não me é estranho. – Aquele nome não me era estranho, onde ouvira falar daquele nome?
- Tu és insuportável! Como não te lembras de mim! Não te lembras quanto tu…
Uma explosão vindo do fundo da rua interrompeu Kuki durante o seu discurso, vários gritos de pânico inundaram a rua, um fumo negro elevava-se do local da explosão. Ignorando Kuki, desatei a correr até ao local da explosão, era um pequeno café, aliás, era o café onde eu e o meu pai nos havíamos sentado a conversar no dia que havia revelado ao mundo as minhas origens, olhei para o letreiro por cima da porta, não havia reparado no nome do café da ultima vez, “Estrela de Agosto Celestial”, nome estranho para um café, pensei eu. O interior estava em chamas, não se conseguia ver nada ou ninguém, mas comecei a ouvir gritos vindos do interior, sobrepondo o barulho das chamas uma voz feminina irrompia do interior do café. Engolido pelas chamas, entrei para o interior do café, o fumo não permitia ver nada e o calor das chamas roçava o insuportável, deambulei por entre mesas partidas e pecados de tecto caídos pelo chão, mas não encontrava a mulher, de onde raio vinha os gritos da mulher?
Senti a minha cabeça explodir, uma dor excruciante parecia querer desfazer-me o cérebro, tudo ao meu redor estremeceu, as chamas, o fumo, tudo desapareceu, estava envolto em escuridão, não se via nada, foi então que algo impossível aconteceu, no meio da escuridão uma sombra passou à minha frente, como era possível haver sombra na escuridão? Novamente, ouvi passos atrás de mim, virei-me de imediato mas nada, escuridão até onde a vista alcançava, foi então que comecei a ouvir de novo a tal voz feminina, mas desta vez parecia chorar, soluçando o som voava na minha direcção, mas parecia vir de lado nenhum e de todo o lado em simultâneo. O meu corpo moveu-se sozinho, lentamente caminhava pela escuridão, o choro tornava-se mais audível, mais doloroso, mais insuportável, parecia preencher toda a minha mente, de súbito, parou! Uma rapariga estava à minha frente, muito nova com aspecto frágil, estava totalmente despida, o seu corpo magro e frágil, quase esquelético encolhia-se com medo.
- Quem és tu? – Disse eu numa voz calma, tentando não a perturbar.
- Ele está perto. – A sua voz era fraca, muito fraca mesmo, eram meros suspiros.
- Quem, quem está perto? – Perguntei.
- Ele, ele está perto, o senhor das Estrelas.
Mal ela disse estas palavras, vários pontos brilhantes surgiram da escuridão, até que não se via nada mais que um enorme clarão, ofuscando-me a visão.
Comecei a sentir calor, estava caído no chão, estava envolto pelas chamas, tentei fugir, mas algo me prendia, estava preso com umas algemas a um dos bancos do café, mas quando havia isso acontecido? Gritei por ajuda, mas não havia ninguém para me ajudar. Olhei à minha volta, no tecto, na parede, no chão, liam-se a vermelho as palavras “ Senhor das Estrelas”, à minha frente estava um envelope, branco e vermelho…