Olhei à minha volta, no tecto, na parede, no chão, liam-se a vermelho as palavras “ Senhor das Estrelas”, à minha frente estava um envelope, branco e vermelho…
Tentei alcançar o envelope mas não conseguia, as algemas não me permitiam chegar-lhe, tentei forçar as algemas mas sem sucesso. Sentei-me virado para as algemas, projectei um osso pela mão e num simples corte, cortei as algemas, libertando-me, finalmente. O fumo era imenso e era incapaz de ver fosse o que fosse, fui apalpando ao meu redor, sentia pedaços de madeira, ferro, parto do balcão partido, mas não encontrava uma porta por onde sair, deduzi que a saída ficara impedida por escombros, foi então que me lembrei do envelope, permanecia no chão, imóvel, misterioso.... Limpei o suor que me escorria pela testa, a garganta ardia-me dos vapores e gases que inundavam o espaço, criando uma neblina negra e intoxicante.
Ouvi barulhos vindos de cima, parei por completo, tentando perceber a origem do som, pareciam marteladas, parecia que estavam a tentar partir o tecto, mas como podia haver ainda alguém no interior? Pensava que todos haviam evacuado o local, novamente, o barulho de uma pancada seca, o tecto teimava em ceder e tive de saltar para trás para evitar levar com uma das vigas de suporte.
- Está ai alguém? Eu posso ajudar, responda! – Gritei eu, esperando receber uma resposta que não chegou.
Uma nova pancada e todo o centro do tecto desabou, escombros caíam à minha frente levantado pó que se juntava ás cinzas que pairavam no ar. Aproximei-me para ver o que ou quem fizera o buraco, um homem saltou de lá, e caiu mesmo à minha frente, era praticamente da minha altura, vestia um casaco azul escuro e uma calças pretas, era impossível ver detalhadamente o seu rosto oculto pelo fumo.
- Mas quem raio és tu? – Perguntei extremamente admirado pela intervenção do homem.
- Eu? Eu sou a tua salvação. – Dito isto o homem tirou um pergaminho gigante que trazia as costas, colocou-o no chão e fez um simples selo, senti o chão tremer ligeiramente e, uma enorme torrente de água saiu do pergaminho, a força com que a água era projectada inundou a casa rapidamente, as chamas sucumbiam ao voraz apetite da água que o ia consumindo. Com a pressão exercida pela água fomos projectados pela porta do bar indo parar ao meio da rua, as pessoas que tentavam apagar o incêndio, com baldes e mangueira, assustaram-se e afastaram-se do local, observando a enorme quantidade e água que saia de uma instalação tão pequena.
Tossi por breves segundos expulsando a água que havia engolido com todo aquele aparato, reparei que estava fora do bar e que todos olhavam para mim com cara de espanto, quanto tempo havia ficado preso nas chamas?
Comecei a ouvir alguém gritar pelo meu nome, era-me familiar, levantei-me e procurei a sua origem, foi então que vi Kuki, a rapariga de cabelos castanhos vinha a correr na minha direcção, e comecei a pensar que era melhor fugir, mas não o fiz.
- Estás bem? Pensava que tinhas morrido! – Disse ela num tom mais surpreso que preocupado.
- Sim estou, não aconteceu nada. – Dizia eu, apalpando-me para ver se tinha tudo inteiro, a única coisa que havia sofrido danos era a minha roupa que ficara bastante danificada.
- Fogo que susto, que raio de teu para entrares numa casa em chamas? – Procurei a resposta, mas não a tinha, só me lembrava do choro da rapariga, rapariga essa que nem sequer existia…
- Não sei, foi instinto, poderia haver alguém preso nas chamas. – Disfarcei.
Lembrei-me do homem que me salvara, onde estaria ele? Desaparecera, não poderia estar longe, e como sabia ele que eu estava lá dentro?
- Não viste nenhum homem sair do bar comigo? – Perguntei a Kuki que ficou a olhar para mim com cara de que não faz a mínima ideia do que eu estava a falar.
- Qual homem? Tu entraste e saíste sozinho daquele sitio, não havia mais ninguém lá dentro, deves ter sonhado ou alucinado por causa do fumo.
A explicação dela até fazia sentido, pelo menos numa das partes, mas o homem era real, ou então de onde surgira toda aquela água?
- Anda vamos embora daqui, à pouco deixamos a conversa a meio. – Ela puxou-me o braço e eu assenti, seguindo-a, querendo afastar-me daquele sitio o mais rapidamente possível, olhei para trás uma ultima vez, um arrepio percorreu-me a espinha, todo o bar estava chamuscado das chamas, excepto o letreiro com o nome do bar que permanecia imaculado, mas desta vez não se chamava “Estrela de Agosto Celestial”, havia sido substituído pelo que seria o verdadeiro nome do bar, “Sabishii Tomogara”. Tinha a certeza que não havia alucinado, o letreiro havia mudado, mas como era isso possível, ainda há pouco dizia uma coisa e agora já dizia outra? Estaria a enlouquecer? Fui desperto pela voz de Kuki:
- Ei estás-me a ouvir? Estou a falar contigo! – Ela gritava-me aos ouvidos, tentando captar a minha atenção, mas eu não estava com disposição para a ouvir.
- Olha, eu sei que tens algo muito importante para falar comigo e tudo mais, mas eu tenho de me ir embora. – Dito isto virei-lhe costas e segui o caminho oposto ao dela.
- Não penses que escapas assim tão facilmente, anda cá! – Mais uma vez ela começou-me a perseguir, correndo atrás de mim. Eu virei-me para ela e olhei-a nos olhos, ela parou, vi os seus olhos fixarem-se nos meus, deu dois passos atrás.
- Acho que é melhor ficar para outro dia… adeus! – Desapareceu numa nuvem de fumo, deixando-me finalmente sozinho, livre do zumbido irritante da sua voz.
Vagueei pelas ruas, pensado no que se havia passado minutos atrás, quem seria aquela rapariga, quem seria o “Senhor das Estrelas”, quem seria o homem que me resgatou? Tantas perguntas, tão poucas respostas.
Começava a anoitecer, as estrelas surgiam lentamente no céu e a lua afigurava-se brilhante e imponente, era uma noite bela e aterrorizante em simultâneo. Fixei o meu olhar na lua, perdendo-me na sua prateada figura, quando voltei a minha atenção de volta ao solo vi um homem à minha frente, permanecia imóvel, de mãos nos bolsos a olhar para mim, pelo menos assim parecia, num piscar de olhos desapareceu para o topo dos telhados. Apercebi-me que já o havia visto, era ele, iniciei a sua perseguição, desta vez não iria escapar, de telhado em telhado ia correndo atrás dele, mas ele era extraordinariamente rápido, desceu dos telhados e voltou ás ruas, imitei-o e saltei também para o chão, mas havia lhe perdido o rasto. Olhei para um lado e para o outro da rua e nada, tudo estava escuro... à excepção de uma casa, por uma janela saia um fino raio de luz, acerquei-me da porta que estava semicerrada, bati uma vez, não houve resposta, bate uma segunda e continuei sem resposta, foi então que decidi entrar e deixar-me de formalismos, o que vi deixou-me pasmado, o que sabia ele afinal?