Olhei para um lado e para o outro da rua e nada, tudo estava escuro... à excepção de uma casa, por uma janela saia um fino raio de luz, acerquei-me da porta que estava semicerrada, bati uma vez, não houve resposta, bate uma segunda e continuei sem resposta, foi então que decidi entrar e deixar-me de formalismos, o que vi deixou-me pasmado, o que sabia ele afinal?
Entrei cautelosamente para o interior da habitação, parecia estar vazia, não se ouvia qualquer ruído, a luz, intermitente, apagava e acendia à medida que baloiçava melancolicamente no tecto. Aproximei-me de uma das paredes, esta estava escrita a vermelho, várias frases aparentemente sem sentido todas elas sobrepostas com várias palavras assinaladas com circunferências, não parecia haver um padrão, simplesmente estavam marcadas sem razão aparente, na parede perpendicular à esquerda estava o mais macabro, toda a parede estava forrada com fotografias, dispersas pela parede fotos e mais fotos e todas elas com um elemento em comum…eu.
Eu estava presente em todas as fotos, umas vezes só, outras acompanhado, maioritariamente por Teshiroi que aparecia também em todas as fotos em que estava acompanhado.
- Mas que é isto? Este gajo anda-me a perseguir? – Estava perplexo, porque carga de água é que tinha tirado todas estas fotos, qual será o seu interesse, os seus objectivos. Um vulto surgiu por detrás de uma pano que ocultava uma porta, reconheci-o pelas suas vestes, o casaco azul-escuro e as calças pretas. Era mais velho que eu, devia ter 25 ou 26 anos, o cabelo curto e as feições bem definidas, um enorme sorriso ocupava-lhe o rosto, trazia consigo um tabuleiro com duas chávenas e um bule de chá, parecia que estava à minha espera.
- Vejo que já descobriste o meu trabalho mais recente. – Disse ele à medida que pousava o tabuleiro em cima da mesa e se sentava à sua frente. – Chá? – Disse ele numa voz calma e ao mesmo tempo calorosa.
- Mas que é isto? Estas fotos? És algum pedófilo ou coisa do género? – Respondi-lhe rispidamente, havia algo nele que me parecia estranho, mas o que seria?
- Nah nada disso, sou apenas um curioso. – Disse ele, vertendo o chá para as duas chávenas.
- Ou seja, trabalhar como fotógrafo para um pedófilo.
- Não era mal pensado, mas não faz bem o meu género.
- Então para que isto tudo?
- Senta-te, bebe um pouco de chá, tudo a seu tempo.
Aproximei-me lentamente e sentei-me cautelosamente à sua frente, ele aproximou-me um dos copos, colocando-o ao meu alcance, agarrei no copo e troquei-o pelo seu, evitando assim qualquer tipo de envenenamento.
- És um bocado desconfiado pelo que vejo. – Respondeu ele, pegando no copo e bebendo um longo gole do chá, ainda bastante quente. – Quente, quente, quente, mas vale tanto a pena. – Bem, eu sei que tudo isto parece um pouco estranho, pervertido até, mas tudo isto tem um objectivo, um significado. – Fez uma pequena pausa dando mais um gole do chá, arregalando os olhos em seguida enquanto este lhe queimava a garganta. – Como tu sabes, não estás sozinho, existem vários como nós, mas não sabem o que se passa, todo o mistério, todo o perigo que envolve e é por isso que eu tenho andando a monitorizar-te. Por vários anos tenho procurado aqueles que tem a nossa sorte, ou azar, como melhor entenderes, alertando-os dos perigos e responsabilidades que vinham com a posse de algo tão precioso, esperando que, após saberem a verdade se preparassem para o futuro.
As suas palavras não me faziam grande sentido, mais pareciam devaneios de um louco, mas tinha o pressentimento que sabia do que ele falava, esperando que estivesse errado.
- Mas do que raio estás a falar? – Disse eu testando-o, tentando arrancar uma resposta.
- Disto. – O estranho homem levantou-se e aproximou-se de uma estante coberta por uma espécie de lençol azul com flores rosa, num gesto rápido e seco destapou a estante, era feita de madeira velha e acinzentada devido ao pó que a cobria, assemelhava-se a um expositor, estava vazia, qual seria o interesse de uma estante vazia.
- Genjutsu. – Disse ele com um sorriso.
- Kai!
Mal executei o Kai a estante desfez-se em pó revelando a verdadeira aparência, madeira completamente polida, castanha reluzente, com um vidro a tapar a parte da frente, na única partição que tinha estava algo que raramente se via num expositor, era um osso, mais propriamente o Cóccix, encaixado num pequeno suporte prateado. As minhas suspeitas eram justificadas, ele falava mesmo do Esqueleto e pelos vistos ele também possuía uma das várias partes deste.
- Isso é o que eu penso? – Disse sussurrando quase com receio de que alguém ouvisse por trás da porta.
- Se estás a pensar que é o osso do rabo do Deus do Mal Amatsu-Mikaboshi, então estás correcto, grande sorte a minha, com tanto osso teve de me calhar o osso do rabo. – Respondeu-me ele, sempre apresentado o mesmo sorriso e boa disposição, nem parecia estar a lidar com uma ameaça ao mundo onde vivíamos. – Tal como tu, também eu pertenço a este restrito lote de pessoas que possuem um pouco do Deus do Mal, uns tem braços, outros pernas e algum sortudo possui mesmo o… Crânio. - Ele sabia qual das partes eu possuía, seria ele uma ameaça ou um aliado? Estaria ele disposto a ajudar-me a desvendar este mistério ou simplesmente apoderar-se do Crânio? Tinha de ser cuidadoso.
- Vejo que andas bem informado, mas diz-me, qual o teu papel em tudo isto?
- Eu sou apenas curioso, incapaz de ficar quieto sem fazer nada enquanto alguém anda por ai a enviar cartas enigmáticas e ameaçadoras. – Olhei para trás de mim, observando a parede preenchida por frases vermelhas. – Exacto, todas essas frases, mensagens, o que entenderes foram cartas dele que recebi ao longo dos anos, calculo que saibas de quem falo? – Assenti com a cabeça, dando um gole no chá. – Ele abordou-me à cerca de 2 anos, estava interessado no Cóccix e disse que me iria arrepender se não lho entregasse, como podes ver não o fiz e até hoje não me arrependo de nada. Também tu já recebes-te cartas como estas, estou correcto?
Sem responder levei a mão ao interior do casaco onde estava o envelope que encontrara no incêndio, estava intacto, sem qualquer sinais de queimaduras, lentamente abri-o, revelando a já tradicional folha branca. Estava dobrada em 3 partes, duas delas estavam completamente em branco enquanto que a do meio estava escrita a vermelho, quatro linhas escarlate compunham uma misteriosa quadra.
“ Da terra nascem as florestas
Do mar ascendem as nuvens,
Do céu cai a morte
Banhando tudo e todos.
Matukya T. (Amatsu-Mikaboshi Rekidaishi)”