Acordei com o sol a bater-me na cara. Seiji já estava acordado e vestido. Estava espantado pela audácia dele. Tinha invocado uma pequena cobra que levava ao ombro e que o guiava. Embora fosse inútil em combate, pois se a cobra morresse ou caísse estava feito. Mas bem, era um começo.
- Né, onii-san, prometeste que íamos treinar hoje! – relembrou-me ele entusiasmado enquanto me procurava a mão.
Entreguei-lha. Durante os primeiros tempos não percebi este gesto, mas agora já entendi. Não sei como o faz, mas se me segurar a mão enquanto falo, Seiji sabe quando estou a mentir, sabe sempre.
- Ikkuso, Seiji – disse-lhe sorrindo enquanto nos dirigíamos ao campo de treinos.
Lá chegados senti-me um pouco apreensivo por ir defrontar o meu irmão, o meu querido irmão.
Enquanto reflectia nestes assuntos senti que algo cortava o ar. Baixei-me agilmente erguendo uma kunai ao nível dos ombros, em defesa, correndo velozmente para o meu irmão. Lancei inúmeras serpentes das mangas, mas ele decepou-as a todas com um golpe seco da sua Deva. Deva e Asura foram a única herança que recebemos. Eu recebi Asura e ele Deva, duas katanas supostamente com poderes fabulosos. Embora o de Deva ainda não tenha despertado, aparentemente.
Depois ele próprio disparou cobras contra mim. Desviei-me num shunshin rápido. Ou assim pensava, até que as cobras se voltaram e me perseguiram uma vez mais. Concentrei chakra enquanto formava alguns selos rápidos, apenas para deixar as serpentes desesperadas, enquanto o seu alvo se desfazia em pétalas.
- Não sei o que lhes fizeste nii-san, mas não resulta comigo.
Quando as pétalas se reuniram para me voltar a dar forma, já uma nova vaga de cobras estava sobre mim. Rapidamente concentrei chakra e juntei as mãos numa sequência rápida, moldando um escudo à minha frente. Os animais travaram, em função das dores acutilantes que sentiam. Afastei-me com alguns shunshins, apenas para partir a correr em direcção a Seiji. Por alguns momentos deixou de me seguir, enquanto parava como concentrado. E contudo, mal me aproximei demais voltou-se bruscamente, cuspindo uma quantidade maciça de água.
Olhei-o estupidamente enquanto a enorme onda se erguia acima de mim, com o rapaz loiro a surfar em cima dela como que a gozar-me. Não perdi tempo, concentrei chakra no punho e abri-o, disparando um sabre de relâmpagos contra a onda. Esta desfez-se e caiu , encharcando a terra árida em volta. O meu irmão ergueu-se lentamente para me enfrentar, mas deu-me tempo suficiente.
Agarrei numa kunai invertida e atirei-lhe, multiplicando-a em pleno ar com a humidade deixada pela onda, concentrando chakra.
Uma vintena de facas voou e uma vintena caiu por terra, embatendo na pele rija de uma cobra branca enrolada em volta do rapaz.
- Reflexos rápidos, Seiji – ri eu.
Ele riu também e apontou-me um dedo enquanto ria. Não o levei a sério. Pelo menos não até me sentir flutuar, rodeado por corvos. O rapaz aproximou-se lentamente com uma kunai na mão.
- Warida. – declarou contente.
Tentei em vão regular o fluxo de chakra com um kai. Não funcionou. Uma enome cobra branca saiu da minha manga e dirigiu-se à bolsa que tinha na perna, retirando uma kunai que me espetou. A dor intensa brotou quebrando a ilusão, mas Seiji já estava pronto para o fim. Sem pensar agarrei nalguns shurikens e atirei-os. Para surpresa minha, o rapaz apenas se desviou no último minuto, atirando-me a mim, depois um pequeno espigão de água ameaçou acertar-me em cheio na cara, em resposta ao qual me substituí por um calhau próximo.
- Rai’s parta o puto!
Concentrei chakra e agarrei numa kunai invertida, passando para ela a minha vontade de assassinar. Depois juntei as pernas e concentrei chakra formando uma cauda. Corri, ou melhor rastejei velozmente em direcção a Seiji, que se tentou desviar no último momento. Mas ainda assim a faca raspou-lhe a pele e a ilusão passou. Soquei-o empregando toda a minha força, mas não o consegui sequer abalar muito, apenas o suficiente para o tirar da ilusão. Enquanto caía, pontapeou-me com força na mandíbula, levando-me a cair com ele. Levantei-me de um salto e agarrei numa outra kunai. Passei para ela o meu chakra e corri para o meu irmão. O rapaz saltou e acertou-me um valente pontapé rotativo, seguido de um outro. Como se não bastasse ainda se enrolou á minha volta como uma cobra. Estava preso.
- Agarrei-te, literalmente, onii-san – disse ele sorrindo.
Naquele aperto, vi o fim da linha. E foi então que a solução me surgiu na mente, clara como água. Rodei a kunai que tinha na mão para tocar na pele do rapaz. Por esta altura, embora não as visse, devia pelo menos sentir algo que o prendia como cordas. Aproveitei a distração e espalhei o chakra livremente pelo meu corpo, rastejando para fora daquele aperto como uma serpente. O rapaz quebrou a ilusão e voltou ao seu estado natural, rígido, humano.
- Seiji – reflecti em voz alta – estás acabado.
- Nanda onii-san?
- Bom, como já acabou não faz mal dizer-te. Durante este combate, sentis-te todas as minhas aproximações, mas não os shurikens. Inicialmente pensei que talvez tivesses aprendido a detectar chakra. Mas se assim fosse porque não evitaste a kunai com a ilusão? Estive todo o combate a pensar nisto e descobri algo interessante. Tu, evitaste as kunais de água, chamaste uma cobra contra as facas de água. Assim a solução para a charada torna-se evidente, tu consegues detectar não o chakra, mas a água nos corpos. E nesse caso.. – conclui enquanto juntava as mãos e concentrava chakra – Kirigakure no jutsu.
Esgotando as minhas reservas de chakra usei toda a humidade do ar, tentando gerar ainda alguma água eu próprio, para criar o nevoeiro mais denso alguma vez visto em Suna. Depois aproximei-me do rapaz imóvel, vendado e duplamente cego com este nevoeiro e conduzi-o pela mão.
- Vamos para casa, Seiji, acabou.
E não podia deixar de me surpreender. O meu irmão recém-graduado, cego, estava-me a vencer, a empregar técnicas que eu não domino. Não fazia ideia de onde as tinha aprendido, mas vi a utilidade em tudo aquilo.