Não estou a pedir para ser salva…
É demasiado tarde para isso…
Só peço que me encontres…
Três anos e meio…
Dizem que o tempo passa a correr. Sinceramente, não vejo a veracidade em tal afirmação. Aqui, o tempo passava ao meu lado, da outra margem da fronteira da sanidade, com um sorriso esplendoroso e a acenar para mim enquanto dançava com a intenção de me gozar.
Há 56 dias que o sol não beija a minha pele. O meu estômago rugiu. Durante estes anos a comida não era boa. Se era porque estava mal cozida ou porque estava emprenhada de drogas, nunca soube. Há 25 horas que não comia. Não sei a razão, mas o que é certo é que também não ouvia os sons habituais do lado de fora desta barraca.
Não sei onde estou.
Há três anos e meio estava numa missão com a minha equipa. Tínhamo-nos separado por alguma razão que agora está bastante nublada na minha memória. Enquanto andava pela floresta, tinha ouvido um grito. Lembro-me que na altura pensava ser o chamamento da rapariga da qual andávamos à procura. Agora sei que isso não era verdade. Pelo menos, não inteiramente.
De qualquer forma, fui atraída para um local estranho. Subitamente sentira-me numa grande poça de sangue. Um único corpo, banhado em sangue, que continha o cheiro da morte.
O meu… Logo, tudo ficara escuro – negro e vazio.
Deste então, os sítios por onde tenho andado variavam de acordo com o risco de sermos apanhados por algum shinobi pertencente a alguma vila. Nem sempre me prendiam numa barraca de madeira, que o sol do meio-dia transformava numa estufa. Desde que estou nesta barraca específica, tentei quebrar a porta várias vezes, sem nunca ter sucesso. Acho que, o que quer que a água tivesse impedia-me de concentrar chakra suficiente para fazer um jutsu, mesmo o mais simples.
Quando aqui me trouxeram pela primeira vez, reparei que havia uma casa ao lado da minha barraca. Era aí que dois homens e uma mulher viviam… e de uma maneira estranha, tratavam de mim. Nunca lhes vira a cara pois usavam sempre uma máscara, mas conhecia a voz deles. Não que falassem muito comigo, mas às vezes davam-me ordens. Aos poucos consegui perceber quando estavam mais irritados, ou até mesmo cansados. Porém, eu sabia que não eram aqueles três quem estava por detrás disto. Mas fizera uma promessa… não contaria a ninguém nada do que tinha visto e em troca teria algo, um desejo concedido.
Até hoje ainda não sabia se a parte deles teria sido realmente cumprida. A minha sei que foi, pois não tinha com quem mais falar.
O vento soprou gracioso, e com ele trouxe sons que sabia não serem normais neste local. Ouvia vozes quase imperceptíveis. Duas… não, três pessoas diferentes. Levantei-me para me dirigir à porta, talvez para pedir ajuda.
Pára!
Uma enorme dor atingiu as minhas têmporas, fazendo-me recuar. Outra vez não. Não podia estar a acontecer de novo. Encostei-me à parede contrária à porta, buscando o equilíbrio físico.
Está a doer...
Pressionei ambas as mãos contra a minha cabeça e deixei-me cair até ao chão, esperando parar com isto.
─ Avô, está alguma coisa a mexer-se naquela barraca.
Uma voz de criança fez-se ouvir do lado de fora. O que está uma criança a fazer aqui? Uns passos aproximaram-se.
─ Está alguém aí?
Clareei a minha garganta para responder, mas quando tentei produzir um som, uma vaga de dor atravessou a minha espinha, como se uma enorme faca gelada estivesse a empalá-la alegremente.
Um estrondo enorme abalou os meus sentidos. Estavam a tentar abrir a porta à força. A dor tinha parado. Mais um forte estrondo deu-se. Desta vez, um pedaço de ramo empalava friamente a porta. Ao alargar, a força que fez foi suficiente para quebrar a entrada em pedaços.
Doton?A luz que entrou era ainda demasiado fraca para me cegar momentaneamente. Uns passos pequenos e hesitantes passaram pela porta. Uma respiração entrecortante e ansiosa aproximou-se de mim.
─ Kiria, não te disse para ficares atrás de mim? ─ Disse a voz de um velho. Uma voz que me era terrivelmente familiar.
─ Mas vô, é só uma rapariga. ─ A voz da criança continha um gemido que forçava qualquer adulto a ceder ao pedido.
Subtilmente, agarrei um pedaço partido do prato que usava para comer, tentando reproduzir algo que se assemelhasse a uma arma. Tentando não mostrar ansiedade, levantei-me o mais rapidamente que conseguia ao mesmo tempo que via um vulto entrar na barraca.
─ Acalme-se menina, não estamos aqui para lhe fazer mal. ─ A voz do velho soou calma e de certa forma amigável, enquanto os meus olhos fugiram para as duas crianças que seguravam veemente as calças deste.
Quando finalmente olhei a cara dele, a surpresa tomou conta de mim ao reconhecê-lo. Denotei que também ele parecia surpreso. Tentei falar, mas o velho foi mais rápido.
─ Pequena Miyuki?
No momento em que dei o primeiro passo para fora daquela barraca, um aglomerado de perfumes estimulou as minhas narinas, satisfazendo o meu peito. Um vento irregular provocou o meu cabelo e soprou contra o corpo inteiro. A luz do sol que fendia as montanhas derramou-se sobre a minha pele. Um calor alegre fez-se sentir na minha cara, enquanto a manhã queimava as estrelas que teimavam em prolongar-se pelo amanhecer.
─ Eu soube do teu desaparecimento. ─ Disse o velho Takasu atrás de mim. ─ Aliás, o teu irmão e mais uns amigos vieram aqui pedir ajuda para te procurar.
Quando por fim olhei de novo para ele, interiorizei tudo o que se passara. Aparentemente estava em Kiri e o velho Takasu era o sensei da equipa do meu pai do tempo em que a minha família morava aqui, algures. Era conhecido por ser bastante ríspido com os seus alunos, mas apesar disso, tratava de mim e dos meus irmãos como se fossemos seus netos, e com um carinho que deixava o meu pai perplexo.
─ Onde é que estamos exactamente? ─ Perguntei, ao mesmo tempo que me sentei no chão. Estava a ficar sem energias.
─ A 30 milhas da aldeia onde cresceste. ─ E antes que eu pudesse perguntar a razão pela qual estavam eles tão longe da aldeia, o velho olhou para os miúdos. ─ Vamos pegar nas coisas para voltar para casa?
O rapaz respondeu alegremente, mas a rapariga fixou, ainda tímida, o olhar em mim, abstendo-se de retorquir. Sorri o mais amavelmente que conseguia naquele momento.
─ Chamo-me Kiria. ─ Disse a meia-voz.
Logo aproximou-se de mim e estendeu a sua mão, na direcção da minha. Antes que eu pudesse retribuir o cumprimento, uma nova vaga de dor assolou-me, desta vez mais forte do que as anteriores, forçando todo o meu corpo a contrair-se.
Ao longe conseguia ouvir a voz do velho, a desvanecer-se. A visão toldou-se-me. E a noção de tudo foi-se perdendo conforme os segundos passavam.
Ajuda-me, por favor...