Era inverno, mas a chuva era rala e a neve inexistente. Uma espécie de névoa cobria o país, dando ao ambiente um ar sinistro de suspense. Mas, naquele lugar, me sentia acolhido e amado. Me sentia feliz. Estava na casa de meu avô, um ex-ninja que servira na Segunda Grande Guerra Shinobi para o exército de Kiri. Ele era o líder do pelotão de estratégias. Sob seu comando, inúmeros soldados lutaram, para honrar a Vila amada. Muito sangue correu. A Vila da Névoa Sangrenta agora esbanjava sangue não só para os seus adversários, mas por causa dos seus adversários.
- Ainda possuo marcas da guerra. - ele arregaçou a manga, mostrando uma feia cicatriz no braço esquerdo. - Meu pelotão cruzou com um grupo de Kumo, que ia em direção a Konoha. Passaram por nós para se reabastecerem, indo pelas fronteiras menos vigiadas do País do Fogo. Contudo, não esperavam ver ninguém, muito menos um grupo shinobi, pois aquela era uma missão de reconhecimento-espionagem secreta. Eles nos atacaram e um deles me cortou com uma kunai, cortando-me profundamente no braço. O ninja médico tentou me curar após a batalha, mas eu já havia perdido muito sangue. Não havia modos de estancar o ferimento rapidamente, então aqueceram um ferro e colocaram na ferida. Doeu muito, mas fiquei vivo.
Àquela altura eu já estava enjoado. Tinha dez ou onze anos, e ainda não estava preparado para ouvir tais atrocidades.
- Isso faz parte de alguma estratégia sua? - perguntei.
- Por que diz isso?
- Estamos jogando shogi e você começa a colocar imagens desagradáveis na minha mente. Assim eu não consigo me concentrar.
- Entendo. Nesse caso... xeque-mate.
- Hã? Mas como?
- Você nem percebeu. É hora de começar a abrir sua mente. Venha comigo.
Segui ele, indo até os jardins da casa, onde havia inúmeras mordomias para um sessentão aposentado. Uma grande piscina, um ofurô, alguns bonecos de madeira para treino e, claro, muita neve. Curiosamente, os flocos de neve caíam somente naquela casa, fosse inverno ou verão. Ou, pelo menos, quando eu ia lá. Ele me levou até um grande tabuleiro, de quase dois metros de largura, muito semelhante ao de um shogi comum. Porém, cada peça representava um pelotão ninja, e o conjunto deles, um exército.
- Você jamais deve sair da batalha quando entra em uma. É preciso focar sua mente nela, a tudo que ocorre ao redor. Cada detalhe fala, grita, exclama. Só é preciso ouvi-lo com atenção.
- Como assim, vô?
- Certo... serei mais didático. Se um adversário saca uma kunai, você pode ver ou não. É um detalhe de muita relevância. Se você não ver esse pequeno gesto, pode significar a sua derrota.
- Então eu devo apenas me concentrar nos detalhes?
- Não. Como disse, os detalhes clamam para serem ouvidos. Esteja sempre à frente dos oponentes, sempre à frente do que ele pode fazer. Tenha sempre um plano B, C ou até D. Para cada gesto, inúmeras reações. Planeje seu próximo golpe. Não seja como os outros, que atacam o veem. Mas não deixe de atacar. Seja prudente, mas nunca seja intimidado. Pensando à frente do inimigo, estando um passo além dele, poderá vencer até o mais célebre ninja. Use e abuse da sua mente. Ela é sua melhor arma.
Fiquei digerindo aquelas frases por um bom tempo. Me senti idiota, insignificante, diminuído; fraco. Aquele homem era um poço de saber, um saber que sua mente abrangente e sua longa experiência de vida lhe proporcionaram. Fiquei olhando para ele, o olhar opaco e distante tornando-se um forte olhar de determinação.
Nota: Para Kadmos e ao Killer, que não acreditaram que um ser de 2 de raciocínio não poderia criar boas estratégias, faço desse texto uma singela homenagem.