Era uma noite de lua cheia em Kirigakure no Sato. A residência do patriarca da família Asakawa estava iluminada por centenas de velas que dançavam na fria brisa noturna. Elas estavam espalhadas pelos jardins, algumas flutuavam em pequenas gôndolas de madeira sob o compasso do riacho que cortava a propriedade até desembocar num profundo poço, e outras mostravam o caminho do velório aos tristes visitantes.
Vestido de preto, Minoru possuía um semblante arrasado. Apertava repetidamente as mãos dos recém-chegados e agradecia a presença de todos para a última homenagem a seu querido pai. A tristeza era tudo que Ran via no rosto de seu pai. Também sentiria falta de seu avô, mas ainda era muito nova para saber o que a morte de um ente querido significava para uma família unida.
Seu avô era uma pessoa carinhosa e sempre sorridente. Possuía um lindo cabelo grisalho e nunca deixava de levar consigo um antigo cachimbo que herdara de seus antepassados. Veterano da última guerra ninja, ele sempre procurava o caminho pacífico para solucionar conflitos, o que lhe rendera o apelido de “Oráculo do Cachimbo”.
Mas naquela noite não havia mais sorrisos. A cerimônia começara com um cântico religioso e Minoru sabia que deveria entrar. Chamando Ran para dentro, pediu aos criados da residência que guardassem o local até a passagem do cortejo. E uma vez lá dentro, ajoelhados e perfilados estavam alguns amigos da família e representantes de outros clãs.
- Pai, porque o tio não apareceu? – Sussurrou a garota agarrando o kimono de Minoru.
- Talvez ele esteja sofrendo muito Ran e desejou ficar sozinho para pensar.
Após alguns minutos, o cortejo iniciou sua trajetória à casa funerária. Andando por entre as ruas da vila, Minoru recebia as condolências dos transeuntes. Alguns deles comentavam a ausência do filho mais novo do falecido, mas estas indagações eram respondidas apenas por um desconfortável silêncio. Ainda assim, o cortejo prosseguia com cânticos, velas e incenso. Ganhando corpo a cada esquina.
Ao chegarem à casa funerária, a pequena garota chorava no colo de seu pai, enquanto o monge orava pela última vez. Perguntando se alguém gostaria de dizer algumas palavras antes da cremação, o monge olhou assustado para o fundo da funerária. Minoru fez menção de levantar a mão, mas foi logo interrompido por um grito estridente vindo das últimas fileiras de pessoas, causando um murmúrio na multidão.
Era Ishioka, o único irmão de Minoru. Ele segurava uma grande cabaça nas mãos e aparentava estar completamente embriagado. Trazia consigo o restante da família. Madame Takeda, sua esposa. Mei, a criada. Tomoru o único filho. E alguns capangas que abriam caminho enquanto ele avançava cambaleante. Chegando perto do altar, não cumprimentou os outros membros do clã e esbravejou com seu hálito encharcado de saquê:
“Tenho visto que o velho era possuidor de grande admiração pela vila. Hic. Mas fiquem sabendo que ele era um covarde! Hic – Minoru começava a ficar vermelho, enquanto a população escutava com espanto – Hic. Ele nunca quis trazer a honra para nosso clã. Seus ideais de paz e tranqüilidade nos fizeram fracos e desonrados. Hic. A partir de agora isso mudará!” – Terminou dando um grande gole na cabaça.
Minoru levantou-se, mas foi impedido de avançar pelos capangas. Ishioka Asakawa, após cuspir o que bebia, arremessou a cabaça no oratório. Jogou uma kunai, rasgando a cabaça imediatamente. O líquido inflamável espalhou-se e logo se incendiou ao entrar em contato com as velas. As vestes do corpo pegaram fogo facilmente. E em poucos segundos, todo o local estava em chamas. Tudo isso sob as gargalhadas do bêbado.
Ran assistia a tudo sem saber como proceder. Ela procurava Tomoru na agitada multidão, mas não conseguia vê-lo. Segurava firmemente a mão de seu transtornado pai, olhando para cima à procura de seus olhos. E quando os encontrou ficou surpresa ao ver, pela primeira vez, a fúria no olhar de Minoru.
Fim do Filler II.
Continua...