Descoberta
— Eu- eu não acredito.
A morena levantou-se num salto, a irritação a invadir cada célula do seu corpo. Porque raio é que eu fui na conversa daquela lunática perseguidora?! Acabou! De vez! Pousada na mesa de madeira, o faqueiro de metal estava preenchido por talheres de prata, perfeitamente ordenados e limpos, reflectindo a ténue luz que escapara da protecção oferecida pelos cortinados. Nada de scrolls secretos ou fotos comprometedoras, como deduzira Atsuko. Única e exclusivamente o tesouro mundano da sua mãe. Perdi noites de sono por causa de facas?! A sério?!! Quando apanhar aquela tipa, ela está morta!
O som de talheres chocalharem uns contra os outros despertou-a do seu acesso de fúria, fazendo-a fitar o moreno que retirava, sem cuidado algum, os objectivos resguardados pela caixa, pousando-os em seguida ao longo da mesa escura.
— O que raio estás a fazer?! — exaltou-se ela, vendo a prata embater contra a superfície encerada.
— Esta é a nossa última hipótese, certo? — perguntou, sem desviar os olhos do que estava a fazer — Tal como tu, não acredito nesta história da tua avó ter uma chave na mão só porque Kami-sama assim o quis. Portanto, nem penses que vou deixar que esta caixa seja um beco sem saída.
Fitou o rapaz que depositava os últimos utensílios na mesa. Optimista como sempre. As mãos dele tactearam o interior da caixa, percorrendo cada milímetro na esperança de encontrar alguma irregularidade. Estava prestes a demovê-lo da sua busca infrutífera quando os olhos dele se esbugalharam. Sem precisar que o outro dissesse o que quer que fosse, raptou uma lanterna do interior de um dos armários, iluminando o local de trabalho com a luz fluorescente.
Com o máximo de cuidado que possuía, Atsuko cortou um dos lados do forro que cobria as paredes interiores com a ajuda de uma das facas assentes ao seu lado, antes de o remover devagar, deixando à mostra o metal escurecido pelos anos. Assim que terminou, os dois amigos trocaram um olhar de choque, antes de esboçarem um sorriso de vitória.
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— Boa tarde e bem-vindo!
O homem de cabelo negro sorriu abertamente em resposta, sentando-se numa das mesas vazias. O restaurante estava praticamente deserto, havendo apenas mais um casal de clientes a anteciparem a hora do jantar. Ou então a almoçar tardiamente.
— Isso não interessa. — sussurrou ela, adivinhando os seus pensamentos, fazendo-o sorrir ainda mais.
— O resto é contigo. — respondeu, pegando no menu à sua frente.
Sem necessitar de outra instrução, a sua companheira cruzou o restaurante discretamente em direcção às traseiras, deixando-o para trás. Tirou o capuz, deixando as luzes beijarem os fios negros que se mantinham espetados para todos os lados. Recostou-se para trás na cadeira, analisando cada tópico da lista nas suas mãos. Agora é esperar.
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Fitou-o de novo, antes de desviar o olhar. Havia alguma coisa nele que atraía a sua atenção. Não devia ter mais do que vinte e poucos anos, a roupa informal e a sua pose descontraída ajudavam a frisar a ideia de um jovem simples, livre de preocupações. Abanou a cabeça. Desde quando é que se sentia atraída por clientes? Inspirando profundamente, pegou no prato de sushi e caminhou em direcção a ele.
Trabalhava ali há pouco mais de dois meses, mas já conseguira conquistar a confiança de Shinju, o que significava acesso privilegiado a tudo o que envolvesse o restaurante. Com um sorriso mais aberto do que o habitual, parou ao lado do moreno, pousando o pedido mesmo à sua frente, aproveitando para se abaixar mais do que o costume, oferecendo-lhe uma visão privilegiada do decote.
Viu-o sorrir em resposta, o seu olhar viajando desde a abertura da blusa, aos olhos castanhos-escuros da empregada. Ela sorriu interiormente. Está no papo.
— Quer fazer-me companhia? Afinal, sou praticamente o único aqui. — convidou, a sua voz rouca e baixa fazendo-a perder qualquer tipo de pensamento que não fosse aceitar a proposta.
Deitando um olhar ao casal que não parecia interessado em nada que não fosse a sua própria conversa, sentou-se à frente do estranho que lhe lançou um sorriso, no dicionário dela associado à sedução. Não que isso fosse preciso.
— Então, gostas de trabalhar aqui?
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— Emi!
Antes que pudesse reagir, sentiu-se a ser abraçada por trás, os seus pés longe do chão. Quando Atsuko decidiu largá-la, fazendo-a respirar de alívio, deu de caras com um olhar reprovador e um dedo apontado directamente ao seu nariz.
— Onde é que andaste? Deixaste-nos preocupados!
A morena deu-lhe um cascudo na parte de trás da cabeça, fazendo-o reclamar em dor. — Não lhe faças perguntas desnecessárias.
— E desde quando é que tu és a especialista em tacto? — contestou, recebendo um olhar fulminante como resposta.
Aruko virou as costas a ambos, encaminhando-se para o interior da floresta, o cabelo longo apanhado num alto rabo-de-cavalo. Sem olhar para trás, e ignorando o monólogo irritado do amigo, inspirou antes de levantar a voz. — A propósito, bem-vinda de volta.
Se tivesse olhado para trás, teria visto o sorriso do amigo suplantar a irritação momentânea, e o seu braço envolver os ombros da colega, obrigando-a a seguir a morena, já que a loira parecia demasiado surpreendida para reagir.
A única coisa que talvez não visse, era o par de olhos negros a fitar a cena, o som do vento a passar pelas folhas camuflando a sua respiração.