“-Obaasan, fico bonita assim? – Questionou a voz feminina e fina que acompanhava o corpo infantil que saía por detrás do armário, metido dentro de um longo kimono com padrões florais de diversas cores espalhados ao longo do tecido que cobria-lhe todo o corpo, só mostrando um pouco dos seus pés.
-Minha pequena, és linda de qualquer maneira, vais ser uma bela adulta! – Elogiou a idosa sentada na poltrona para o qual a criança se referia, aplaudindo a pequena com bastante alegria – Sora, herdaste certamente a beleza da tua mãe.
A pequena criança levantava as alas à sua vestimenta, saltitando até perto da sua avó materna, esta que a agarrava pelas pernas e a colocava ao seu colo. Sora esticou a sua cara até os seus lábios finos beijarem a pele rugosa da sua familiar enquanto esta passava as mãos pelos cabelos da sua amada neta, retribuindo-lhe o afeto carinhosamente.
-Um dia espero vir a ser tão bonita como a mãe ou como a Obaasan! – Avisou a pequenota conseguindo soltar uma leve gargalhada por parte da idosa que segurava o frágil corpo da sua protegida com um forte e quente abraço. ”

A adolescente, sentada por cima da sua cama, abraçava-se fortemente à sua almofada, apertando-a contra o peito. A sua cara refugiava-se no meio da suavidade do encosto, sem que os olhos se desviassem da janela onde podia ver a neve a cair de forma lenta e graciosa.

“Mesmo dentro da cozinha, ouviam-se as gargalhadas e euforia provocada pela família reunida na sala. Sora, em cima do balcão, contia algumas lágrimas teimosas que escorriam-lhe pelas órbitas azuis. Mais abaixo, a sua mãe soprava contra uma ferida superficial no joelho da sua filha, raspando depois com um pequeno pedaço de algodão para absorver as poucas gotas de sangue do arranhão.
-Muito bem Sora, estás a ser muito corajosa! – Encorajou o pai que agarrava numa das mãos da sua filha e a fitava com grande calma e confiança, conseguindo transmitir esses mesmos sentimentos para a chorosa criança – Pode ser que venhas a ser tão forte quanto eu, ahahah!
-Pai, mãe, eu não quero que vocês se vão embora. Eu não quero que a obaasan nem o ojiisan vão embora! Levem-me com vocês! – Pedia a pequenota não conseguindo conter uma lágrima audaz que escapava-lhe pelo rosto.
-Filha… - Suspirava a sua mãe levantando-se da posição de cócoras após ter colocado um penso rápido no arranhão. Passava a mão pela bochecha da sua protegida, limpando-lhe assim a lágrima – Sabes que te amamos muito, nunca te vamos abandonar, nem os teus avós. E os pais do teu pai vão ficar aqui contigo, não te preocupes docinho.
A pequena Sora deixou um soluço escapar e o pai não resistiu a abraçá-la e a beijá-la na testa carinhosamente. A filha agarrou o seu progenitor pelo pescoço, encostando a sua cabeça ao peito dele. A mãe sorria, orgulhosa da situação que testemunhava, agarrando-se também à sua amada família, contribuindo para o abraço.”

A adolescente afagou a cabeça na almofada e um aperto no coração irrompeu-se no momento silenciado. A neve continuava a cair incessante e persistente. O vidro da janela começava a embaciar, e alguma neve aglomerava-se no parapeito lentamente. A lua começava a deixar alguns dos seus belos raios aparecerem, mas sempre eram escondidos quando as atrevidas nuvens negras os intersetavam. Desviou o olhar da janela e escondeu-o no meio do encosto, sentiu o novo aperto no coração e os olhos ardiam-lhe cada vez mais. Não teve força suficiente, o choro incontrolável desabou por fim onde rios de lágrimas deslizavam pela pele fina, pingando pelas extremidades do rosto.

“Soratsuhi saltitava na sala de estar enquanto os seus avós paternos olhavam para ela, sorridentes. Esta parou à frente do pinheiro de Natal fitando o seu topo, onde uma pequena estrela cintilava e partilhava a sua beleza a toda a sala. Sora esticou o seu braço tentando alcança-la, mas era fisicamente inalcançável. Colocou-se em pontas de pés e esticou o seu braço, mas a estrela encontrava-se distante demais. Sem ter o que queria, a criança mimada irritou-se apertando um dos ramos do pinheiro de plástico com força… Até que este se congelava instantaneamente.
A pequenota assustou-se e recuou alguns passos até cair no chão de rabo. Os avós trocaram olhares entre si, estupefatos, que depressa mudavam para algo mais sério. O idoso foi o primeiro a levantar-se, ajoelhando-se posteriormente à frente da sua neta, que olhava para o ramo congelado, confusa.
-Não te mexas Soratsuhi, temos uma surpresa para ti! – Anunciou o avô paterno piscando-lhe o olho e fingindo-lhe um sorriso de orelha-a-orelha.
Sora enxugou as lágrimas e fitou o seu avô, mostrando logo um sorriso. A pequenota adorava surpresas, e logo na altura que ela mais adorava: o Natal. Enquanto esta se distraía com o avô e com os seus pensamentos sobre a falada surpresa, a avó caminhava atrás dela, a passo fininho com uma saca na mão. Tal saca que rapidamente era amarrada em torno da cabeça de Sora…”

As lágrimas não paravam e a adolescente de cabelos negros só apertou a almofada com mais força. A neve exterior sincronizava-se com o choro da Genin e, por fim, alguns raios lunares conseguiam penetrar por entre a escuridão proporcionada pelas nuvens negras no alto do céu, dando nova claridade ao quarto repleto de mágoa.

“-LARGUEM-ME! LARGUEM-ME SEUS ANIMAIS! EU ESTOU BEM, LARGUEM-ME, EU ESTOU BEM! – Gritava uma mulher que esperneava o seu corpo numa tentativa de resistência ao forte aperto dos dois homens que a seguravam e tentavam acalmar – EU ESTOU BEM!
Uma densa multidão aglomerava-se à volta do sucedido. Uma mulher de bata coberta de sangue na barriga, o seu próprio sangue, que não conseguia disfarçar as marcas no pescoço e barriga. Os dois homens, que pelas vestes podiam ser identificados como médicos, agarravam a insana mulher pelos braços e espetavam uma seringa numa veia localizada no pescoço. A resistência da maluca continuava forte, mas, gradualmente, diminuía de potência até que a sua inconsciência lhe dominasse o corpo.
Distante, mas o suficiente para ver a cena, Sora chorava ao ver a mulher a ser arrastada pelos médicos. Por detrás de si, surgia um vulto alto que pousava as suas mãos pesadas por cima dos ombros da Genin, que virava a sua cara repleta de lágrimas para trás.
-A tua mãe… Enlouqueceu… Cabe-me a mim tomar conta de ti agora… - Explicou a voz grossa desse vulto, ao qual a adolescente reconhecia como a do seu pai, que fitava a sua ex-mulher com uma certa indiferença, mas sem ocultar tristeza.
A Mitsuko não deu importância ao seu olhar, limitando-se a abraçá-lo com todas as suas forças. Contudo, o progenitor não retribuía o afeto… O seu olhar não retirava-se da mulher que amava, a ser arrastada por médicos, num estado que nunca esperava presenciar… ”

Soratsuhi fungou o nariz e limpou algumas das suas lágrimas à fronha da almofada, mesmo que mais um rio delas continuasse a descer pelo rosto. O seu olhar voou para fora da janela, onde os flocos de neve caiam lentamente. Naquela altura, eram o símbolo da sua tristeza, acompanhavam as suas lágrimas, tal como acompanhavam toda a sua vida, desde o início… A neve, é “quem” melhor conhece a Genin… “Quem” conhece o seu passado, sofrimento e desespero…
Continuou a reviver aqueles momentos, vezes e vezes repetidas. O seu corpo tremia, até que se deixava tombar por cima da cama, abraçado à almofada…