Kou partiu em meio à floresta ainda clareada pela luz do dia em direção ao rio que havia ali perto. Precisava de água. Encheu os três cantis que possuía e logo estava de volta. Ayane estava atirada ao chão, ofegante, e removia um dardo do braço. Tohru terminava de amarrar a recém capturada ainda desacordada numa árvore, mas era visível seu estado: Sua testa tinha um corte profundo de faca; em suas costas, dois dardos estavam presos; a camisa, totalmente ensanguentada. Provavelmente faltava pouco para ele desabar, bambo.
Em realidade, não faltava mais nada. Se Kou não tivesse sido rápido, ele teria caído no chão. Estava desacordado. O franzino genin o colocou perto de sua parceira, que se encontrava de mesmo modo inconsciente. Era o veneno dos dardos, que se assemelhavam aos do coelho encontrado há um dia. O moreno estendeu um lençol branco que havia em sua mochila e lá começou a organizar seu material, desde ataduras até pomadas e guentos. Pôs ao seu alcance sua Tanto para cortes e pegou também duas das quatro seringas com conteúdo róseo que a velha Gael havia lhe entregado. Começou pela kunoichi. Fez um torniquete no braço atingido da garota, enquanto analisava-a por completo. Checou-lhe o pulso e verificou-lhe os olhos.
- Ótimo, sinais promissores – murmurou o menino. Removeu a tampa da seringa com a boca e a aplicou num ponto preciso do braço, o mesmo que sofrera o ataque do veneno. Em seguida, passou a pomada com cheiro de alecrim nos cortes mais superficiais. Nos mais profundos, aplicou um pouco do guento cinzento, depois os cobriu com ataduras. O mais urgente era o veneno, mas a essa altura, o antídoto começava a fazer efeito. Kou soubera que se tratava de um antídoto no momento em que a senhora hospitaleira o havia entregado. Identificou pelo aroma. Terminando, partiu para Tohru. Com sua Tanto, o genin rasgou a blusa banhada em sangue, e pode ver que seus ferimentos eram muito mais graves: havia um horrível corte de cerca de dezesseis centímetros de comprimento no peito e outro, de sete, nas costelas, os quais Kou tratou inteiramente com a potência de seu chakra. Das costas, removeu com cuidado os dardos e aplicou apenas uma das seringas. Os cortes no rosto foram tratados com uma pomada azulada, enquanto o ferimento no braço esquerdo havia sido medicado com um ninjutsu básico e algumas faixas.
Depois de tratar seus amigos, Kou cuidadosamente voltou a guardar tudo, assim que lavou seus aparelhos. Tohru não demorou muito para acordar. Ele o fez no momento em que o genin menor ainda terminava de cuidá-los. O moreno franzino teve o imenso cuidado de não mostrar suas mãos, ainda ensanguentadas, para o grandão até eu estas estivessem limpas.
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
Passaram-se, ao todo, três horas. O céu já se assemelhava a um véu negro, mas as estrelas pareciam mais brilhantes, mesmo que algumas ainda estivessem tímidas atrás de filetes de nuvens. A Lua prateada cuidava para que a floresta não estivesse completamente escura.
Era a vez do Mitsukubane de vigiar a louca. O problema é que ela não era exatamente o tipo mais fácil de lidar. Ayane, já curada, estava quase arrancando todos os fios daquela cabeleira rósea, e Tohru, quando ficou sozinho com ela, pareceu quase espantado e aflito. Kya havia deixado bem claro: capturá-la – algo raro de acontecer – era uma coisa. Fazê-la cooperar era outra, completamente diferente.
Kou, no entanto, já estava a se preparar psicologicamente para tal fato. Estava entardecendo e o sol já se escondia por trás dos montes rochosos. Arquitetaram o plano de agir na calada da noite, mas para isso, precisariam de uma ajuda improvável e irritante. O menino, por um instante, encontrou em meio aos seus pensamentos as palavras de Mai: “Você é um menino ingênuo”. Aquilo o irritava.
Sentiu suas bochechas se enrubescerem. E estranhamente, se lembrou de uma tarde em que havia sentido o mesmo de uma tarde que havia passado com seu sensei perto das montanhas, três dias após sua graduação como shinobi.
Chovia, o que era incomum. Mas aquilo animava Kou. Sempre gostou do tempo chuvoso. Jin estava sentado ao seu lado, dentro de uma caverna pequena e úmida numa das montanhas em torno de Kumogakure no Sato. O treino marcado de última hora havia sido interrompido pelo tempo, mas mesmo assim, o professor achou que poderia trabalhar qualquer coisa.
- Sabia que Ayane e Tohru são excelentes genins? Pude treinar com eles no dia anterior, e cheguei à conclusão de que são de um potencial incrível – comentou o professor, jogando para trás seu cabelo ruivo ainda molhado.
- A Ayane-chan sempre foi incrível, senhor. Ela vem de um clã muito poderoso também! E que o Tohru é extremamente forte, não duvido disso! – concordou o pequeno, polido.
- Mas e você? Vejo que tens aptidão para a medicina... Diga-me, é isso que quer?
- Meu pai, senhor, se sacrificou para ajudar muita gente... – o garoto fitava o chão - E eu quero ajudar muitas pessoas, assim como ele! Nem que eu tenha que trabalhar duro para isso! – falou determinado.
- Você é um menino ingênuo, Kou – ao dizer, Jin passou os dedos no cabelo do menor – Bem, vamos brincar um pouco. Sabe ler expressões?
- Ler expressões, senhor?
- É! E não precisa me chamar de senhor o tempo todo. Costumo brincar disso com as crianças da creche em que voluntario. Vamos, diga-me, que expressão seria essa? – e o professor contraiu as sobrancelhas, abrindo um pouco as narinas e comprimindo os lábios.
- Parece-me um tanto quanto bravo – afirmou o genin, rindo-se.
- Sim, é certo – Jin então desfez a carranca e moldou outra expressão, desta vez mais sutiu.
- Impaciência? – arriscou Kou.
- Não, não... Creio estar mais para teimosia, sabe? – corrigiu, risonho. E os dois passaram aquela tarde ali, brincando com as formas dos rostos. E em muitos outros treinos professor e aluno ficavam a treinar aquilo. Quando estavam juntos, moldam e moldavam expressões até que o outro conseguisse adivinhar. No fim, era um jogo que distraia Kou enquanto ele pensava em Lince. Jin era sutil quanto a isso, mas não queria seu pupilo mal. Mesmo assim, brincar com caretas ainda sim lembrava a garota, que foi uma boa forma de praticar essa leitura. Na maioria das vezes, embora que não percebendo, o menino chegava a entender o que ela sentia por conhecer a emoção que carregava. Mas ela era um desafio a parte.
No entanto, a sentinela em sua frente, a Kya, parecia alguém muito menos promissora para refinar suas expressões. Seria como brincar do “Jogo das Expressões” novamente, mas desta vez, lê-la corretamente evitaria emboscadas ou má vontade.
A menina estava amarrada por algumas linhas shinobi, presa sentada a uma árvore, de modo que até respirar era complicado. Tohru havia feito um bom trabalho. Kou se aproximou e sentou-se em sua frente, encarando-a com seu habitual e gentil olhar, e achou graça disso, pois ela estranhou na hora.
- És retardado? – gritou, puxando as amarras para frente, mas sem sucesso.
- Oh, não, só queria conversar um pouco – e novamente agradeceu por ter um dos ouvidos surdos.
- Nem tente arrancar informações de mim como seu amigo frouxo e a outra, a surtada – Kya rangeu de forma ameaçadora os dentes. Kou leu: “
Determinação”.
- Pois bem, é uma pena. Sabe, você fez aqueles venenos de maneira bem porca. Foi quase um insulto para os ninjas médicos que existem – Blefou o rapaz.
- Como se você sequer soubesse da metade dos componentes – “
Desdém”.
- Sulfato férrico e extrato da casca de um tipo específico de ameixa, essa é a metade exata. O resto é água e alguma técnica de mistura com chakra barata que você teve a ousadia de usar – Na realidade, o rapaz só sabia do Sulfato que se sentia pelo cheiro. As ameixas deduziu por ser uma das únicas fontes abundantes por perto, e pela cor rosada as substância que era quase totalmente orgânica. O resto, completo chute.
- Se quer saber mesmo, vá ter com o Prio. Talvez ele te mostre a maneira súbita de se envenenar alguém. Limpe suas fraldas primeiro antes de achar que pode lidar comigo, verme – Aquilo era um recuo? Kou então havia jogado direito.
- Ou aconteça talvez de darmos outra surra nele, como fizemos antes, o que acha? – Sorriu, provocativo. Ela tentou abocanhá-lo com os dentes metálicos, mas as linhas a impediram – Melhor, iremos lá agora mesmo e acabaremos com isso tudo.
- Como ousa? O que você acha que sabe? – ela falou desdenhosa, mas percebeu-se que havia algo que os genins deveriam saber antes de entrar no recinto. Uma armadilha?
- O que eu sei, é que tem algo meu nesse lugar e que vocês não vão tirá-lo de mim mais uma vez! – gritou o moreno, alterado. Kya gargalhou.
- Então tudo isso é pela Mai? Pois então saiba que ela não tem chance alguma de sair disso. E que nenhuma da guarda permitiria isso. Ela não dorme! Pode tratar de esquecer qualquer esperança de viver seu casinho de amor perigoso com aquela puta!
- O QUE VOCÊ SABE SOBRE AMOR? VOCÊ É SÓ UMA VADIA QUE RAPTA CRIANÇAS PARA SERVIREM DE ESCRAVOS PARA UM IDIOTA! – Kou estava já com a voz rouca de tanto gritar e lágrimas já surgiam em seus olhos.
- Escravos? Isso é somente os que sobram! Afinal, tem que haver um disfarce! Pessoas escolhidas a dedo lutam entre si até a morte lá dentro, e o vencedor acha que consegue a liberdade, mas apenas fica preso nisso, como sua queridinha Mai. É torturante, né? Mas ela leva mais e mais pessoas para o abate. – falou, gargalhando, a louca. Estava com ares de triunfante, até que mirou o rosto de Kou. O menino que antes estava debulhado em lágrimas agora olhava para ela com um rosto um pouco vermelho, porém com aquela expressão gentil e sorridente, como no início da conversa. Assemelhava-se a uma criança que acabara de ganhar um doce.
- Bem, foi realmente incrível a maneira como cooperaste. Sou eternamente grato! – falou risonho, e beijou Kya em sua testa. Ela nada falou, mas Kou conseguiu ler: “
Perplexidade”.