Filler 3 - Dia 1: Manhã atribulada?

A vila escondida da Nuvem encontrava-se encoberta por uma fina e fantasmagórica camada de nevoeiro, e o céu era tapado por leves nuvens, que filtravam a luz do sol com uma graciosidade quase malévola, impedindo-o de tocar nas telhas das habitações com toda a sua força. Yuu acordara há coisa de minutos, ao ouvir o som de loiça a partir vinda de outra qualquer divisão da casa. Esfregou preguiçosamente os olhos enquanto se sentava na cama, tentando afastar a ligeira dor de cabeça que a começava a incomodar. Provavelmente por ter dormido demasiado.
Yuu espreguiçou-se, unindo as mãos e levantando-as bem alto em direcção ao tecto, sentindo todos os músculos dos seus braços e tronco esticarem-se com o movimento. Quando deixou os braços caírem sobre a velha colcha que cobria a sua cama sentiu um suspiro soltar-se dos seus pulmões. Olhou em frente para o espaço vazio, observando inconscientemente o amontoado de partículas de pó que se passeavam por ali. Ontem à noite, após uma série de complicações que haviam envolvido Omoi, o seu pai e o próprio Raikage, Yuu havia chegado a casa de tal modo estafada que o desconfortável colchão da sua cama lhe pareceu a colcha mais suave em que ela já se havia deitado em toda a sua vida. Bastou as suas costas tocarem a superfície para os seus olhos se fecharem, e daí até o sono a atingir com força bastaram alguns segundos. Nunca antes ela havia conseguido adormecer tão rapidamente.
A jovem esfregou os olhos preguiçosamente, enquanto um bocejo a surpreendia. Involuntariamente, começavam a despertar na sua mente as coisas que descobrira na noite anterior, durante a viagem de regresso à casa com o seu pai.

’-Tem a certeza?
-Sim, foi apenas uma confusão. - Assegurou-lhe o pai, sorrindo de modo breve e aparentemente despreocupado. - Como ele te tinha dito, era só um professor provisório. Ia servir só para te distrair enquanto não arranjássemos um professor decente, por assim dizer. E visto que Raikage-sama já conseguiu arranjar alguém adequado para ti, será desnecessário incomodar Omoi-san com essas trivialidades.
-Ainda bem. Não ia conseguir aguentá-lo por muito tempo. - Admitiu Yuu, suspirando de alívio. - Quer dizer… Já viu bem o modo como ele fala? Passa a vida afogado em pessimismo, gah…
-Sim, Omoi-san é um pouco inconveniente nesse aspecto. - Concordou Hyun, rindo-se das palavras da filha. - Mas nada disso invalida o resto. Continua a ser um dos melhores shinobis da vila.
Yuu apenas anuiu. Havia algo mais a pairar-lhe o pensamento, a desfocar a sua linha de raciocínio… Deveria falar com o seu pai, revelar-lhe o que a andara a incomodar desde essa manhã?
-Erm… Pai? - Yuu começou, de modo hesitante. Hyun olhou-a com uma expressão que ela não conseguiu decifrar, e em parte isso apenas serviu para a deixar ainda mais inquieta. - Estou aqui com uma espécie de problema. Quer dizer… É mais como uma dúvida. - Yuu parou por momentos, esperando que o seu pai se pronunciasse. Vendo que ele não o faria, prosseguiu. - Eu… Desde esta manhã que tenho sido ‘seguida’ por uma velha, e ela aparece e desaparece como se estivesse sempre a tentar assustar-me. E o mais estranho de tudo é que…
-Vá, continua. - Incentivou Hyun, vendo a enorme pausa que a sua filha incutia a si própria. Estaria receosa?
-Tenho a impressão de que só eu é que a consigo ver.
Quando acabou de dizer isto, bastaram apenas alguns segundos para o rosto de Yuu assumir uma expressão escandalizada. O seu pai, que nos últimos dias estivera tão sério e ‘carrancudo’, havia-se desmanchado a rir sem qualquer tipo de contenção. E por qualquer motivo, tal fez com que Yuu se sentisse insultada. Profundamente insultada.
-Oh filha… - Começou Hyun, colocando uma mão no ombro da filha enquanto tentava parar de se rir. - Podes não acreditar neste momento, e infelizmente não te posso explicar convenientemente… Mas isso é algo bastante comum no nosso clã. Trata isso com naturalidade e sem dramas por agora. Quando chegar a altura de saberes, saberás.
-Mas…
-Mas nada. - Cortou Hyun, tentando manter a sua filha calada. - Não há negociações. Quando estiveres preparada saberás. Até lá, comporta-te como a boa menina que és.’

Yuu espreguiçou-se mais uma vez, enquanto ouvia a porta tremer com várias pancadas secas. Já vou, pensava ela enquanto um apressado berro a anunciar o pequeno-almoço pairava desde o outro lado da porta até à sua cama, infiltrando-se pelas frinchas da porta e invadindo-lhe a cabeça. Era-lhe estranho ouvir a voz da mão chamá-la: geralmente era sempre uma criada que a vinha chamar para o pequeno-almoço. As coisas realmente estavam a mudar. Demasiado depressa…
Mais alguns berros, desta vez vindos da cozinha. Yuu bradou o ‘Já vou’ que havia pensado há pouco, de modo a que ele pudesse alcançar a cozinha e avisar a mãe de que já estava acordada e prestes a sair da cama. Levantou-se a custo da cama, sentindo uma forte onda de frio envolver o seu corpo com uma violência de outro mundo. Ou pelo menos era o que lhe parecia. Sem perder demasiado tempo (se o fizesse, desconfiava que ia acabar por enregelar ainda antes de conseguir sair do quarto), Yuu agarrou nas primeiras roupas que lhe saltaram do roupeiro sem sequer perder tempo a olhar para elas. Vestiu-se rapidamente, procurando aquecer-se no processo. Céus, a vila da Nuvem era realmente gelada…
Ouviu um novo berro a viajar desde a cozinha até ao seu quarto. Credo, para quê tanta pressa? Yuu nunca antes ouvira a sua mãe berrar tanto (aliás… Nunca antes ouvira um único som que fosse mais alto que um suspiro falado abandonar os lábios da sua progenitora), quanto mais fazê-lo em tão curtos espaços de tempo. Ao enfiar uma última camisola encapuçada pela cabeça, Yuu começava a sentir-se ligeiramente mais confortável. Pelo menos já se conseguira livrar da crescente sensação de frio, o que não era mau.
Quando fixou o seu rosto no espelho polido por cima da sua cómoda (provavelmente o objecto de maior valor naquele quarto - ou pelo menos assim parecia), deparou-se com um par de olhos claros e cansados, acompanhados por um emaranhado de fios castanhos, escuros e enrolados desordenadamente uns nos outros. Tão rápido quanto lhe era permitido passou a escova pelos cabelos, que desembaraçaram com uma facilidade relativa. Ia ficar-se por aí, mas ao lançar um novo olhar ao espelho não se sentiu bem com toda aquela cortina castanha a escorrer pelos seus ombros e costas. Também por mais uns segundos… Sem grandes delongas procurou um elástico nas gavetas da cómoda. Assim que encontrou um, as suas mãos trabalharam o mais rápido que lhes era permitido para atarem o cabelo naquele que era o penteado tão característico de Yuu. Uma última olhadela antes de se afastar de vez: e mesmo depois daquelas voltas, Yuu continuava a sentir-se entediada com a sua imagem. Enfim, tinha tempo para trabalhar nisso mais tarde.
Quando finalmente saiu do seu quarto, encerrando a porta atrás de si, deu de caras com o corredor vazio e a casa num aparente silêncio que não se verificara há pouco, silêncio esse apenas interrompido pelo pesado crepitar de óleo numa frigideira. Torcendo um pouco os lábios num gesto pensativo, Yuu dirigiu-se para a cozinha. Sem dar por isso, acabara por conseguir afastar da sua mente aquilo que mais a tinha perturbado no dia anterior.
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