Kiichi Emi
O despertador tocou exactamente às sete horas e, tal como sempre acontecia, ao fim de um minuto do barulho estridente ecoar no quarto, Aruko levantou-se, praguejando frases desconexas. Assim que o quarto mergulhou de novo em silêncio, atirou-se para cima da cama com os olhos fixos no tecto. Os longos cabelos castanhos permaneciam espalhados contrastando com os lençóis impecavelmente brancos, que em nada condiziam com a desarrumação do quarto.
Vários scrolls e documentos estavam espalhados pelo chão de madeira encerada, em conjunto com diversas camisolas e fotografias. A voz da mãe invadiu o espaço não desviando a sua atenção do tecto branco. O quarto estava na sua desordem habitual e acordara à hora de todos os dias. A rotina habitual dava-lhe uma sensação de segurança que lutava intensamente contra a ansiedade que a incomodava desde há dois dias, quando soubera que iria ter uma nova companheira de equipa.
Expirou pesadamente antes de se levantar num salto. À medida que se vestia, tentava visualizá-la na sua cabeça. Inteligente, simpática, anti-social, comum, histérica, exibicionista. Existiam tantos adjectivos que se lhe podiam aplicar, que ela sinceramente não se conseguia decidir. E essa indecisão frustrava-a.
Fechou a porta do quarto atrás de si e caminhou até à cozinha ampla e iluminada.
- Ohayou, Aruko-chan.
- Ohayou, oka-san – retorquiu a rapariga, dando-lhe um beijo rápido no rosto, antes de raptar uma fatia do bolo acabado de fazer.
- Tens treino hoje?
- Para teu grande pesar, sim. – informou com um suspiro cansado.
A mulher de cabelos curtos não respondeu, fazendo-as mergulhar no silêncio pesado que sempre acompanhava aquele tema. Mesmo ao fim de dois anos, para irritação de Aruko, a mãe continuava obcecada com a melhor maneira de fazê-la desistir da “ideia suicida” de ser ninja.
- Ittekimasu – despediu-se em voz baixa fechando a porta atrás de si.
Olhou para o céu, não se espantando com as nuvens cinzentas escuras que o decoravam. Encostou-se à parede branca, de braços cruzados.
Um, dois, três. Provavelmente a nova rapariga seria mais hiperactiva que ela. O que não seria difícil.
Quatro, cinco. Ou então seria extremamente antipática. Isso de certeza que iria irritá-la.
Seis, sete. Puxou distraidamente o fecho do casaco para cima.
Oito, nove. De qualquer forma não importava como seria a rapariga. Era apenas uma gennin igualzinha a ela, nada mais.
Dez. Uma bomba de fumo explodiu à sua frente não a fazendo sequer piscar os olhos. O final da sua contagem decrescente mental antecedia à chegada dele. Já deixara de ser uma entrada triunfal; era apenas mais uma rotina que existia desde que se haviam tornado uma equipa.
- Ohayou, Aruko-chan. Não te preocupes, agora que cheguei, já podes parar de sentir saudades minhas. – disse o rapaz com um sorriso rasgado.
- Nunca te cansas de fazer isto todos os dias, Atsuko? – perguntou enquanto passava por ele.
- Nem por isso. E podias pelo menos fingir que sentiste a minha falta. – esclareceu o rapaz de cabelo escuro.
- Sabes que não tenho o hábito de mentir. – retorquiu com um sorriso, fazendo-o rir.
Deixaram facilmente que o silêncio cúmplice recaísse sobre eles enquanto caminhavam em direcção ao ponto de encontro na floresta. A neblina, característica de Kirigakure, envolvia-os carinhosamente tornando a temperatura baixa. Ela gostava do frio. As roupas quentes e os lençóis espessos proporcionavam-lhe uma sensação de bem-estar de que não tinha qualquer intenção de abdicar. Fechou um pouco mais o fecho do casaco e cobriu os cabelos com o capucho azul.
- Atsuko, como é que achas que ela é? – perguntou Aruko, olhando para o amigo.
- Sinceramente, não sei. Tenho tentado visualizá-la na minha cabeça, mas fica sempre demasiado perfeita.
- Deixa-me adivinhar: feita à tua imagem? – inquiriu, com um sorriso irónico.
- Nem mais. – concordou com um sorriso – E tu?
A morena acenou negativamente com a cabeça. Entraram silenciosos na floresta, seguindo o trilho habitual. O cheiro a pinheiros unia-se harmoniosamente com a brisa existente, embriagando-os, enquanto a relva verde clara contrastava de forma berrante com as calças escuras de ambos.
Atsuko deitou-se preguiçosamente na relva, observando a amiga. A rapariga ao seu lado mantinha-se com os olhos fechados, numa espécie de meditação a que ele já se habituara a não entender. O casaco azul de manga comprida, que resguardava a camisola branca de manga curta, ia até a meio das coxas e as calças negras iam até um pouco acima dos pés. Ele vestia uma camisola de manga curta preta por baixo do manto verde-claro que ia até aos joelhos, que em nada dificultava os seus movimentos, tapando parte das calças igualmente negras.
- Ohayou… Tomoko-sensei – cumprimentou ela, ainda de olhos fechados.
O rapaz virou a cabeça na direcção oposta ao lugar onde estavam, vendo aparecer por trás dos arbustos um homem alto de cabelo escuro e curto, ligeiramente despenteado, envergando o habitual vestiário de jounin. Atrás de si, caminhava uma rapariga muito mais baixa que ele, que mantinha um sorriso leve nos lábios.
- Ohayou, Aruko-chan, Atsuko-kun.
- Ohayou, sensei – retorquiu Atsuko levantando-se, ficando ao lado da morena, que a contragosto, abriu os olhos.
- Esta é a Kiichi Emi, e vai permanecer connosco daqui para a frente – apresentou, colocando a mão no ombro da rapariga atrás de si, num gesto de incentivo.
Aruko fitou a nova companheira de equipa sem tecer qualquer comentário. Tinha o cabelo cortado pelos ombros e o seu tom era de um louro ligeiramente dourado, combinando harmoniosamente com os olhos cor de avelã. Emi parecia uma criança de oito anos, comparada com Atsuko, devido, não só, à sua pouca altura e feições delicadas, como também pela aura de inocência que ela parecia emanar. O seu vestido lilás de manga comprida ficava um pouco acima do joelho, mas abria de ambos os lados desde o inicio da coxa, deixando ver as calças azuis escuras. A faixa com o símbolo da vila permanecia presa à cintura, tal como a de Aruko e Atsuko.
- Ohayou – cumprimentou Emi com um sorriso rasgado, fazendo o rapaz sorrir em resposta.
- Bem-vinda à equipa, Emi-chan! – exclamou entusiasmado, aproximando-se dela mais depressa do que o normal, levantando-a do chão num abraço apertado.
A loura começou a rir antes de fitar a morena, que não parecia ter muita vontade em mexer-se. Quando Aruko se dispôs a fitá-la nos olhos, correu o fecho do casaco para cima e para baixo, no seu habitual gesto de nervosismo. Emi fitava-a atentamente, como se estivesse a ver tudo o que ela tinha na cabeça, mantendo uma expressão apaziguadora.
Libertou-se agilmente do colega e caminhou lentamente em direcção a ela, como se desse tempo para a rapariga fugir se quisesse.
Mas o que raio é que se passa contigo?! Não obteve qualquer resposta, limitando-se a prender a respiração, quando a loura parou à sua frente.
- É um prazer conhecer-te, Aruko-chan. – declarou suavemente antes de esboçar um sorriso rasgado. O estômago da morena revirou-se.
- Igualmente. – retorquiu, lançando-lhe um sorriso leve.
- Bem, agora que as apresentações estão feitas – começou Tomoko, pondo uma mão no ombro de cada uma das raparigas – está na hora do teu primeiro treino connosco Emi-chan.
- Hai! – retorquiu entusiasmada.
Aruko limitou-se a seguir os três, ignorando o péssimo pressentimento que insistia em acompanhá-la.
"Assim eu perdia"