Preparação
~ Amigos, inimigos e facadas nas costas ~
- Satomi! – chamou um rapaz alto, de ar calmo e requintado. Aparentava ser adolescente, proveniente de famílias ricas pelo aspecto das suas roupas trabalhadas e quentes, tão incomuns na humildade da vila branca pela neve.
Uma rapariga de cabelos castanhos escuros, presos por dois elásticos, parou de atirar shurikens a uma árvore próxima e olhou para quem a chamava. Um sorriso desenhou-se na face e acenou-lhe entusiasticamente para que o rapaz se aproximasse:
- Riku! Vem treinar comigo!
O jovem, também de cabelos escuros e pele clara, suspirou. Como irmãos, não poderiam ser mais diferentes. Satomi, a sua irmã mais nova, energética e precipitada, mostrava uma motivação fugaz, que se esvaía como grãos de areia numa ampulheta. Sabia que aquilo seria momentâneo. De qualquer das maneiras, por muito que quisesse resmungar com ela pela milésima vez e dar-lhe um sermão acerca de empenho, não era o momento adequado.
- O avô não tarda a chegar. Vai preparar-te já antes que te venham buscar à força – avisou-a, voltando-se para o interior da casa.
A menina corou, embaraçada, por se ter distraído com o tempo. Arrumou o material na arrecadação e subiu para o seu quarto, onde uma empregada já a esperava para a ajudar a colocar as suas roupas, que, na opinião dela, eram completamente inúteis, não fosse a incompreensível da mãe em achar necessário agradar ao avô. O seu avô até poderia ser o daimyou do país da neve, até poderia ser perigoso provocar a fúria dele devido ao seu poder, mas não via como seria possível magoar a sua própria família.
Quando desceu, já no seu kimono branco e vermelho como as rosas do emblema da sua família, o seu avô estava a entrar em casa. Os empregados já se tinham disposto nas filas paralelas à porta, cumprimentando o senhor com uma interminável vénia, e os seus pais e o seu irmão já o esperavam no fundo do hall. Não sabia o que esperar daquele almoço de família.
(…)
O almoço decorria numa calma anormal, que o levou a acreditar que algo se passava. O pai não costumava ficar em silêncio durante tanto tempo. As conversas de situações caricatas com a Tsuchikage ou com gennins e chuunins que eram chamados em missão normalmente pairavam no ar, por entre risadas e perguntas. Apesar de muito bem disposto e de falar imenso sobre o seu dia-a-dia, o seu pai não revelava detalhes políticos do seu trabalho. “Por uma questão de segurança”, dizia ele. Aquele silêncio sufocava-o lentamente, como que o advertindo para um assunto sério. Não ficou surpreendido com o seu pai pousou os talheres, ainda antes da sobremesa, e o chamou:
- Noboru.
O seu longo cabelo branco afastou-se rapidamente com o movimento de cabeça que o levara a encarar o pai.
- Sim?
- Tens-te preparado? Para o torneio. Sabes que acontecerá dentro de uns tempos e temos muito em jogo.
A posição do seu pai como conselheiro não era a única em risco e compreendia o porquê de ter que representar os Renge, a família da flor de lótus. Não poderiam quebrar a aliança que, tantos anos antes, tinha sido forjada com as famílias mais poderosas de cada país. Já bastavam os problemas que levavam a guerras e traições e assolavam países. Já bastava a maldade própria que surgia nas pessoas, a inveja, o ciúme, os roubos, as mortes… Eles não iriam contribuir para o surgimento de mais. As palavras quebravam-se. As amizades acabavam ou eram simplesmente por interesse. A aliança viera acabar com estes males. As famílias nobres agora mantinham-se neutras e apenas se envolviam na política interna, sendo que este torneio tratava legalmente da política externa entre eles. Apesar de não o dizerem, cada um deles funcionava como um sacrificado da família para resolver disputas entre famílias. Se surgisse algum problema, aqueles que tivessem sido excluídos precocemente do torneio acabavam por ter que se resignar à vontade e aos pedidos e sugestões dos mais poderosos. Pelo menos, assim lhe havia dito o pai, embora desconfiasse que haveria algo que não lhe contassem. Havia algo na história que parecia não bater muito certo.
- Sabes bem que sim. Tenho andado em missões ultimamente. Nada de especial. Não é que tenhamos que ter algum medo no torneio. Isto será nosso.
O silêncio voltou a reinar por alguns segundos, sendo quebrado novamente pelo conselheiro.
- Deverias ter em atenção alguns deles. Não és o único jounin. E és o mais velho.
O jovem olhou para outro lado, revoltado por o pai duvidar dele. Tal como tinham passado a duvidar depois de ter sido derrotado no torneio.
- Ser mais velho só me dá mais experiência que todos eles! Os Fujishima vão aprender a ficar no lugar deles. Aquele puto supostamente prodigioso nem está em Kumo, pelo que sei. Os Umehara que nem pensem que vou perder porque me dou bem com o Shirou!
- Noboru! – exclamou a mãe, perplexa pela atitude de superioridade do filho. Estaria ele disposto a ir tão longe para ganhar e magoar o amigo por orgulho?
(…)
Abriu a porta com força. Estava nervoso. Tinham voltado a falar do torneio, o maldito torneio injusto que perdera há 10 anos atrás. Não era justo alguém assim estar a participar. Só podiam ter feito de propósito para ficarem em vantagem. Uma família nobre com sangue impuro. Eram mesmo trapaceiros… O nevoeiro refrescou-lhe as ideias. O quanto Kiri parecia apropriada para si e para o seu temperamento. Nascera na vila por acaso, porque a sua família era de lá, mas parecia que tinha sido destinado à vila e ao seu ambiente gelado.
- Shirou! – chamou um homem, algo enfurecido, vindo do interior da casa.
O rapaz de olhos azuis como a água e cabelos negros, ironicamente chamado de “branco”, virou-se. A chuva começara a cair em gotas pequenas, progredindo aos poucos. Iria chover. Ele adorava chuva. Um sorriso rasgado aflorou-lhe os lábios e riu-se.
- Não te preocupes, pai. Eu vou fazer com que eles sejam expulsos. Não vou perder para os Sakuragi, não uma segunda vez, ninguém vai. Aqueles sangue de lama vão pagar.
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- Notas da autora:
Não, não há Ayame neste filler
Foi só para mostrar um bocadinho das personagens com as quais vou trabalhar. Até onde estão dispostos a ir, um pouco da personalidade e afins (são apenas 4 aqui, há muitas mais. Pessoalmente, gosto do Shirou
).
Está tudo a acontecer nesta ordem em cada vila. Tentei que se complementasse, como se todos tivessem feito um almoço e mostrar uma cena de cada casa.
Espero ter sido esclarecedora quanto ao torneio. É um bocado complicado de explicar e também não posso dar muitos detalhes. Só mesmo mais tarde.
Se for necessária ajuda para contextualizar os nomes, as famílias e as vilas, é só perguntar. ^^