Reunião
~ O encontro dos nobres ~
O sol começara a adquirir um ténue tom laranja, indicando que a tarde já iria a meio. As fugidias nuvens roubavam um pouco da luz de um dia que se revelara pouco radiante. Até mesmo o ondular dos ramos da floresta, lá bem no fundo, parecia compreender e amplificar o estado de espírito da rapariga dos olhos de esmeralda, movendo-se suave e lentamente ao sabor da desilusão com uma pitada de irritação.
Um leve bater na porta do quarto despertou-a da doce hipnose daquele divagar. Perdera-se em pensamentos vazios, sentada no sofá encostado à janela do seu quarto.
- Ayame? – perguntou uma voz masculina do outro lado. Ela reconheceu o irmão de imediato, mas não lhe apetecia falar.
- Ayame, preciso de falar contigo. Não é sobre aquilo, a sério, nem eu deixava que isso acontecesse.
A kunoichi arrastou-se até à porta, aborrecida. Estava mesmo com má disposição depois daquele almoço. Só ficara na mansão pela sua família. E provavelmente iria ter que suportar aquilo por mais tempo. Abriu a porta e afastou-se para se sentar na cama, deixando o irmão entrar, que entretanto se encostara à ombreira.
- Olha, vamos para Cha no Kuni. É lá que se vai organizar tudo no final e assim evitamos que tenhas muito contacto com eles… Sabe-se lá que outras ideias podem eles ter… Ainda acabamos a sair daqui casados com uns sexagenários sem a nossa permissão - explicou ele com algum humor, procurando o olhar dela. Ela parecia não ter gostado da piada. Pausou um pouco e continuou: - Eles têm lá uma casa ou mansão e ficamos lá sossegados, longe das mãos interesseiras deles. Pelo menos, temporariamente. De qualquer das maneiras, vai haver uma reunião dos descendentes daqui por uns dias e assim já estamos lá instalados.
Ainda pairava uma centelha de irritação na face da rapariga, que encarava profundamente a íris verde forte do seu irmão mais velho. Mas ele apresentara-lhe uma solução para não ver mais os seus avós metediços e interesseiros e era tudo o que ela queria naquele momento.
- Quando partimos? – perguntou ela, ainda com um semblante sério.
Kazuma foi apanhado de surpresa, tendo em conta a sua leitura do momento, e riu-se.
- Quando o Hikaru chegar – disse ele, ainda rindo e caminhando em direcção à porta. - Faz as tuas malas, se é que as desfizeste.
Ela não as desfizera. Não só não tivera paciência para isso, como a sua intuição lhe dissera para não o fazer. E estava certa. Foi novamente para a janela, respirar ar puro. Apesar dos seus donos odiosos, a mansão estava num local tão perto da natureza, ao qual a rapariga não conseguia resistir.
Não tiveram que esperar muito tempo pelo jounin de cabelos ruivos e este vinha acompanhado da pequena raposa bebé, Kousetsu. Visto que a viagem tinha demorado umas horas, aproveitaram para descansar e conviver um pouco, partindo para o País do Chá já perto do entardecer numa carruagem disponibilizada.
- Ela fez o quê?! – exclamou Hikaru entre risadas após ouvir os acontecimentos com os avós Sakuragi.
- Não ia ficar sentada à espera que me tentassem casar com um idiota qualquer – declarou Ayame, orgulhosa da sua atitude. – Ninguém, e friso mesmo ninguém, me vai impingir um noivado ou casamento que eu não quero.
- Havias de ter visto a cara deles, a sério – disse o Midori mais velho, divertido. - A colher de sobremesa até caiu com a surpresa. Acho que eles não esperavam aquilo. Até tive que me controlar para não me rir.
- Ah, grande Ayame! Dá cá mais cinco!
A viagem foi bastante tranquila, sendo passada em divertidas conversas e discussões animadas, sempre com Kousetsu a dormir no colo da rapariga. Chegaram ao País do Chá já de noite e o cansaço rapidamente os levou para os seus quartos.
No dia seguinte, o trio saiu para visitar a área, visto não terem apreciado a vista aquando da sua chegada. A grande avenida onde estava a mansão Sakuragi tinha bastantes mais e era claramente uma zona abastada. Para além dos enormes jardins verdejantes, todos eles com vegetação e flores rasteiras de boa qualidade, vislumbravam-se belas e imponentes mansões de cada lado da avenida.
Algumas das mansões tinham árvores de espécies diferentes plantadas à frente da entrada, como que a guiar os seus visitantes para o interior. Dentro das espécies, denotavam-se algumas incomuns, sendo apenas possíveis de encontrar em alguns países. Essa pequena dedução levou-os à conclusão que as árvores representavam um pouco da família que possuía a mesma.
No fundo da avenida, uma outra mansão se erguia, com uma grandiosidade espantosa. Do outro lado da avenida, vários caminhos se desenrolavam para levar a uma pequena vila, de edifícios recentes e arquitectura luxuosa. Provavelmente, a vila teria sido inaugurada para dar apoio à grande avenida e teria tido o suporte financeiro das famílias que tinham comprado as mansões. Uma vila comum não teria possibilidades de construir com tanto luxo e pormenor, pensava Ayame.
Apesar de tudo estar bem mantido e se notar movimento, apenas se viam criados dentro dos grandes casarões. Os donos não deveriam estar por lá. Seriam habitações temporárias para passarem algumas férias, visto não estarem longe da praia e do rio.
No dia seguinte, Kazuma acordou Ayame e Hikaru com o anúncio da convocação dos descendentes das famílias. Ele e Ayame teriam que se deslocar à mansão do Daimyou de Cha no Kuni, a do topo da avenida, para darem início às celebrações do torneio das Kugeka. Para que fosse ainda mais desconfortável na opinião deles, tinham dress code a cumprir e só podiam ir de roupa formal.
Usar a desculpa de não ter roupa apropriada não funcionara, visto que a governanta tinha preparado algumas peças formais para essa eventualidade, situação que, apesar de lhes ter passado pela cabeça, os desiludiu. Ayame acabara por vestir um discreto vestido rendado em vermelho bordeaux, com o cabelo apanhado de lado e uma flor de adorno no mesmo. Kazuma optara por um fato preto, mas escolhera ir mais descontraído e sem gravata. Hikaru escolhera algo semelhante ao melhor amigo, apanhando o longo cabelo ruivo no fundo das costas.
Setsuna e Kazuhiro, os avós Sakuragi, tinham chegado naquela manhã para estarem presentes no encontro, juntamente com os outros progenitores das famílias participantes. Por respeito a Ayame, Kazuma e Hikaru procuraram evitar encontrar-se com eles e, apesar de saberem que se iriam ver, tentariam manter a conversa ao mínimo necessário. Insistiram com ele para mudarem de roupa para algo mais tradicional, mas o grupo não o quis fazer. Quando os avós os convidaram para partilhar uma carruagem, recusaram, dizendo que iriam a pé. Apesar da sua escolha pouco ortodoxa aos seus olhos, respeitaram.
A mansão do Daimyou, ampla e ricamente decorada, estava bem animada. Criados andavam de um lado para o outro, oferecendo pequenas iguarias e mantendo as coisas arrumadas, várias pessoas caminhavam pelo grande hall e pelo salão. Apesar da relutância dos jovens Midori, o mordomo insistiu que era obrigatório que anunciasse a sua chegada. Quando o fez, os convidados pareceram parar e fitá-los de imediato. Os seus olhares penetrantes e pejorativos incomodaram em especial Ayame, a mais nova e com uma menor experiência social devido à diferença de idades, fazendo-a erubescer.
- Kaz… - murmurou ela, aproximando-se do seu irmão e do seu sensei.
O ruivo tomou a iniciativa e caminhou para o centro, para junto de uma das mesas, tendo o cuidado de passar em frente dos amigos para chamar as atenções para si. No que pudesse, iria facilitar aquele momento difícil para a rapariga. Ele não tinha nada a perder, ela sim, incluindo a sua sanidade mental.
Graças a Hikaru, muitos dos olhares dissiparam-se, dando finalmente espaço para Ayame respirar. A maioria das pessoas retornara às suas actividades. Um casal, vestido em kimonos com uma risca amarela nas mangas, falava com outro num dos cantos do hall, bastante entusiasmados. Um outro grupo, com adultos e alguns adolescentes, convivia no outro canto do hall de forma menos efusiva.
Enquanto Ayame subiu os degraus que davam para a área geral, reparou no olhar intensamente gélido de um homem jovem de cabelos negros. Mesmo durante os cumprimentos habituais às várias pessoas, como dito pelos avós como sendo de “bom tom”, sentia os olhos dele pregados nela, quase como se a quisesse matar e ela não entendia a razão. Não fizera mal a ninguém, não era a única que não quisera roupas tradicionais. Quase todos os jovens presentes estavam assim. Começou inclusive a sentir-se mal disposta.
- De facto, é um pouco rude da parte dele.
Ayame voltou-se de repente. Um senhor de cabelos e barba grisalha e pele morena encontrava-se ao seu lado e ela nem o sentira a aproximar-se. Conseguira esconder muito bem a sua presença. Aquele quebra-gelo conseguiu acalma-la um pouco antes que tivesse que se retirar da sala. Fora a primeira pessoa que se dirigira a ela e que claramente não tinha segundas intenções.
- É verdade. É desconfortável – reparou ela.
- Não é para menos. Ele está a olhar para si como se tivesse morto o gato dele – brincou o senhor, tentando fazer Ayame sorrir. Ao ver que fora bem sucedido, apresentou-se: - O meu nome é Sengoku Borges. Sei que não me conhece, mas o meu neto fala muito de si.
- Oh, muito prazer! – exclamou a kunoichi, apertando-lhe a mão. – O Brian já me tinha falado de si, apesar de não me ter revelado o seu nome.
- Até fico surpreendido por ele ter falado de mim, visto que ele normalmente não costuma falar muito da vida dele aos outros – e ambos se riram.
A conversa durou pouco tempo, sendo apenas um curto quebra-gelo. Sengoku reparara e bem que ela ainda tinha pessoas para cumprimentar e que o deveria fazer, referindo nomeadamente a família de Suna, os Himawari, que o tinham convidado para o acompanhar.
- Antes que me esqueça, o meu neto mandou isto – disse ele, vasculhando dentro da manga do seu yukata de seda e tirando um pequeno saco para lhe entregar. – Espero que goste.
Dentro do saquinho, estava uma peça em forma de flor, com acabamentos em aço, diamantes cravejados nas pétalas e, no centro, estava uma pérola. Essa pérola funcionava como uma tampa para uma mini-caixa de música, que começou a tocar uma melodia assim que a Ayame abriu.
A kunoichi corou com o presente e agradeceu de forma atrapalhada, despedindo-se. Guardou a pequena caixa de música no saco que trazia agarrado ao pulso antes que a deixasse cair, tentando lembrar-se para agradecer directamente a Brian quando estivesse com ele.
Olhou em volta para procurar o irmão e Hikaru, que falavam com um jovem perto da porta do salão. Um rapaz moreno, que entrara no salão naquele momento, pareceu-lhe estranhamente familiar. No entanto, não poderia afirmar quem seria pois apenas o vira de costas.
Estava na hora de continuar os seus afazeres e cumprimentar os restantes convidados, recordando que estava a fazer aquilo pela irmã, pela sua família. Os Sakuragi não meteriam as mãos neles no que dependesse dela.
- Spoiler:
Dammit, mesmo com o conteúdo dos fillers planeado, entusiasmo-me sempre a escrever D: Desculpem D: