A caverna era úmida e apenas iluminada por um velho candeeiro com sua fraca chama que sibilava com a brisa da respiração de uma estranha serpente branca que se debruçava sobre um grande tomo recostado a uma mesa rasa, da altura da elevação esculpida na rocha. No lado oposto, a penumbra mostrava uma gigantesca biblioteca com livros de todos os cantos do mundo e de fora dele. Usando óculos e com uma barbicha rala nas laterais do rosto, a cobra estava completamente absorta ao que lia. Tanto que não percebeu um pequeno estouro de fumaça vindo do centro de sua toca. -
Mestre... Rápido! Preciso de seu auxílio! - Gritou Shiamazaki. A jovem serpente rastejava-se com dificuldade, pois trazia um corpo de seu amigo dentro de seu estômago, onde tentava curá-lo com seu chakra. A velha não se mexeu. Apenas levantou os olhos amarelados e focalizou suas pupilas verticais enquanto cerrava o cenho em estranheza ao ver Shiamazaki regurgitar o que parecia ser um corpo quase que totalmente destroçado. Ao cair vagarosamente ao chão, o corpo parecia que ainda respirava com dificuldade, agarrando-se à vida desesperadamente. Retornando à leitura, Hozuki tentava controlar sua raiva em ver seu discípulo desobedecer a sua principal ordem para o seu clã... "Nada de humanos no covil."
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O que é isso? Comida bem passada? - Brincou o velho.
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Meu mestre, desculpe minha interrupção, mas precisa me ajudar a salvá-lo. - Respondeu ofegante ao enrolar-se no corpo e continuar o tratamento. -
Este é Kimura, meu irmão de sangue. Ele acabou de se sacrificar para não trazer Hokkai a nosso mundo novamente. - Completou com olhar desesperado no rosto. Ao ouvir o nome do demônio que os guerreou num passado distante, Hozuki olhou novamente ao seu pupilo e novamente para o corpo que ele tentava salvar. Ponderou por diversas vezes sobre o fato e se admirou em lembrar que o alinhamento estelar ocorrera na noite anterior. "Confiamos demais na lealdade dos Hebi." – Pensou enquanto descia a elevação e se aproximava do corpo que brilhava graças a grande quantidade de chakra que Shiamazaki dispendia para mantê-lo vivo. A velha serpente olhou em volta e respirou próximo a Kimura que se debateu sentindo dor, mas não podendo gritar, pois sua mandíbula estava deslocada. Hozuki sabia que esta traição não seria esquecida pelos altos círculos serpentinos, e tinha certeza de que a primeira atitude seria eliminar todos os membros do clã Hebi. "Então salvá-lo não seria necessário." - Pensou novamente, retornando a seu lugar de leitura. Shiamazaki mal conseguia se movimentar. Ele estava gastando toda sua energia para manter o humano preso a esse mundo, e quando seu mestre lhe deu as costas, a cobra só teve uma alternativa.
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Prometa-me que você o tomará como seu discípulo. - Sibilou ao elevar sua cabeça.
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Você quer mesmo dar sua vida por esse peso morto? - Retrucou Hozuki, com certa raiva.
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Sim. Ele sempre esteve do meu lado. Sempre me respeitou... - Argumentou ao iniciar o jutsu.
À medida que via seu discípulo usar o jutsu proibido que lhe ensinara, Hozuki viu a sinceridade de seus olhos. Shiamazaki era seu aluno mais aplicado e sempre lhe comentara as aventuras que ele e o garoto Hebi viveram. Parecia que a amizade deles era realmente sincera. "Realmente está decidido... Irei ajudá-lo." - Raciocinou, quando cobriu seu corpo com energia natural e invocou o modo serpente. Ao redor de suas órbitas, uma luminosidade esverdeada surgiu e suas escamas ficaram eriçadas com todo o poder. -
Jovem, você tem certeza disso. - Perguntou uma última vez. Shiamazaki já sentia a energia de seu corpo se esvair quando seu mestre esticou a cauda e atingiu Kimura com sua energia. Shiamazaki sorriu e se despediu com de seu mestre com um afago dolorido no peito esmagado quando sua alma deixou seu corpo e o ninja gritou de dor pela primeira vez. Como num nascimento difícil, Kimura parecia uma criança que acabara de nascer. Sentia medo. Raiva. Remorso. Saudade. Tudo isso ao mesmo tempo, enquanto era reconstruído pela energia curativa de Hozuki. Seus pedaços eram reconstruídos e seus olhos, ora destruídos, retornaram a sua forma original. Porém, o preço desta regeneração lhe custou à aparência. Vivo, mas ainda em coma, Kimura respirava com dificuldade. Estava completamente nu deitado na rocha, e tinha seu corpo coberto por cicatrizes que se contrastavam com as escamas de serpente.
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Senhor Hoziki, os novatos estão prontos. - Sussurrou uma serpente que adentrava no local.
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Ótimo. Leve este também. E deixe que a natureza se encarregue. - Respondeu apontando para o Kimura.
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O que aconteceu com Shiamazaki? Ele está... - Espantou-se o servente.
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Sim. Espero que tenha valido à pena. Espero mesmo. - Sussurrou Hozuki, levando o corpo de Shiamazaki para a área fúnebre.
Nesse momento, a serpente rastejou até o garoto que estava estendido no chão e o pôs na boda com cautela para não comê-lo. "Mas o velho está louco." - Pensou a cobra ao se arrastar de volta pela passagem, sendo recebida pelo calor e iluminação vermelha da câmara principal do vulcão adormecido. Ziguezagueando por entre as crostas de lava seca e os veios de lava incandescente, a serpente se dirigiu cuidadosamente ao centro da cratera, onde existia uma depressão vertical com cerca de trinta metros de profundidade, donde eclodia um leve vapor. Aproximando-se da borda, a serpente ouvia em seu interior, o chiado específico de serpentes evidenciava que já existia alguma coisa lá dentro. -
A seleção começou. Boa sorte, humano. - Sussurrou, enojado com tudo aquilo, enquanto atirava Kimura lá do alto. Em queda livre, o garoto começou a bater nas laterais lisas das paredes e desceu até o fundo, tendo a queda amortecida por uma grossa e macia camada de lama enegrecida. -
O quê?! - O garoto acordou assustado. A sua volta apenas penumbra e olhando para o alto, Kimura só conseguia ver um brilho avermelhado que entrava pela grande passagem. "Onde estou? Katsume? O que é isso? Estou no inferno?" - Perguntava-se enquanto se debatia para tentar manter-se na superfície da lama.
FIM...
CONTINUA.