Vendo os primeiros raios de sol que se atreviam a atravessar a encosta da cadeia de montanhas ao longe, Kimura se espreguiçou com vontade - apesar do vento gélido que açoitava seu rosto - e olhou a sua volta à procura da mulher que o acompanhava na viagem de volta à Kirigakure. - Onde foi que ela se meteu? - Sussurrou com curioso, ao ver apenas um colchonete vazio com um conjunto de lençóis espalhados e desorganizados. Sem preocupações, o jovem levantou silenciosamente e calçou as sandálias para começar a arrumar suas coisas com rapidez, afinal, o garoto desejava tratar com seu pai pessoalmente e enfrentá-lo para que ele explicasse o significado de tudo aquilo. Em seu interior, Kimura ainda não acreditava na crueldade e desfaçatez com que seu progenitor o enganara. Será que ele matara mesmo Sayako? Sua mãe também estava envolvida? E seu irmão? Estas perguntas o deixaram distraído enquanto se aproximava do córrego e "tirava" a água do joelho por trás de uma moita. Ainda enfiado nestes pensamentos, o vento gelado balançou as folhagens e poeira, fazendo-o espirrar com grande ruído, quando virou para a sua esquerda e viu Junchei se banhando distraidamente há cerca de cinco metros dele. Com o ruído, a linda morena sorriu e se levantou sem qualquer pudor, deixando Kimura vermelho de vergonha como nunca havia ficado. Logo a mulher se aproximou e utilizando apenas o arbusto para cobrir seu corpo ela tocou no rosto do garoto dizendo: - Você se parece muito com Sayako.
Aquelas palavras o fizeram se recompor e manter-se focado em terminar o que estava fazendo e sair a passos largos de volta ao acampamento. Junchei também retornava logo atrás, agora coberta por seu quimono, ela prendia o cabeço com desenvoltura e foi até sua mochila de viajem para retirar um pouco de comida que reservara para aquela manhã. O clima entre os dois ainda permanecia pesado desde o início da viagem. Principalmente porque ela insistiu em dizer que iria se vingar de seu pai. - Primeiro quero olhar nos olhos dele e pedir explicações. - Disse naquela ocasião. Contudo, não tinha certeza que a mulher cumpriria com o acordo, por isso estava sempre atento a suas artimanhas. Calados, os dois terminaram de comer e arrumar seus pertences quando recomeçaram a jornada até a Vila que deixara há quase duas semanas. Caminhando pela trilha larga, usada pelos comerciantes, naquela hora da manhã quase não havia ninguém nas redondezas. Preferindo não revelar sua posição, Kimura sugeriu que margeassem a estrada até entrarem novamente no País das Ondas. Junchei, que até então ficara calada, concordou com um sorriso e tomou a iniciativa de se embrenhar na floresta, quando após alguns metros percorridos ela parou em cima de um galho e levantou a mão num sinal conhecido de perigo. O coração do ninja acelerou e seus olhos arderam um pouco e ficaram estranhamente embaçados quando então percebeu que estavam cercados por quinze figuras estranhas que se escondiam em pesados ponchos escuros.
- O jovem Hebi está acompanhado. - Disse uma imagem que acabara de surgir à frente.
- Quem é você. O que quer? - Interpelou Junchei, sacando sua tanto.
Sentado a uma cadeira simples, ele trazia o rosto marcado pela velhice e usava óculos de grau. Grisalho, ele vestia um hobby negro que chegava até os pés, onde se viam duas sandálias amarelas e adornadas. Dentro do hobby, um quimono vermelho se fazia presente, onde alguns símbolos de clã adornavam as laterais em dourado. Realmente vestes de um rico senhor. - Contigo nada quero. Só fui contratado para levar o garoto até a ponte Hokairo. Lá o pai dele o aguarda para o ritual. - Terminou, levantando a mão num sinal. Logo as figuras de negro avançaram e sacaram espadas, convergindo para Junchei. Sem aguardar, Kimura tomou a frente e ficou costas com costas com a mulher para começar o combate, quando começou a reconhecer aquela voz. Algo lhe dizia, no fundo de sua mente que já encontrara aquele homem antes, e que não foi um encontro agradável. Assim, os dois se defendiam mais que atacavam, enquanto os vultos negros passavam de um lado a outro jogando suas espadas na direção dos dois, enquanto o eco do choque de metais começava a criar faíscas ao redor do grupo. Eles tentavam quebrar sua formação, mas parecia que os dois juntos eram intocáveis. Foi então que os ataques pararam e as figuras negras retiraram seus ponchos, mostrando toda sua estranha carapaça de metal. - Marionetes?! - Gritou Kimura, lembrando-se um pouco mais daquele homem. Na imagem, o velho sorriu com o reconhecimento do garoto e novamente começou a falar.
- Nós te criamos. Demos teus olhos e os deixamos forte. Criação ingrata! - Gritou enquanto fazia alguns selos com as mãos e logo os olhos de Kimura começaram a queimar brutalmente. O jovem gritou e largou sua kunai enquanto levava as mãos nos olhos que agora terminavam por cegá-lo por completo. A dor era insuportável, mas não o bastante para perceber que agora as marionetes retornavam com armas em punho. Desesperada com os gritos de Kimura, Junchei o chutou para longe do combate, deixando-o cair ao chão enquanto o protegia contra os golpes das marionetes que atacavam ruidosamente. Cego e com dores, Kimura só podia ouvir Junchei gemer de dor e força, além dos ruídos de metal se retorcendo e caindo a sua volta. Então, em poucos minutos, o silêncio sepulcral se instalou. Aos poucos a queimação foi passando e ele pôde ver o horror da cena que se instalara no local. No local do combate, as árvores tinham rasgos profundos e algumas marcas de sangue. - Junchei?! - Kimura gritou desesperado, atravessando aquela pilha de pedaços de marionetes e mais sangue, até que foi um rastro abundante que o levou à mulher que se recostava numa das raízes de um carvalho que brotava pétalas avermelhadas que se confundiam com o sangue que jorrava das profundas feridas da mulher.
- Não. Não. Não. - Desesperou-se ao ver a ninja gravemente ferida.
- Escute... Cof... Cof... Não tenho muito tempo. - Sussurrou a garota ao cuspir sangue. Ela segurava a lâmina que lhe atravessava o peito como se buscasse forças para arrancá-la, mas parecia que suas forças já haviam se esgotado. - Você não é filho de seu Himura. Você foi criado e manipulado por uma organização chamada Karasuemu. Você é um receptáculo apenas. Uma ferramenta... Cof... Cof... Para que Himura liberte o demônio. Por isso ele precisa de você. Ele o aguarda para o ritual. Não vá. Fuja para bem longe. Sayako tentou e não conseguiu. Sua mãe e irmão sabem de tudo. Fuja. Não vá ao encontro deles. Não deixe que o demônio renasça. - Ela completou, dando o último suspiro, morrendo com um sorriso no rosto. Kimura chorava sem acreditar naquilo. Chorava em saber que todos que tocava morriam. Chorava em saber que era uma criação. Uma ferramenta para ser utilizada como Himura bem entendesse. Por isso que sempre lhe faltou carinho naquela casa. Sempre sozinho durante todo o início de sua infância. Junchei agora ia para os braços de Sayako, mas ela não o ouviu prometer nada. - Não vou fugir. Se for isso que queres, meu pai, então você verá do que sou capaz! - Gritou furioso ao se recompor e saltar novamente sem olhar para trás. Faltavam alguns quilômetros para Kirigakure, agora sabia o que fazer. De repente, uma frieza incrível tomou seu coração, parecia não sentir mais nada, apenas corria em direção a seu destino.
Continua...