Agitação
~ Uma família, um coração ~
Um arrebitado raio de sol espreitou pelos cortinados brancos da janela do quarto, atrevendo-se a iluminar um pequeno caminho por onde tocava. Pouco depois, muitos outros juntaram-se a este. Lá fora, os pássaros chilreavam, despertando para as suas atarefadas vidas. A natureza começava a acordar, aos poucos e poucos, para o mundo que a esperava. Era já manhã e a escuridão começava a dissipar-se sob a reconfortante luz do sol.
Os cobertores da cama remexeram-se e uma cabeleira castanha surgiu junto da almofada. A serena face adormecida da rapariga a quem pertencia aquele emaranhado da cor do caramelo juntou-se ao meio envolvente no seu suave despertar. A luz que invadira o seu quarto teimava em não a deixar dormir. Os seus olhos estremeceram ao sentir a luz incidir-lhe directamente nas suas pálpebras. Abriram-se gradualmente, de modo a adaptarem-se à luz, e revelando a sua maravilhosa íris verde. Estava habituada a acordar cedo, mas não tão bruscamente, como naquela manhã. Pensou em ficar a dormitar um pouco, mas sabia que não lhe seria permitido muito mais. Já conhecia a sua família. Puxou os cobertores para trás e sentou-se na cama, espreguiçando-se.
Não tardaria muito para que a pequena Yuriko entrasse de rompante no seu quarto a chamar por si ou a fugir de Kazuma, o irmão mais velho de ambas. Ele gostava imenso de ver a reacção da irmã mais nova quando a assustava na brincadeira ou quando lhe fazia cócegas.
Levantou-se e dirigiu-se ao armário. Retirou de lá a sua roupa e vestiu-se rapidamente ao ouvir passos apressados e risadas no corredor. Tinha acabado de colocar o seu alfinete favorito em forma de flor de cerejeira no cinto do yukata e estava a pentear o seu longo cabelo quando a porta do seu quarto deslizou. Uma menina, com duas tranças no cabelo, entrou e colocou-se atrás dela como se quisesse protecção, rindo bastante. Um rapaz alto e de olhos claros entrou logo de seguida, parando junto da porta, com um enorme sorriso desenhado no rosto.
- Desculpa, Ayame. Acontece sempre a mesma coisa – disse Kazuma, ainda um pouco ofegante por ter andado atrás da irmã mais nova.
Ayame, a irmã do meio, pegou na menina ao colo e acariciou-lhe a face. A sua boca abriu-se ligeiramente e ternas palavras fluíram desta, enquanto se desenhava um sorriso no seu rosto.
- Bom dia, meu pequeno lírio.
Ninguém escapava ao misterioso poder do sorriso da jovem rapariga. Era como o primeiro raio de sol da manhã, puro e belíssimo, contagiante e delicioso. Era incrível como um só sorriso era capaz de restaurar a paz e a felicidade a todos que o presenciassem.
Yuriko sorriu também e deu um beijo de bons dias à irmã. Sentia-se inebriada pela alegria que lhe fora transmitida. Fez sinal que queria descer do seu colo e, assim que tal aconteceu, começou a correr em direcção à porta, desaparecendo ao a transpor.
- Alguma vez te disseram que tens um dom natural para lidar com as pessoas? – questionou Kazuma, enquanto esperava Ayame para descerem juntos para a cozinha.
- Por acaso… Já – retorquiu a rapariga, com um ar alegre no seu tom de voz, ao cruzar-se com ele.
O jounin não conseguiu evitar arreliar a irmã, despenteando-a, mas sem fugir. Aceitou de bom grado o castigo que Ayame lhe dava sempre que ele lhe fazia aquilo. A marca da mão dela acabaria por desaparecer eventualmente e Mirai, a sua namorada, já conhecia bem a sua família para saber quem lhe havia feito aquilo. Lembrava-se perfeitamente de ela ter ficado sempre do lado de Ayame quando ele resmungava, por vezes, da palmada que lhe era dada. A irmã não aplicava sempre a mesma quantidade de força naquele merecido castigo.
A cozinha era um espaço amplo e bastante iluminado, bem ao gosto de Nadeshiko, a mãe dos três irmãos Midori. Segundo ela, aquando da construção da casa, certas divisões foram desenhadas e decoradas por ela mesma. Ayame riu-se para si mesma ao lembrar-se da expressiva cara da mãe ao dizer aquilo.
Não fora difícil encontrar a mãe. Como seria de esperar, estava a acabar de servir o pequeno-almoço. Yuriko observava-a atentamente, como se quisesse aprender o que a mãe estava a fazer. No entanto, todos sabiam que ela acabaria por fazer alguma asneira ao tentar imitar os adultos.
- Bom dia, mãe! – cumprimentou Ayame, abraçando a mãe pelas costas e dando-lhe depois um beijo na ainda jovem face de Nadeshiko. Como acontecia sempre, a alegria da rapariga propagou-se por todos os presentes na sala. Um sorriso desenhou-se no rosto de todos. Um sorriso verdadeiro, que mostrava a felicidade daquela família.
Nadeshiko sentia-se abençoada por ter uns filhos assim. Sabia que podia confiar em cada um deles, que ficavam mais fortes de dia para dia. Não precisavam de dizer que se amavam, pois viam provas disso nas suas atitudes e no brilho dos seus olhos.
O pequeno-almoço passou-se calmamente. Kazuma saiu rapidamente de casa quando Mirai apareceu à porta. A rapariga, também jounin, tinha a mesma idade que o namorado. Treinavam juntos na maioria das vezes, visto já se conhecerem bastante bem. Ayame ajudou Nadeshiko a limpar e a arrumar a louça do pequeno-almoço, perguntando depois pelo pai.
- Julgo que está na estufa, querida. Não sei o que anda lá a fazer, mas está lá desde que acordou – respondeu a mãe rapidamente, que limpava as mãos húmidas para tratar de Yuriko. A mais nova da família era uma pequena peste e precisava sempre que a vigiassem para que não fizesse asneiras.
Ayame olhou pela janela, sendo ofuscada pela luz do sol que dali provinha. O dia parecia solarengo, apesar da temperatura baixa. Talvez fosse boa ideia aproveitar para fazer alguns unguentos na estufa, para mais tarde colocar no seu stock para missões. O seu pai poderia dar-lhe uma ajuda.
Sacudiu as mãos, molhadas pela água ao lavar a louça, e limpou-as a um pano que estava pendurado nos cabides destinados a eles, junto do balcão da cozinha. Resolveu sair pela porta das traseiras pois era a que ficava mais próxima da estufa.
Aquela construção em vidro reflectia os raios de sol, brilhando como um diamante pouco polido. Não se conseguia discernir muito bem o que estava no seu interior, visto o vidro desfocar o seu conteúdo. Tudo parecia uma confusão de sombras escuras e brilhos difusos. Ao ver uma sombra em movimento, Ayame concluiu que era ali que o seu pai se encontrava. Um riso desconcentrou-a e fê-la olhar em volta à procura da sua origem.
- Estou aqui – disse uma voz masculina, de modo a atrair a sua atenção. Reparara que ela ficava um pouco desorientada com o gesto. – Desculpa, isto foi um pouco rude da minha parte.
Um rapaz alto e moreno estava do outro lado da vedação que separava o terreno da casa dos Midori do dos vizinhos. Pela sua maneira de vestir, aparentava ser também um ninja. Uma pequena cicatriz no canto de uma sobrancelha chamou a atenção da rapariga.
- Apenas estava a reparar que a vossa estufa é quase maior que a vossa casa. Questionava-me sobre que tipo de família seriam – continuou ele ao observar a expressão confusa de Ayame.
Ela aproximou-se dele. Não lhe parecia ser má pessoa.
- És novo por aqui? – perguntou-lhe, curiosa.
Ele sorriu tristemente e anuiu:
- Sim. Sou o Yuu, o neto dos Kuronuma, os teus vizinhos. Vivia em Kumogakure, mas, devido a uns acontecimentos inesperados, tive que me mudar para casa dos meus avós.
A rapariga resolveu não fazer perguntas quanto ao assunto. Via-se que falar naquilo o havia abalado.
- Bem, eu sou a Ayame Midori. Prazer em conhecer-te – apresentou-se. – Até te apertava a mão se não tivéssemos esta vedação entre nós – acrescentou ela, sorrindo de modo divertido.
Aquele sorriso fez dissipar quaisquer sentimentos negativos. Era quente, reconfortante. Yuu sentiu que não valia a pena estar a deprimir-se pelo passado enquanto aquele conforto banhava o seu magoado coração. Ela parecia uma pessoa bastante interessante, concluiu.
- Bem… Tenho que ir ter com o meu pai – retorquiu ela, quebrando a sua linha de pensamento. Se já não tivesse algo para fazer, não se importava de ficar a falar com ele.
- Claro, claro – contrapôs ele rapidamente. - Também tenho coisas para fazer. Desculpa ter-te retido aqui.
Ayame afastou-se com um sorriso, acenando-lhe alegremente. Ele parecia boa pessoa. Talvez se tornassem bons amigos no futuro. Nunca se havia enganado quanto às pessoas até ao momento e ele não deveria ser excepção. Respirou fundo e voltou-se para a estufa, pronta para trabalhar.
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- Spoiler:
Algumas notas:
- Este filler é apenas para dar uma ideia geral da família e tal. Para iniciar a história. ^^
- Não tinha lá muitas ideias para agora, por isso é que está uma treta.
- Quem já viu Romeo x Juliet é capaz de reconhecer a maneira como coloquei o título/subtítulo. xP