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Vocês vão me pagar por tudo. De uma forma ou de outra." - Disse Nero. Estas palavras ecoaram em seu crânio como um martelo, até que um eco agudo começou a se tornar mais alto e repetitivo a ponto de fazê-lo despertar. Deitado a uma maca de metal que cortava o silêncio do longo corredor mal iluminado, Daisuke acordava lentamente de seu torpor forçado, onde sonhos e realidade se misturavam de maneira quase imperceptível. Sua consciência retornava em cada chiado no assoalho de cimento e quando sentiu que tinha quase todo o controle de seu corpo o loiro tomou coragem e abriu uma pequena fresta nos olhos para tentar descobrir onde estava. Forçando as pálpebras de forma discreta, ele tentou olhar de relance por cima de sua testa, mas pôde ver apenas duas mãos cobertas por luvas cirúrgicas que forçavam o suporte metálico, empurrando a maca para o desconhecido.
"Onde merda eu estou?" - Pensava à medida que tentava não enjoar pelo gosto terrível que azedava sua boca seca. Inclinando um pouco a cabeça, uma dor fina atingiu sua têmpora fazendo aumentar a já grande dor de cabeça que sentia. Nada. Apenas uma parede negra que era iluminada de tempos em tempos pelas pálidas luminárias presas no teto. Certamente estava enrascado. Lembrando-se do que acontecera, ele sabia que precisava escapar dali a qualquer custo. Assim, elevando o braço com calma para não chamar a atenção do desconhecido que o carregava, ele testou a resistência das amarras e percebeu que podia arrebentá-las usando seu chakra. "Esperarei o momento certo." - Decidiu assim que a maca parou de frente a uma grande porta metálica. Duas batidas soaram e o metal deslizou com um ranger característico. Logo o corredor foi inundado por dezenas de holofotes que circundavam o recinto misterioso.
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Este é o loiro. - Comentou o estranho, empurrando a maca para dentro da sala.
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Traga-o para dentro. - Respondeu a voz rouca na sala. Daisuke a reconheceu na mesma hora: Nero.
Movendo as pálpebras vagarosamente após se acostumar com a intensa luminosidade da sala, o jovem pôde ver onde acabara de entrar. Era uma espécie de laboratório com dezenas de grandes tonéis medianos de metal enegrecido, donde fluía uma espécie de líquido gelatinoso, arroxeado e borbulhante, que era derramado às gotas numa cadência exata por cima de uma esteira que levava as gotas na direção de uma armação que possuía algumas perfurações. E quando caíam pelas brechas, as gotas eram embaladas e depositadas noutro saco por um homem vestido com jaleco branco e máscara cirúrgica. -
Deixe-o junto com o outro. - Comandou Nero, apontando para uma pequena porta solitária na parede pedregosa. "Tenho que sair daqui!" - Pensou o loiro, começando a controlar seu chakra que estranhamente não lhe respondia, até que sua impaciência o revelou para os dois homens quando mexeu seu punho num sofreguidão.
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Ele está acordado! - Assustou-se o maqueiro. Dando de ombros, Nero não respondeu, apenas sorriu maliciosamente enquanto via a maca se distanciar na direção da porta. Daisuke se desesperou. Não sabia o que havia atrás daquela porta e muito menos tinha vontade de descobrir. Então, forçando ainda mais as amarras, ele começou a se debater e urrar de fúria. Seus gritos ecoavam na fábrica até que a porta se abriu e a maca foi empurrada para a escuridão. As rodas rangeram no escuro e logo atingiram outro objeto de metal que deslizou até a parede oposta, acrescido de um grito assustador de alguém na sala. Daisuke não estava sozinho. E quando a porta foi novamente fechada, uma voz ecoou na escuridão.
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Saru... É você?! - Sussurrou Joshu, apavorado.
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Sim. Você está bem? - Respondeu o jovem.
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Estou amarrado! Como poderia estar...?! - Retrucaria, mas fora interrompido pela repentina claridade. Uma pequena janela se abriu vagarosamente, deixando à mostra um grosso vidro que os permitia ver um pouco o que acontecia do lado de fora da sala. Nervoso, Daisuke inclinava o pescoço como podia para acompanhar os movimentos dos dois homens que desprendiam um grosso tudo flexível de um dos tonéis, arrastando-o até a lateral da vidraça. Um som de algo rosqueando na parede fez os dois homens tremerem. Joshu não conseguia parar de chorar e balbuciar coisas sem sentido, enquanto o loiro ainda forçava as amarras na esperança de que alguma delas o libertasse. Mais uma vez Daisuke se debateu e tentou focalizar seu chakra - mais uma oportunidade para escapar - mas quando puxou as amarras, nada aconteceu. Seu chakra parecia paralisado.
"O que fizeram comigo?!" - Ele exclamava em seu interior à medida que os dois homens vestidos de branco começavam a se afastar para fora de seu campo de visão, enquanto Nero se aproximava com as mãos juntas às costas. Seu rosto era só satisfação. Aquilo tudo parecia algo que lhe dava grande prazer. -
SEU DESGRAÇADO! EU VOU MATAR VOCÊ! - Gritava o nukenin com todas as suas forças, porém, com um sorriso sádico o mafioso fazia sinal de que não conseguia ouvir nada através do vidro. Aquilo enfureceu o loiro ainda mais. Ele rangia os dentes, babava, arqueava o corpo. Seus movimentos se tornavam cada vez mais brutais até que num desses espasmos, a maca perdeu seu ponto de apoio, derrubando o garoto no chão. Joshu soluçava e suplicava, vendo o companheiro caído no chão, tentando se arrastar até a entrada com a maca às suas costas quando um ruído agudo de microfonia invadiu o local.
Não há necessidade disso, jovens. Essa é uma oportunidade única que vos darei. Vocês serão os primeiros a experimentar uma droga que acabei de inventar. Ainda não consegui inventar um nome para ela, mas saibam que vocês se tornarão muito mais fortes do que nunca. Então não há motivo para tamanha comoção. Sei que começamos com o pé esquerdo em nossas negociações, e também sei que a nocaute de meu homem não foi culpa de nenhum de vocês. Porém, o prejuízo daquela noite foi além do esperado. Minha reputação está em jogo e meus inimigos já começam a planejar minha derrubada. Eles sabem que agora não tenho tanto dinheiro para comprar apoio. Por isso, resolvi testar esta droga para que vocês me ajudem a derrubar meus inimigos em tempo. Nada mais justo para que paguem o prejuízo com trabalho. Não será um trabalho honesto, isto eu garanto, mas pelo menos vocês sairão vivos no final. Se é que conseguirão sair vivos. Hehehe. - Nero terminou seu discurso ao mesmo tempo em que desligou o microfone e fez um sinal para que os dois homens começassem a abrir as manivelas dos tonéis. O gás púrpura começou a inundar o local com um chiado funério para o desespero dos dois, que viam suas vidas se esvaírem junto com a estranha névoa.
Joshu foi o primeiro a sofrer da forte convulção que fazia sua maca vibrar de maneira violenta. Daisuke ainda se debatia, num esforço tremendo contra as amarras de couro até que ouviu o tecido começar a se rasgar contra o metal enferrujado da lateral da plataforma. "Tem que dar tempo!" - Ele torcia ao prender a respiração enquanto fazia movimentos repetitivos para desgastar o couro. Segundo a segundo, seu corpo começava a pedir por oxigênio. A cada puxão que o jovem dava na amarra, o couro respondia num granido de fibras se rompendo. -
AARRRRRGHHH!! - Gritou Joshu, eclodindo num brilho intenso e azulado ao redor de seu corpo. Aquilo assustou tanto Daisuke que ele se desconcentrou e perdeu a última reserva de ar presa aos pulmões. Não teve escolha. Era tarde demais. Ele respirou o gás. De repente, sua visão se tornou turva e em seu peito, o coração começou a bater tão acelerado que o jovem tentou se controlar para não ter uma parada cardíaca.
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Argh! – O loiro gritava, agora que seu corpo queimava e com essa queimação, uma aura de energia azulada surgiu da mesma forma que de seu colega. O poder... Ele sentia um poder tremendo. Enlouquecedor. O poder. A força de seu chakra aumentou exponencialmente. Agora sentia que podia fazer qualquer coisa. Então mais uma vez juntou chakra no punho aprisionado, quando percebeu que um selo de papel preso a seu peito acabara de queimar por inteiro. Com um puxão, as amarras estouraram de uma vez. Com olhos injetados em fúria, Daisuke encostou-se ao vidro com as duas mãos à procura de Nero e seus lacaios, mas estes já corriam pelo corredor. Fúria. Sentia muita fúria. -
EU VOU MATAR VOCÊ! - Gritou descontrolado, esmurrando a parede que ruiu num só golpe, deixando à mostra a encosta que descia por trinta metros até o mar. E sem nenhuma consciência do que fazia, saltou nas águas bravias. Saltou para o desconhecido.
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Sr. Nero, ele está fugindo?! - Gritou um dos lacaios, retornando ao laboratório.
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Deixe-o. Ele irá voltar para pedir mais. - Respondeu o mafioso. -
E quanto ao outro? - Completou.
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Morreu esturricado. E bem passado. - Brincou o lacaio, ao checar a carcaça carbonizada que um dia fora Joshu.
CONTINUA...