- Citação :
- É uma pena. Um rapaz tão bonito. Mas desse jeito. - Sussurrou a enfermeira.
- Pois é. O doutor disse que ele não poderia mais se mexer. - Respondeu a colega.
- Como assim? O que aconteceu com ele? - Perguntou.
- Parece que o veneno, mais a abstinência fritaram seus nervos. - Explicou.
Daisuke se lembrava daquele diálogo. Fazia dois dias que chegara aquele centro de tratamento, e após vários exames incômodos, nenhum médico conseguiu com que pudesse se mover. Ainda estava aprisionado em si mesmo. A angústia que sentia só começou a se tornar suportável com os remédios que lhe eram dados com certa frequência. Um alívio momentâneo daquele inferno que preferia esquecer. As horas pareciam dias e os minutos contados enlouqueciam-no cada vez mais. Ele se sentia só. Desprotegido e frágil, já que a ideia de não poder mais se mexer acabara com suas esperanças. -
Hora de dormir. - Sussurrou a enfermeira, arrastando sua cadeira de rodas até seu quarto. Não era grande coisa. Uma cama feita com molas num lastro de metal. Lençóis limpos que tinham cheiro de lavanderia, uma cômoda que serviria para guardar alguma de suas roupas, se ele tivesse alguma. Não havia janelas ou qualquer objeto que poderia ser usado para corte. Uma constante lembrança de onde estava. Paredes brancas opressoras o assustavam noite e dia, afinal, que horas eram? Essas pequenas coisas começavam a se tornar grandes problemas. Ele queria sair, correr, lutar, amar... Yuka. E não ser agarrado por um enfermeiro parrudo que agora o punha desajeitadamente na cama. Hora de dormir, disse a enfermeira. Como se ele tivesse alternativa. As luzes se apagaram.
Ele queria revirar sua cama. Queria gritar. Mas apesar de toda sua angústia, seu corpo pediu descanso num pesado sono que o levou entre sonhos desconexos e pesadelos até que percebeu a luz opaca acender. Vagarosamente abrindo os olhos incomodados com a luz, ele não pôde dizer que horas eram pela ausência da janela, mas como toda rotina, Daisuke sabia que eram os enfermeiros que o levariam até a sala de banho. Mais uma vez entrava no constrangedor local fechado. Suas roupas retiradas pelo brutamontes que sem qualquer paciência atirava-o dentro de uma grande bacia, onde duas enfermeiras horrorosas lavavam seu corpo e trocavam o curativo do ferimento da perna. O ex-nukenin não tinha ideia do porque aquilo ainda doía após algum tempo de cicatrização, mas seus olhos reviravam a cada pressão que as enfermeiras nada carinhosas faziam no local. "Quando isso vai acabar." - Enfurecia-se por dentro, com a alma aprisionada num corpo morto que acabava de receber vestes limpas. Empurrado pelos longos corredores da clínica com sua cadeira-de-rodas, ele logo chegou à área de recreação onde outros desajustados brincavam numa mesa de pingue-pongue, enquanto outros babavam, balançando a cabeça em movimentos repetitivos até que eram direcionados para a fila que acabava de se formar na direção do balcão dos remédios. -
Vamos lá. É a nossa vez. - Comentou o funcionário, empurrando-o mais uma vez.
Água e comprimidos. Praticamente enfiados goela abaixo, os medicamentos eram tão fortes que rapidamente conseguia sentir seus efeitos. Sua consciência zanzava entre a realidade e a imaginação. Lembrou-se de Lian. De sua raiva. Da vingança e do pedido que fizera a todos os deuses. "Mais uma chance." - Concluía. Sem isso, não haveria justiça para seu coração. Terminado seu serviço, o enfermeiro o arrastou até a beira da janela gradeada, por onde conseguia tomar um pouco de sol e ver a paisagem tropical numa floresta que se estendia até onde seus olhos conseguiam enxergar. Sua garganta novamente se tornou seca, e o nó acarretou num choro com pequenas gotas que deslizaram pelas bochechas, caindo sobre seus pulsos inertes. Parecia que o grande Daisuke iria perder sua última batalha. Suas forças para que se mantivesse vivo estavam se esgotando e sua vontade de morrer se tornava mais evidente em sua cabeça. Essas besteiras que surgiam na sua cabeça vazia de esperança eram suprimidas pelos remédios, mas não o suficiente. Tudo estava escuro... Cochilava. Mais um efeito da droga do tratamento. Tudo rotineiro até que uma voz conhecida o retirou do torpor. -
Meu Deus! Meu filho! Daisuke! Procuramos você por tanto tempo! - Disse a mulher emocionada. Mesmo sem poder se virar, ele reconheceu na mesma hora aquela voz aveludada e carinhosa. -
Meu filho. - Concluiu, abraçando-o com muita força.
O Hiroshi saíra à sua mãe. Cabelos loiros com pele branca, Kinua era uma mulher de uma beleza ímpar. Vestida elegantemente como uma executiva, com seu pequeno terno e minissaia. Ela costumava ser uma mãe amorosa, mas que nunca tinha tempo para aproveitar a maternidade. O inválido pareceu não acreditar. Um efeito do remédio talvez. Mas a cada segundo de carinho que recebia parecia lhe trazer do mundo dos sonhos para a realidade. Aquilo realmente acontecia. Nesse momento, ao fitá-la com seus olhos azuis que ela compartilhava, o jovem queria abraçá-la. Dizer que sentira muita saudade e que estava agradecido por ela não ter desistido de encontrá-lo. Ele pensava que apesar do assassinato, sua mãe não parecia se importar. Ela queria apenas abraçar e beijar o filho. -
Meu amor. - Dizia com lágrimas nos olhos. Aquela visão fê-lo sentir pela primeira vez o acolhimento que necessitava. Agora tudo iria voltar ao normal. Pelo menos era isso que desejava. Seu coração estava feliz. Recuperando-se da reação emocionada, a senhora Hiroshi se levantou e aprumou a vestimenta. Ainda com a mão em seu ombro, ela conversava com o médico que lhe explicara o motivo pelo qual seu filho não mais andaria ou falaria. Seria um vegetal para sempre. Aquela informação a pegou completamente desprevenida. Tanto que apertou seu ombro com uma força que ele pensava que jamais ela tivesse. Contudo, mesmo assim, a mulher segurou o soluço e acenou: -
Vamos levá-lo para casa. O médico pareceu preocupado com a recuperação do paciente, mas a mulher foi bastante convincente. -
Tudo bem. Vou preparar a papelada. - Comentou ao sair do recinto. As enfermeiras ficaram tristes ao saberem que iria partir. Mesmo abatido e fraco, ainda conseguia mexer com os corações femininos. Pensamento besta. Mas que naquela hora serviu de apoio para sua nova jornada. Iria para casa. Enfim. Um ano se passou desde que saiu da Vila da Areia. Estava curioso em saber como estavam seus amigos falsos e seu melhor amigo, Makoto. Como será que seu amigo estava? Será que já era um Jounin? Pouco provável. Daisuke sabia que aquele magrelo nunca seria tão talentoso assim, apesar de sua inteligência. Certamente gostaria de ver a lápide do professor idiota que sempre cruzava em seu caminho. Ele não mais se preocupava com o julgamento. Tudo, realmente tudo, seria melhor do que ter de passar mais um segundo naquele hospício. Sua mão acariciava seus cabelos como sempre fazia quando era mais jovem, sorrindo sempre que seus olhos se moviam na direção dela. Finalmente tinha encontrado seu filho. O rapaz queria perguntar onde estava seu pai. Realmente esperava vê-lo naquela situação. Isso certamente lhe traria mais conforto. -
Seu pai esta viajando de volta para Suna. Deixou tudo o que fazia para te esperar em casa. - Adivinhou sua mãe. Aquela informação encheu ainda mais o coração do loiro.
-
Estamos quase prontos. - Disse ao terminar de arrumar as poucas roupas de seu filho. -
Quem vai adorar te encontrar é seu professor. Lembra-se dele? - Perguntou com inocência, acabando de fechar a mala, mesmo sabendo que seu filho não poderia responder.
CONTINUA...