Retribuição
~ Machismo e Ocupação ~
Ele acabara de dizer que ela ia pagar? Ayame não entendeu.
- A esponja está ali na bancada, bem como o líquido lava-loiça. A vassoura está na despensa, aquela porta ali à direita – continuou ele, apontado para os locais que referira. Levantou-se, foi ao quarto buscar o livro que estava a ler e sentou-se no sofá. Assim que o fez, exclamou: - Quando terminares, avisa.
Ayame ficara em choque a olhar para ele. Nunca esperara aquela atitude.
- Estás a falar a sério?
Ele olhou por cima do ombro, para onde ela se encontrava, e a gennin reparou que os seus olhos brilhantes encontraram os dela, fitando-a e deixando-a sem escapatória. Estava a falar seriamente.
- Claro que estou. Ajudei-te. Tiveste uma refeição de borla e tudo. Portanto, hora de retribuir. E deixei-te a parte mais fácil; as mulheres têm jeito para a limpeza.
- Isso é incrivelmente machista! – barafustou ela, indignada.
- As mulheres falam sempre em igualdade de direitos e o que mais. Se eu faço algo por ti, tu fazes algo por mim. Não tens qualquer tipo de argumento para contra-atacar o que disse.
E voltou ao seu livro depois de a deixar sem qualquer escolha. Ele tinha razão, era justo retribuir, ainda que fosse de uma maneira completamente fora do convencional. Hikaru lá devia ter as suas razões.
Fez a tarefa rapidamente. Os anos que passara a ajudar a família tinham-lhe fornecido uma boa experiência. Deu por si a reparar que estava um pouco cansada. Devia ter feito as coisas com mais calma, isso era um facto.
- Já está? – perguntou Hikaru. Uma vez mais, não olhou para ela, absorvido pelo livro. Ayame perguntou-se se ele a estaria a evitar. – Agora vai arrumar o futon dentro do armário do corredor e varre o chão deste andar.
- Mas a casa está impecável…
- Quem te disse que não é um genjutsu para pensares que estás numa casa impecável e XPTO e estás numa espelunca?
- Esse seria o genjutsu mais inútil de sempre…
- Ayame… - suspirou ele, pousando o livro na mesa. Levantou-se e encostou-se nas costas do sofá, para ficar directamente virado para ela. – Nunca imaginei que fosses tão queixinhas.
A gennin corou e virou a cara. Estava a ser repreendida; era embaraçoso.
- E não sou… Apenas não vejo o sentido de fazer tudo isto…
- E se eu te dissesse que é um treino?
-Huh?
Ele pausou e sorriu. Os seus olhos fitavam-na com um misto de divertimento e gozo. Mas iria ser sincero com ela.
- Em tudo o que tu fazes, estás a treinar componentes básicos para o combate. Não é só batalhas e jutsus. Podes aplicar e desenvolver força, velocidade, agilidade, destreza em praticamente tudo o que fazes. E todas essas componentes são necessárias para te desenvolveres enquanto kunoichi – fez uma pausa. Reparou na cara da rapariga, que parecia compreender o que ele estava a dizer. – Que seria de ti sem força? Sem agilidade? Se não fizesses algo na tua vida e a tua constituição fosse frágil? Percebes agora?
Ayame baixou os olhos para não o encarar. Devia ter confiado mais nele.
- Mas isto não deixa de ser machista… - murmurou.
Hikaru não conseguiu conter um riso.
- Ok, até posso aceitar isso – confessou num gracejo. – Mas agora deixa lá de te queixar e faz as coisas, que é para o teu bem.
Quando viu que a rapariga anuíra, voltou a pegar no livro e a sentar-se no sofá. Continuaria atento a ela, mas sabia que ela faria um bom trabalho. Inútil, mas fá-lo-ia. O facto de gostar de ter sempre tudo arrumado não estava a facilitar e a desculpa do genjutsu era pouco convincente. Ninguém teria um genjutsu de fazer a casar parecer suja. Pelo menos, não deveria haver nenhum com aquele efeito, ainda que pudesse haver algum que fizesse o outro ver isso se fosse um dos seus medos. Sorriu com a ideia e voltou ao seu livro.
A kunoichi subiu as escadas, localizadas entre o hall e a grande divisão do rés-do-chão onde estivera e que incluía a cozinha, a sala de jantar e a sala de estar. Entrou na segunda porta, que era o quarto de Hikaru. Arrumou o que poderia arrumar e tentou ainda deixar tudo o mais impecável possível.
Para onde quer que olhasse, tudo parecia estar perfeito. Mas iria varrer aquele andar inferior apenas para calar Hikaru e fazer o treino que ele tinha programado, ainda que se questionasse se realmente estaria planeado ou ele estava apenas a juntar o útil ao agradável. Abriu o armário em frente das escadas e tirou de lá a vassoura e o apanhador do lixo para começar a tarefa. Queria despachar-se daquilo.
Tratou da cozinha rapidamente. Por mais que olhasse, Ayame achava que o seu trabalho estava a ser inútil e suspirou. Voltou a colocar cada uma das cadeiras no seu respectivo local e voltou-se para a sala de estar, na qual estava Hikaru sentado num dos sofás. Não conseguiria mover os sofás sozinha, especialmente com ele sentado em cima de um deles.
- Podes dar-me uma ajuda, por favor? – pediu.
Os olhos enigmáticos de Hikaru encontraram os seus. Nada disse. Apenas se levantou e foi sentar-se numa das cadeiras da sala de jantar, deixando a área livre para que ela a limpasse. Não iria ceder no suposto treino nem sequer ajudá-la. A rapariga suspirou. Não deveria estar surpreendida.
Quanto terminou todas as actividades, arrumou o material de limpeza. Apanhou um susto quando se virou para voltar para a sala. Hikaru estava ao seu lado e nem dera pela presença dele.
- Distraída – apontou ele, dando-lhe uma pequena pancadinha na testa com a ponta de dois dedos. Tirou uma pequena caixinha do bolso do seu colete, que estava pendurado no cabide da entrada, e atirou algo do seu conteúdo a Ayame. – Vai-te fazer bem.
- Hum… Uma pastilha energética? Reconheço isto… – perguntou a gennin, surpreendida pela atitude do sensei. Não fazia ideia que ainda lhe restava algum pedaço de bondade. Tornava-se difícil compreender o que passava pela cabeça dele.
- Também compro coisas à tua família. Toda a gente sabe o seu valor. É para as tuas possíveis dores musculares. Considera-o um reconhecimento pelo teu bom trabalho – explicou ele, passando por ela ao colocar a mão na cabeça dela, como se ela fosse uma menina pequena. - Anda, eu acompanho-te a casa.